Mundo de ficçãoIniciar sessãoCharlotte desligou o motor de seu sedã, sentindo o alívio familiar de ter Chegado ao seu ambiente de trabalho sem atraso. O asilo Lar da Tranquilidade era um refúgio de paz visual, com canteiros que explodiam em cores de rosas e hortênsias, e bancos de ferro forjado dispostos sob velhas árvores. Era um lugar aconchegante, o aroma de terra úmida e flores frescas contrastando com o cheiro mais austero de álcool e limpeza que pairava no interior.
Ao sair do carro, ajustando a bolsa em seu ombro, ela viu Ana, sua colega de trabalho e amiga, encostada na cerca do estacionamento, tragando um cigarro com o olhar perdido no horizonte. Ana, mais velha e cínica, era o oposto da vitalidade cuidadosa de Charlotte.
"Bom dia, Charlotte! Pensei que não vinha mais," Ana murmurou, soltando uma nuvem de fumaça cinzenta no ar frio da manhã.
"Bom dia, Ana." Charlotte respondeu, sorrindo e caminhando em sua direção.
Ana deu mais uma tragada. "Você está com ares de quem vai roubar um banco, toda sorridente. Quais são os planos para as férias? Vai finalmente dar a essa menina férias decentes?"
Charlotte sentiu o sorriso se alargar ao pensar em Milli. "Você não tem ideia! Ela está planejando tudo. Pesquisou um bangalô na praia pelo notebook. Eu prometi que iríamos pessoalmente à agência hoje à tarde para ver as opções e tentar fechar."
"Um bangalô, hein? A menina tem bom gosto," Ana riu, apagando o cigarro com a ponta do pé. "É bom que você consiga ir. Você precisa de areia e sol, não de mais corredores e idosos rabugentos. Vá lá, se divirta em suas férias."
"Pode deixar. Te vejo lá dentro."
Charlotte acenou e seguiu em direção à porta principal. O hall de entrada era calmo, com sofás macios e quadros de paisagens serenas, reforçando a atmosfera de cuidado e ternura que ela tanto prezava em seu trabalho.
No entanto, antes que pudesse sequer bater o ponto, uma das portas de carvalho maciço do corredor administrativo se abriu. Dela emergiu o Diretor, Sr. Torres. Ele era um homem baixo, com um abdômen que teimava em se sobressair sob o colete do terno, e óculos de aro grosso que pareciam aumentar o rigor de seu olhar. A expressão em seu rosto era de irritação.
"Charlotte! Entre, por favor. Agora," ele ordenou, a voz áspera e sem rodeios.
Charlotte sentiu um calafrio na espinha. O sorriso desapareceu de seu rosto enquanto ela obedecia, seguindo-o para o escritório que cheirava a café forte e papel velho.
Sr. Torres fechou a porta com um estalo e apontou para a cadeira à frente de sua mesa, voltando-se para a sua própria poltrona de couro.
"Estou lhe chamando por causa da Sra. Lúcia," ele começou, sem rodeios, apoiando as mãos na mesa. "Recebi uma reclamação da enfermeira-chefe. Soube que a senhora deu doces a ela novamente."
Charlotte endireitou a postura. "Sim, senhor. Dei a ela dois biscoitos de aveia que eu mesma preparei. Ela os adora."
O Diretor bateu levemente os dedos na mesa. "Charlotte, nós temos regras! Sei que o filho dela deu permissão verbal para 'pequenos mimos', mas essa permissão não anula a política interna do Lar. A Sra. Lúcia tem 89 anos! Ela não pode ser acostumada a ganhar doces de sua cuidadora sempre que deseja. Isso abre precedentes e desorganiza a rotina."
Charlotte sentiu a frustração crescer. O trabalho era recompensador, mas a burocracia do Sr. Torres era exaustiva. Ela já estava cansada de tudo aquilo.
"Sr. Torres, por favor, me permita falar," ela interveio, mantendo a voz calma e profissional. "A Sra. Lúcia não tem nenhuma restrição alimentar documentada. Seu único desejo é ter um pouco de chocolate ou um biscoito ocasional. Eu vejo o quanto ela fica feliz com esse pequeno gesto. Eu só queria tornar a vida da pobre mulher mais feliz."
O Diretor tirou os óculos e os esfregou com um pano, os olhos fixos nela com severidade.
"Não cabe a você julgar o que é mais feliz para ela. Cabe a você seguir as regras do asilo. Charlotte, você é uma cuidadora excelente, a melhor que temos, mas essa insubordinação sobre as regras é inaceitável. A próxima vez que eu receber um relatório sobre você quebrando a política interna, seja qual for a desculpa... você estará demitida. Fui claro?"
O peso da ameaça a atingiu. Ela não podia perder aquele emprego. Não agora, com ela tendo que cuidar da filha sozinha.
Charlotte engoliu em seco. A discussão era inútil; o Sr. Torres vivia para a autoridade.
"Sim, Sr. Torres," ela respondeu, com a voz baixa. "Eu entendi perfeitamente. Isso não se repetirá."
Ela se levantou, deu meia volta e saiu da sala, fechando a porta silenciosamente atrás de si. A brisa suave do corredor, carregada pelo perfume das flores do jardim, foi um alívio. Mas o sorriso de mais cedo havia sido substituído por uma determinação silenciosa. Ela não podia ser demitida.







