Capítulo 2
Ele a colocou sobre a cama, ajeitando os travesseiros e o lençol sob ela. O calor do quarto contrastava com a frieza de seu corpo. Ele passou um cobertor por cima e se ajoelhou ao lado, observando cada detalhe de seu rosto. Ela parecia mais tranquila agora, como se seu corpo soubesse que estava longe do perigo. Mas o instinto de Cael dizia que os verdadeiros pesadelos ainda estavam por vir. O médico chegou em menos de três minutos. — Santo céu... — murmurou o doutor Myles assim que entrou. — Ela parece ter sido arrastada pelo inferno. — Cuide dela. Faça tudo o que for preciso. — Cael se afastou, mas permaneceu dentro do quarto, os braços cruzados, o olhar fixo. Myles aproximou-se da jovem, já munido de uma maleta repleta de instrumentos e frascos. Tirou o cobertor com delicadeza e examinou os ferimentos com um lampejo de choque no olhar. — Costelas trincadas, desidratação severa, sinais de contenção nos pulsos e tornozelos... há cicatrizes mal curadas nas costas. Provavelmente ela foi mantida em cativeiro. E... — ele inspirou fundo — marcas de tentativa de marcação no pescoço. Cael se aproximou como um raio, os olhos brilhando de raiva. — Ele tentou marcá-la? — Sim. Mas... falhou. A rejeição do corpo dela à marca indica que não havia vínculo. Ela resistiu — explicou o médico. — Mas ainda assim... isso deixou cicatrizes internas. Vai levar tempo até ela se recuperar completamente. O Alfa deu as costas, os punhos cerrados. — Lucian. Foi ele. A simples menção ao nome do rival fez o ar do quarto parecer mais denso. — Eu quero relatórios diários. Tudo que ela precisar, terá. — A voz de Cael era baixa, porém letal. — E quando ela acordar, quero saber imediatamente. — Claro, Alfa. Com os primeiros socorros aplicados, sedativos leves e soro intravenoso, Myles recolheu os instrumentos e saiu, deixando os dois sozinhos no quarto. Cael sentou-se na poltrona ao lado da cama e passou a mão pelo cabelo, os olhos fixos na companheira adormecida. Ela parecia tão pequena naquela cama enorme. Tão frágil. Mas ele sentia algo mais sob aquela pele delicada. Uma força adormecida. Uma chama esperando para se acender. — Você não está mais sozinha, pequena loba — murmurou. — Eu vou protegê-la. Com a minha vida, se for preciso. O fogo da lareira iluminava parcialmente as paredes de pedra, criando sombras que dançavam no ritmo da chama. A jovem ômega, estava deitada na cama, envolta em lençóis brancos, seu corpo ainda frágil e coberto de curativos. Cael permaneceu ao seu lado, sentado em uma poltrona de couro escuro, os olhos fixos nela. O médico da matilha havia dito que ela precisaria de tempo para se recuperar, mas ele sabia que a cura não era apenas física. A dor que ela carregava não era apenas nas marcas no corpo, mas algo mais profundo, mais devastador. As horas passaram lentamente. O som da chuva parecia mais uma canção triste para Cael enquanto ele observava cada respiração dela, a leve agitação em seus ombros quando os pesadelos começavam a tomá-la. Ele poderia ter sido mais produtivo. Poderia ter continuado com as reuniões que aguardavam seu retorno, mas algo dentro de si o impedia de deixá-la sozinha. A conexão entre eles era mais forte do que qualquer responsabilidade, mais intensa do que qualquer obrigação. Foi então que ela começou a se mover. Sua mão se apertou no lençol e seus lábios se mexeram, murmurando palavras baixas, quase inaudíveis, mas suficientes para que Cael as ouvisse. — Não... não quero casar... — Sua voz estava quebrada, como se estivesse lutando para acordar de um pesadelo. Cael se aproximou imediatamente, os olhos se suavizando. Ele sabia que estava lidando com algo mais do que simples delírios. Ela estava revivendo seus próprios demônios, lutando contra os horrores que a haviam aprisionado. — Pequena... — ele murmurou, sua voz suave, mas cheia de autoridade. — Eu estou aqui. Não precisa ter medo. Você está segura. Mas ela não o ouvia. As palavras dela continuaram, cada uma como uma lâmina que cortava a alma de Cael. — Ele me prende... me mantém... — Ela engoliu em seco, o rosto contorcido de dor, mas seus olhos ainda estavam fechados. — Quero fugir... Cael sentiu seu coração apertar. A ideia de alguém ter prendido uma fêmea tão preciosa quanto aquela jovem em um cativeiro... algo dentro dele explodiu. Ele queria correr até a matilha Bloodclaw e destruir tudo o que estivesse em seu caminho, mas se mantinha firme. Não podia agir com raiva cega agora. Não até ela estar em segurança, até ela despertar e entender o que significava ser livre. Ele pegou sua mão delicadamente, os dedos grandes envolvendo os dela. O simples toque pareceu trazer algum conforto, mas os murmúrios continuaram. — Ele... Lucian... vai me... — Ela suspirou, seus olhos se movendo rapidamente sob as pálpebras fechadas. — Vai me forçar... não posso... Os dentes de Cael se cerraram, os olhos se estreitando. O ódio por Lucian, o Alfa dos Bloodclaw, queimava nele como uma chama selvagem. Ele sabia o que Lucian era capaz de fazer. Era um Alfa que usava o poder como uma arma, que usava os fracos e os inocentes para se fortalecer. Mas o mais cruel de tudo... ele sabia o quanto ele machucaria Aurora, e isso o enfurecia de uma forma que ele nunca havia experimentado. Com um rosnado baixo, Cael curvou-se para frente, colocando a testa suavemente contra a mão de Aurora.