Capítulo 07

Lucy correu escada acima, trancando-se no quarto. As lágrimas vieram, quentes e pesadas. Não suportaria reviver os dias de buscar Mary em bares, de ser a mãe da própria mãe. Pensou em voltar, mas sabia que, sem a herança, dependeria de terceiros. Ficaria em Cameron, pelo menos até garantir o dinheiro. Pegou o celular, querendo ligar para Verônica, mas antes que pudesse, o nome dela apareceu na tela.

— Como tá? — perguntou Verônica, animada.

— Péssima — respondeu Lucy, a voz embargada, incapaz de esconder a dor.

— Por quê? — Verônica pareceu preocupada. — O que aconteceu?

— As pessoas na escola me odeiam — disse Lucy, as lágrimas escorrendo. Sabia que soava dramático, mas era verdade.

— Lucy, ninguém odeia alguém que acabou de conhecer — disse Verônica, rindo, tentando animá-la.

— Eles sim! — insistiu Lucy. — Escutei uma menina falando coisas sem sentido, que minha avó era gagá, que eu sou pior. Todos me olham como se eu fosse... um monstro.

— Deve ser bobagem, crendice desse povo — disse Verônica, com desdém. — Sabe como são, acreditam em qualquer coisa.

— Não, é pior — murmurou Lucy, estremecendo ao lembrar dos olhares. — Todos me rejeitam.

— Você tá imaginando coisas — disse Verônica, já planejando ir até Cameron para defender a amiga. — Duvido que amanhã ninguém fale com você.

— Será? — Lucy pensou no diretor, no garoto de olhos de safira. Talvez alguém não a odiasse.

— Com certeza! — garantiu Verônica. — Agora me conta, como são os gatinhos daí?

Lucy lembrou do garoto de olhos de safira, o coração palpitando.

— Não reparei muito — disse, a voz pouco convincente.

— Em nenhum? — Verônica riu, debochada. — Sei, Lucy.

— Tem um, mas ele é... diferente — admitiu Lucy, lembrando o olhar hesitante dele.

— Diferente como? Esquisito? — Verônica brincou. — Por que você sempre cai pelos estranhos?

— Não sei explicar — disse Lucy. — Ele me olha de um jeito... não sei. Não parece querer me machucar, mas tem algo... como um receio.

— Tipo desejo ou tipo “quero te matar”? — perguntou Verônica, rindo.

— Não é isso — disse Lucy, frustrada. — É diferente.

— Você é um desperdício de beleza — disse Verônica. — Aposto que achou o mais esquisito pra se apaixonar.

— Não fala assim — murmurou Lucy. — Acho que eu sou a estranha aqui.

— Você pode ter quem quiser e fica se guardando pra nada — disse Verônica. — Aliás, lembra que eu disse que me arrependi de não esperar? Mentira. A prática é boa!

Lucy riu, mas a risada morreu quando Verônica continuou:

— Saí ontem e... encontrei alguém incrível. O sexo foi de outro mundo. Te emprestaria se você estivesse aqui!

— Quem, Verônica? — perguntou Lucy, temendo a resposta.

— Promete que não vai ficar brava? — disse Verônica, hesitante.

— Quem foi? — insistiu Lucy, o tom sério.

— Hector — confessou Verônica, encolhendo-se do outro lado da linha.

— O pai da Alice? — exclamou Lucy, chocada. — Amigo do seu pai? V, como pôde?

— Eu sei que sou uma vaca! — admitiu Verônica. — Mas não briga comigo. Você ainda quer ser minha amiga, né?

Lucy suspirou, balançando a cabeça.

— Quem mandou dividir meu suco com você há dez anos? Agora não tem jeito, vou ter que te aturar pra sempre.

— Então não se preocupa — disse Verônica. — Se tudo der errado, corro pra essa cidadezinha e boto fogo com você.

— Seria bom — disse Lucy, sorrindo com saudade. — Mas, sério, V, cuidado. Você é adolescente. Esses caras só querem brincar com você.

— Eu que quero brincar com eles! — retrucou Verônica, rindo.

— Você vai acabar com um casamento qualquer dia — disse Lucy, sem graça, mas rindo. — E isso nem seria o pior.

— Que nada, não quero nada sério. Só quero aproveitar a vida! — disse Verônica.

— Você é louca — disse Lucy, rindo, apesar da preocupação.

— Por isso me ama — respondeu Verônica. — Tô pensando em contar meus pecados pra um padre. São deliciosos!

— O padre vai te prender por dez anos com tantas Ave-Marias — brincou Lucy.

— Te odeio! — disse Verônica, rindo.

— Também te odeio — respondeu Lucy, sentindo uma saudade que apertava o peito.

Ela desligou, deitando-se na cama, o colar ainda quente contra sua pele. Sem Verônica, suas conversas seriam só por telefone, sem caretas ou travesseiros voando. Tudo parecia mais vazio agora.

Catherine entrou no quarto minutos depois, os olhos tristonhos carregados de pena. Lucy conhecia aquele olhar — o mesmo que todos lançavam ao ver Mary. Mas, pela primeira vez, sentiu que não era só pena por sua mãe, mas por ela também.

— Como ela tá? — perguntou Lucy, levantando os olhos.

— Daqui a algumas horas, estará melhor — disse Catherine, aproximando-se. Ela hesitou, como se quisesse abraçá-la, mas Lucy endireitou os ombros, afastando-a gentilmente.

— Obrigada — disse Lucy. — Ela vai precisar da sua atenção. E, por favor, não a deixe sair.

Catherine assentiu, mas seus olhos revelavam mais do que dizia. Ela conhecia Mary de antes, de um tempo em que era vibrante, cheia de vida. Agora, via apenas uma sombra, afogada em álcool para esquecer a dor. Lucy percebeu o peso daquele olhar.

— Há quanto tempo ela tá assim? — perguntou Catherine, com cuidado.

Lucy pensou, uma memória fugaz de Mary brincando com ela em um balanço vindo à mente. Mas era tão distante que parecia um sonho.

— Ela bebia socialmente, mas depois... começou a beber mais. Não sei quando virou necessidade. Acho que nem ela sabe.

— Lamento — disse Catherine. — Mas tenha paciência. Seu pai era tudo pra ela, e tudo aconteceu tão rápido...

Ela parou, como se tivesse falado demais, e Lucy franziu a testa.

— Sabe o que é ver quem você mais ama se destruir? — perguntou Lucy, com um sorriso triste, os olhos brilhando de lágrimas.

— Não é fácil — respondeu Catherine, a voz suave, encerrando o assunto.

— Eu tinha treze anos — continuou Lucy, as palavras saindo sem controle. — Não devia ter cuidado dela. Ela devia ser a responsável, ou pelo menos me deixar ter alguém que fosse. Eu tinha uma avó, e ela me escondeu isso. Me tirou a chance de amar ou odiar quem poderia me salvar daqueles dias.

Catherine olhou para ela, o coração apertado.

— Sou só uma empregada, mas pode contar comigo — disse, com sinceridade.

Lucy hesitou, mas deixou-se abraçar. O calor do abraço era reconfortante, algo que ela não sentia há muito tempo.

— É bom saber que tem alguém nesta cidade que não me odeia — murmurou.

Catherine não respondeu, mas sabia que os Sales eram temidos em Cameron, e que Lucy precisaria de força para enfrentar o que viria.


Horas depois, Lucy foi ver Mary, que dormia calmamente, como se fosse apenas uma mãe com dor de cabeça, não alguém capaz de machucar a própria filha. Lucy enxugou uma lágrima, decidindo que não choraria mais por isso. Prometera cuidar de Mary, e cumpriria.

Catherine entrou no quarto, interrompendo seus pensamentos.

— O advogado tá no telefone — disse, olhando para Mary, que acordou com um sobressalto.

— Eu vou falar com ele — disse Mary, os olhos desesperados.

— Onde tá o telefone? — perguntou Lucy, ignorando a mãe.

— No escritório — respondeu Catherine, guiando-a. — Venha.

— Não faça isso, filha! — gritou Mary, mas Lucy fingiu não ouvir.

O escritório era imponente, com prateleiras cheias de livros antigos e um telefone velho sobre a mesa de carvalho. Lucy pegou o aparelho, o colar pulsando contra sua pele.

— Como vai, senhorita Mary? — disse Kinderman, animado.

— É Lucy. Minha mãe tá... indisposta — respondeu ela, seca.

— Entendo — disse ele, hesitando. — Mas ela é sua responsável legal. Não prefere que eu ligue depois?

— Não. Pode mandar os papéis. Ela vai assinar — disse Lucy, firme. — Tem mais algo que eu precise saber?

— Tudo será enviado por e-mail — respondeu Kinderman. — Só peço que envie de volta hoje, com a assinatura dela. — Ele fez uma pausa. — Tá certa dessa decisão?

Lucy sentiu o colar vibrar, como se respondesse por ela.

— Tem algo a me dizer? — perguntou, notando a hesitação dele.

— Boa sorte, Lucy — disse ele, antes de desligar.

Lucy aguardou o e-mail, imprimiu os papéis e subiu as escadas, preparando-se para a briga. Mary estava no quarto, chorando em um canto, enquanto Catherine preparava o banho.

— A senhora tem que assinar — disse Lucy, estendendo os papéis.

— Não vou! — retrucou Mary, afastando-os com raiva.

— Prefere voltar? — perguntou Lucy, a voz fria.

— Sim! — gritou Mary, os olhos brilhando de lágrimas.

— Então tá bom — disse Lucy, dura. — Mas não se esqueça disso quando eu for embora e te deixar.

Mary ficou paralisada. Lucy nunca falara em abandoná-la.

— O que? — murmurou, atônita.

— Acha que vou passar a vida trabalhando pra sustentar seu vício? — disse Lucy, encarando-a. — Acha que vou me deixar arrastar pra miséria com você?

— Lucy, filha... — Mary tentou alcançar a mão dela, mas Lucy recuou.

— Vou deixar os papéis aqui. Espero sua resposta — disse, saindo do quarto.

Lucy sentia-se um lixo, mas estava exausta. Sua vida inteira fora cuidar de Mary, e a morte de Bethany só provara que ela só podia contar consigo mesma. O dinheiro da herança tornaria tudo mais fácil, mas ela sabia que Cameron não seria um conto de fadas.

Horas depois, Catherine entrou no quarto de Lucy, um pequeno livro nas mãos.

— Senhorita Lucy — disse, hesitando. — Só Lucy, né?

— Isso — respondeu Lucy, com um sorriso fraco. — O que foi?

— Agora que você vai ficar de verdade, acho que deve ter isso — disse Catherine, entregando-lhe o livro.

Lucy pegou o diário, o couro desgastado sob seus dedos. O colar pulsou, e uma visão a atingiu: uma mulher de cabelos vermelhos, idêntica a ela, escrevendo à luz de velas, com lágrimas nos olhos. A imagem sumiu, deixando Lucy ofegante.

— É o diário da minha avó? — perguntou, a voz tremendo.

Catherine assentiu, os olhos tristonhos carregados de segredos.

— Leia com cuidado, Lucy. E tenha força.

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