A manhã seguinte chegou cinzenta. A chuva da noite anterior persistia em forma de garoa silenciosa, como se o céu estivesse hesitante em deixar o sol voltar. Luna estacionou o carro diante da mansão e ficou ali por alguns instantes, olhando o portão automático se abrir lentamente. Havia dormido no apartamento da mãe, pois não queria voltar à mansão naquele dia. Não queria lidar com aquilo naquele dia, só precisava se distanciar.
Respirou fundo e saiu do carro. Ajustou o casaco. Reviu mentalmente cada palavra da mensagem que ele havia mandado na noite anterior. E sentiu cada uma delas também, como algo verdadeiro, profundo.
“Você não me vê pela metade. Isso me assusta. E mexe comigo.”
Era a primeira vez que Caio se mostrava humano. Não como o empresário implacável, o ex-jogador de futebol, o homem quebrado ou o paciente arredio… mas como um homem que finalmente reconhecia a mulher diante dele.
Ela fez o percurso do carro até a entrada da mansão decidida. Não fugiria mais. E não deixaria que ele fugisse também.
Quando entrou, encontrou a casa em silêncio. Apenas o som suave de jazz vindo da sala ecoava pelos corredores. Um clima estranho — como se a mansão também aguardasse algo.
Caio estava ali, de costas, na sua cadeira perto da lareira. Vestia um suéter escuro que o deixava ainda mais elegante, mas havia algo no jeito como mantinha os ombros curvados que o tornava vulnerável.
— Achei que você não voltaria — disse, sem se virar.
— Pensei em não voltar — respondeu ela, firme. — Mas eu não sou o tipo de pessoa que vai embora quando as coisas ficam difíceis. Já teve gente suficiente assim na sua vida.
Ele se virou, os olhos buscando os dela.
— Eu não sou fácil, Luna.
— Eu também não. Mas isso nunca me impediu de amar ninguém.
Houve um silêncio denso. Não de desconforto — mas de palavras não ditas, emoções represadas.
— Eu ainda estou aprendendo como ser... isso. — Ele fez um gesto vago com a mão. — Um homem de novo. Um homem inteiro, mesmo que de um jeito novo. E eu tenho medo. Medo de tentar. Medo de falhar com você.
Luna se aproximou. Parou diante dele, tão perto que podia sentir sua respiração.
— Não é preciso estar inteiro para ser digno de amor, Caio. Às vezes, é justamente o amor que nos reconstrói.
Os olhos dele brilharam com uma emoção que ele não soube esconder. Era como se uma muralha invisível estivesse, finalmente, rachando.
Ela ergueu a mão e tocou o rosto dele com suavidade.
— Você me atrai pelo que é. Pelas rachaduras. Pelo que tenta esconder. Mas eu não estou aqui para te salvar, Caio. Estou aqui para caminhar ao seu lado — se você quiser.
Ele segurou a mão dela, apertando de leve. Os olhos fixos nos dela.
— Eu quero.
O tempo pareceu parar naquele instante. Como se o universo estivesse segurando a respiração.
E então ele fez algo que Luna jamais imaginaria ver tão cedo: se inclinou devagar e encostou os lábios na mão dela, com um respeito quase devoto.
Foi o beijo mais casto, mais íntimo — e mais poderoso que ela já havia sentido.
Naquela noite, Luna preparou um jantar gostoso, e os dois comeram juntos na varanda envidraçada. Falaram pouco, mas havia uma leveza nova entre eles. Uma paz silenciosa.
Depois do jantar, enquanto ela recolhia a louça, ele se aproximou pela porta.
— Amanhã... — começou ele. — Quero que você me acompanhe. Tenho um lugar pra te mostrar.
— Que lugar?
— Parte da minha história. Parte do que eu perdi. E talvez... do que eu quero reconstruir.
Luna sorriu, curiosa.
— Então vamos.