O dia do meu décimo segundo aniversário amanheceu com uma mistura de sol e nuvens, quase como um reflexo do turbilhão de emoções dentro de mim. O castelo estava em um burburinho animado, mas para mim, cada risada e cada sussurro pareciam amplificados pela ansiedade. Hoje era o dia. O dia em que meu lobo despertaria. Lia estava quase explodindo de empolgação, seus olhos verdes brilhando com a promessa de liberdade e força. Eu, por outro lado, sentia um nó no estômago.
Apesar de toda a excitação, a insegurança sobre meu corpo gordinho e minha natureza desastrada persistia. Eu me olhava no espelho pela manhã, tentando me convencer de que meu lobo seria diferente, que ele seria elegante e poderoso, algo que eu sentia que minha forma humana não era. Meus cabelos cor de chocolate pareciam ainda mais rebeldes, e minhas sardinhas, mais evidentes. Eu queria que a transformação me libertasse daquela sensação de inadequação.
A tradição ditava que a primeira transformação acontecesse em um local isolado, geralmente uma clareira na floresta próxima ao castelo, sob a luz da lua cheia, e sob a supervisão de um Alfa experiente. Para mim, a filha do Rei, a expectativa era ainda maior. Fui levada por um dos guardas mais antigos e confiáveis do meu padrasto, um lobo chamado Kael, até uma clareira que eu conhecia bem, um lugar onde Lia e eu costumávamos brincar. A lua cheia, que seria a catalisadora da transformação, já começava a surgir no horizonte, tingindo o céu de tons alaranjados e roxos.
Kael me deixou sozinha no centro da clareira, com instruções claras sobre como me concentrar e permitir que a natureza seguisse seu curso. Ele se afastou para uma distância segura, mas ainda visível, sua figura imponente uma garantia de que eu não estava completamente desamparada. A brisa da noite começou a soprar, e eu podia sentir o cheiro da terra úmida e das folhas secas, cheiros que, de repente, pareciam mais intensos do que nunca.
Fechei os olhos, respirando fundo, tentando acalmar meu coração que batia como um tambor. Pensei em Lia, em suas palavras de encorajamento. Pensei na minha mãe, Helena, e na sua força silenciosa. E então, a dor começou.
Foi como se cada osso do meu corpo estivesse se partindo ao mesmo tempo. Uma dor lancinante, que me fez gritar, um som que parecia rasgar minha garganta. Meus músculos se contorciam, se esticavam, se reformavam. Senti minha pele esticar e rasgar, e um calor insuportável me envolveu. Era uma agonia que eu nunca imaginei ser possível, uma tortura que parecia não ter fim. Caí de joelhos, depois me joguei no chão, me contorcendo e gemendo, enquanto a transformação me consumia.
Meus dedos se alongaram, minhas unhas se tornaram garras afiadas. Senti meu rosto se alongar, meu nariz se transformando em um focinho sensível. Meus dentes se tornaram presas. O pelo começou a brotar em minha pele, uma camada espessa e quente que me cobria da cabeça aos pés. Eu podia ouvir os estalos dos meus ossos se realinhando, o som da minha própria carne se moldando em algo novo. A dor era excruciante, mas no meio dela, uma sensação estranha e poderosa começou a surgir, uma energia bruta que me impulsionava.
Quando a dor finalmente começou a diminuir, eu estava ofegante, meu corpo tremendo. Abri os olhos, e o mundo parecia diferente. As cores eram mais vibrantes, os sons mais nítidos. Eu podia sentir o cheiro de cada folha, cada inseto na floresta. Minha visão era mais aguçada, e eu podia ver detalhes que antes me escapavam.
Tentei me levantar, e meus novos membros pareceram estranhos no início. Caí de novo, desajeitada, mas então, com um esforço, me levantei sobre quatro patas. Olhei para minhas patas, para o pelo que as cobria. Era de um castanho escuro, quase chocolate, o mesmo tom dos meus cabelos humanos, mas com reflexos dourados que cintilavam sob a luz da lua.
Meus olhos encontraram um pequeno lago na clareira, e eu me arrastei até a borda, curiosa para ver meu reflexo. Quando olhei para a superfície da água, um lobo me encarou de volta. Ele era grande, sim, maior do que eu esperava, com um corpo musculoso e um pelo denso e brilhante. Seus olhos eram de um castanho intenso, os mesmos que eu tinha em minha forma humana. Ele era lindo. Aquele lobo era eu.
Uma onda de alívio e orgulho me inundou. Eu não era um lobo desajeitado. Eu era forte. Eu era bonita. A insegurança que eu carregava sobre meu corpo humano pareceu diminuir, substituída por uma sensação de poder e pertencimento.
Foi então que senti uma presença. Um cheiro familiar, poderoso, que me fez levantar a cabeça e rosnar instintivamente. Era Dominic. Meu padrasto. Ele estava parado na borda da clareira, sua figura imponente se destacando contra a luz da lua. Seus olhos dourados estavam fixos em mim, e eu podia sentir a intensidade de seu olhar.
Eu me senti um pouco envergonhada, um lobo recém-transformado, ainda desajeitada em minha nova forma. Mas ele não parecia julgar. Em vez disso, seu rosto, geralmente tão sério, tinha uma expressão complexa. Havia orgulho, sim, eu podia sentir isso. Mas também havia uma melancolia, uma profundidade que eu não conseguia decifrar. E, por um breve instante, eu senti um vislumbre de algo mais, algo que parecia quase... admiração.
Ele deu um passo à frente, e eu recuei um pouco, ainda não acostumada com a ideia de um Lycan tão poderoso se aproximando de mim em minha forma lupina. Mas ele parou, estendendo a mão lentamente, como se estivesse se aproximando de um animal selvagem.
"Ana", sua voz era baixa, mas carregada de uma emoção que eu nunca havia ouvido antes. "Você está bem?"
Eu não podia falar, mas inclinei a cabeça, um gesto de reconhecimento. Ele se aproximou ainda mais, e eu não recuei. Sua mão grande e forte se estendeu e tocou suavemente o topo da minha cabeça, acariciando meu pelo recém-formado. O toque foi suave, mas carregado de uma energia que me fez arrepiar. Era um toque de carinho, de amizade, e eu me aninhei um pouco contra sua mão, sentindo o calor e a segurança que ele irradiava.
Seus olhos fixaram-se nos meus, e eu vi um brilho neles, um brilho que parecia quase... tristeza. Ele via minha mãe em mim, eu sabia. A dor da perda dele ainda estava lá, uma sombra que eu sentia, mesmo sem entender completamente. Mas naquele momento, sob o toque de sua mão, eu me senti conectada a ele de uma forma que nunca havia sentido antes. Não como o Rei e a filha do Rei, mas com a familiaridade e o conforto que um carinho e uma amizade podiam oferecer.
Eu comecei a me mover, sentindo a força em minhas patas, a agilidade que eu nunca tive em minha forma humana. Corri em círculos na clareira, sentindo o vento em meu focinho, a liberdade em cada salto. Era uma sensação inebriante, e eu uivei para a lua, um som que vinha do fundo da minha alma, um uivo de celebração e de pertencimento.
Dominic me observava, um sorriso quase imperceptível surgindo em seus lábios. Ele estava orgulhoso. Eu podia sentir isso. E, pela primeira vez, eu me senti verdadeiramente em casa em minha própria pele, em minha própria forma. A transformação havia sido dolorosa, sim, mas o resultado era algo que eu nunca imaginei. Eu era um lobo. E eu era forte.