Mundo de ficçãoIniciar sessão— Acorde! — A voz da empregada de cabelos brancos tirou Lucy do sono. Ela abriu os olhos, ainda incrédula por estar em um castelo.
— Já é hora da escola — disse a mulher, puxando o cobertor com um sorriso tímido.
Lucy levantou-se, sorrindo. Pela primeira vez, alguém a acordava para a escola, algo que nunca tivera com Mary. Vestiu uma blusa branca e uma calça jeans, sem saber as regras do colégio, mas apostando na simplicidade. No café da manhã, a mesa estava cheia de bolos e doces, mas Mary ainda dormia.
— Cadê minha mãe? — perguntou à empregada de cabelos pretos.
— Ainda dormindo — respondeu ela, seca.
— Nem tudo mudou — murmurou Lucy, rindo para si mesma enquanto comia.
— O motorista tá te esperando — disse a empregada. — Seu material já está no armário do colégio.
— Material? Eu não comprei nada — disse Lucy, surpresa.
— Tudo foi providenciado — respondeu a mulher, deixando-a sozinha.
Lucy correu para o carro, onde Cornélio a esperava com um sorriso largo.
— Olá! Você é a pessoa mais feliz que encontrei aqui — disse ela, entrando na limusine.— E tem como não ser? Tô diante de uma menina linda com um sorriso incrível! — respondeu Cornélio, piscando.
— Gostei do senhor! — disse Lucy, rindo. — Gosto de elogios pela manhã.
— Não fica convencida, hein? — Ele riu, acelerando.
O caminho era de tirar o fôlego, com roseiras e árvores forrando a estrada. O castelo de Lucy parecia pequeno comparado ao colégio, um castelo ainda maior, com torres altíssimas e vitrais coloridos. Quantos castelos existem aqui?, pensou Lucy.
— Só o seu e esse — respondeu Cornélio, como se lesse seus pensamentos.
Ao descer do carro, Lucy sentiu todos os olhares sobre ela. Seu estômago revirou, e ela quis voltar para a limusine, mas Cornélio já fechava a porta.
— Boa sorte! — disse ele, com um tom sério que a deixou nervosa.Lucy respirou fundo, tentando ignorar os olhares, quando um garoto se aproximou. Ele tinha cabelos negros, olhos de safira brilhantes e um sorriso com covinhas que a deixou sem ar. Sua blusa branca marcava um corpo definido, e por um momento, Lucy esqueceu onde estava.
— Como se chama? — perguntou ele, a voz suave.
Antes que Lucy pudesse responder, uma menina o interrompeu:
— Ela é Lucy Sales — disse, com desdém. Seus olhos de safira, idênticos aos do garoto, brilhavam com desprezo. — Quem mais seria?— Sales? — Uma mulher, levando um menino para a escola, parou, surpresa, encarando Lucy.
— A filha de Dick Sales? — perguntou um homem, com tom de ofensa.
Lucy ficou paralisada. Uma aglomeração se formou ao seu redor, murmúrios e olhares acusadores a cercando. O garoto de olhos de safira recuou, como se ela fosse contagiosa.
— Deixem-na em paz! — gritou um homem de cabelos ruivos e sardas, dispersando a multidão. — Alunos, entrem! Pais, o tempo de vocês aqui acabou.
Ele virou-se para Lucy, com um sorriso gentil.
— Vamos, menina. Vou te mostrar o colégio.O interior era grandioso, com corredores largos e lustres brilhando, mas Lucy mal notava. Os olhares de desprezo a seguiam, como se ela fosse uma intrusa. O homem, que se apresentou como diretor, falava sem parar, mostrando salas e entregando um papel com a senha do armário e os horários. Lucy mal ouvia, o coração apertado.
— Lucy, tudo bem? — perguntou ele, notando sua expressão distante.
— O que eu fiz pra eles? — perguntou ela, a voz tremendo, segurando as lágrimas.
— Cameron é uma cidade pequena, cheia de superstições bobas — disse ele, tentando acalmá-la. — Não se preocupe.
— Que tipo de superstições? — insistiu Lucy, sentindo o colar pulsar.
Ele hesitou, mexendo nos cabelos ruivos, tão parecidos com os dela.
— As pessoas invejam os ruivos, sabia? Eu também sofri! — brincou, tentando animá-la. — Vamos conhecer sua turma?— Sim, vamos — disse Lucy, forçando um sorriso triste.
Na sala, uma professora de meia-idade, com olhos violeta e voz rouca, olhou para Lucy com desdém.
— A nova aluna? — perguntou, como se Lucy fosse insignificante.— Sim — respondeu o diretor. — Espero que Lucy seja bem tratada. Quero que se sinta em casa. — Seu tom era firme, quase uma ordem.
— Não se preocupe, sou profissional — disse a mulher, sem entusiasmo.
— Se precisar, me procure — disse o diretor, piscando para Lucy antes de sair.
Ela entrou, sentindo todos os olhares. Alguns alunos cochichavam, outros a ignoravam. A professora apontou para uma cadeira vazia no fundo, perto da janela, atrás do garoto de olhos de safira.
— Senta ali — disse, seca.
Lucy caminhou entre os cochichos, o colar quente contra sua pele. O que há de errado com essas pessoas?, pensou, tentando não chorar.
— Eu me sinto suja só de estar perto dela — disse a menina de olhos de safira, Carolyn, alto o suficiente para Lucy ouvir.
Lucy sentou-se, abriu o caderno e fixou os olhos no quadro, decidida a segurar as lágrimas. Ela era boa nisso. Antes de conhecer Verônica, era só uma ruiva magricela e tímida, aceita apenas por ser amiga de alguém popular. Talvez, em Cameron, ela voltasse a ser aquela garota invisível.
A aula passou em um borrão, a tensão sufocante. Lucy segurou a caneta com tanta força que ela quebrou, a tinta manchando sua mão.
— Droga! — murmurou, pegando um papel para limpar.— Algum problema? — perguntou o professor, um homem de óculos grandes e olhos negros, impaciente.
— Só a caneta — disse Lucy, mostrando a mão suja.
— Não acha melhor lavar isso? — sugeriu ele. — E leve seu material. O intervalo tá chegando.
Lucy correu para o banheiro, aliviada por escapar da sala. O lugar era magnífico, com espelhos brilhantes e azulejos impecáveis, mas ela mal notou. Trancou-se em uma cabine ao ouvir vozes.
— Você a viu? — disse uma menina.
— Não parece tão assustadora quanto a avó — respondeu outra.
— Deve ser pior. A velha tava gagá, mas essa... — disse Carolyn, com desprezo.
— Acho errado ignorarmos ela — disse a outra, com um toque de medo. — E se ela ficar com raiva?
— E daí? Ela não merece que ninguém fale com ela — retrucou Carolyn. — Viu o cabelo dela? Água de salsicha. Os Sales não merecem nossa compaixão.
Lucy sussurrou para si mesma: “Eles?” Quem eram “eles”?
— Admita, Carolyn, ela é linda. Não é qualquer um que é ruiva natural — disse a outra.
— Linda? — Carolyn riu. — Magrela, mal vestida, cabelo mal cuidado. Meu irmão até pareceu interessado, mas foi só até saber quem ela era.
— Vamos, ou perdemos o intervalo — disse a outra, apressada.
Quando as vozes sumiram, Lucy saiu da cabine, enxugando as lágrimas. Queria fugir, voltar para casa, para Verônica. Correu para fora do colégio, mas parou ao ver apenas árvores ao redor. Como vou embora?, pensou, desesperada. De repente, alguém agarrou seu braço e a virou com força. Os olhos de safira do garoto a encararam, penetrantes, e sua respiração acelerou.







