Mundo de ficçãoIniciar sessãoO táxi parou diante de uma ponte de madeira desgastada, as tábuas rangendo sob o vento frio que soprava entre as árvores. O motorista, um homem baixinho de olhos nervosos, olhou para Lucy e Mary pelo retrovisor, claramente desconfortável em deixá-las em um lugar tão isolado. Lucy girou o colar de meia-lua entre os dedos, sentindo um calor estranho no pingente. O céu escurecia, tingindo as colinas distantes de um roxo profundo, e ela não conseguia acreditar que aquele fosse o lugar certo.
— Me pediram pra deixá-las aqui — disse o taxista, hesitante, ajustando o boné. — Tem certeza, senhoras?
— É aqui mesmo, obrigada — respondeu Mary, pegando sua mala com pressa. Ambas carregavam pouco; não houvera tempo para arrumar mais, e Mary garantira que poderiam comprar o que precisassem em Cameron.
— Mãe, estamos no meio do nada! — exclamou Lucy, olhando ao redor. Árvores esguias cercavam a ponte, e o silêncio era quebrado apenas pelo murmúrio de um riacho abaixo.
— Tem certeza, senhora? — insistiu o taxista. — Posso levá-las a uma pousada. Vocês esperam quem vai buscá-las lá.
— Agradeço sua preocupação, mas o chofer já vem nos buscar — disse Mary, firme, mas com um leve tremor na voz.
O taxista olhou para Lucy, preocupado, mas deu de ombros.
— Tudo bem, então. Boa sorte. — Ele acelerou, deixando-as sozinhas.Lucy virou-se para a mãe, o colar pulsando contra sua pele.
— Por que o chofer não nos buscou no aeroporto?— Não importa. Vamos — respondeu Mary, já caminhando em direção à ponte esburacada.
— Quer atravessar isso? — Lucy hesitou, olhando as tábuas frágeis.
— Sim, ele tá esperando do outro lado — disse Mary, impaciente.
Lucy suspirou, duvidando da sanidade da mãe, mas seguiu-a. A ponte rangeu sob seus pés, e por um instante, o colar pareceu vibrar, trazendo uma visão fugaz: um castelo envolto em névoa, com uma figura de cabelos vermelhos sussurrando seu nome. Ela piscou, atordoada, e a imagem sumiu.
Do outro lado, uma limusine preta brilhava sob a luz fraca, estacionada ao lado de uma placa enferrujada: BEM-VINDOS A CAMERON. Um homem barrigudo e baixinho, com um sorriso caloroso, esperava por elas.
— Como é bom revê-la, madame! — disse ele a Mary, que respondeu com um leve aceno, sem entusiasmo. — E veja só a nossa pequena Lucy! Da última vez que te vi, eu conseguia te segurar com uma mão!
Lucy corou, constrangida com a animação do homem.
— Como o senhor se chama? — perguntou, tentando ser educada.— Cornélio, mas não ria de mim, hein? — Ele piscou, abrindo a porta da limusine.
— Prometo — disse Lucy, sorrindo, apesar do desconforto. Durante o trajeto, ela observou a cidade pela janela. Cameron parecia parada no tempo, com ruas estreitas, casas de pedra e poucas pessoas à vista. É aqui que vou ficar enterrada?, pensou, o coração apertado.
O carro parou diante de um castelo majestoso, com torres altas e janelas de vitrais brilhando sob luzes suaves. O jardim era um espetáculo, com flores coloridas, estátuas de mármore e uma fonte em forma de cisne que parecia dançar sob a iluminação.
— É aqui que vou morar? — perguntou Lucy, sem acreditar, os olhos arregalados.
— Sim! — respondeu Cornélio, animado, enquanto abria a porta do carro.
Lucy saiu, maravilhada. O ar cheirava a jasmim, e o som da fonte acalmava sua ansiedade. Era o lugar mais lindo que já vira, como um conto de fadas. Mas ao olhar para Mary, notou sua expressão distante, os olhos fixos no castelo com uma sombra de tristeza.
— A senhora morou aqui? — perguntou Lucy, surpresa.
— Vim com seu pai quando nos conhecemos — disse Mary, a voz baixa, carregada de memórias. — Não é tão perfeito quanto parece.
Lucy percebeu que o castelo trazia dor à mãe, mas antes que pudesse perguntar mais, Cornélio interrompeu:
— Quando a senhora morou aqui, não tinha toda essa iluminação, né? — Ele riu, tentando aliviar o clima, mas Mary ignorou-o, caminhando em direção à entrada.— A escola fica longe? — perguntou Lucy, mudando de assunto.
— Não, o motorista te leva pela manhã — respondeu Mary, saindo do carro. — O chofer, como preferir chamar.
Na porta do castelo, cinco figuras aguardavam: três mulheres e dois homens, vestidos como empregados de um hotel de luxo. Alguns sorriam, mas outros pareciam nervosos, quase assustados. Lucy hesitou, notando que os olhares se fixavam em Mary.
— Já os conheço. Podem parar com isso — disse Mary, ríspida. — Lucy os conhecerá aos poucos. Voltem ao trabalho.
— Mãe! — exclamou Lucy, envergonhada com a grosseria.
— Você quis vir, não foi? Agora aguente as consequências — retrucou Mary, entrando no castelo.
Lucy ficou parada, sem entender a hostilidade da mãe. O interior do castelo tirou seu fôlego: lustres de cristal brilhavam, um tapete vermelho cobria a escadaria, e as paredes eram adornadas com quadros antigos. Era grandioso, como nos filmes que ela amava.
— Senhorita, vou mostrar seu quarto — disse uma empregada de cabelos brancos e olhos tristonhos, com um sorriso tímido.
— Tudo bem, mas me chame de Lucy — respondeu ela, tentando ser gentil.
— Como preferir, senhorita — disse a mulher, guiando-a escada acima.
Lucy olhou para Mary, que parecia perdida em pensamentos, parada no hall.
— A senhora não vem? — perguntou.— Já sei onde vou dormir — disse Mary, a voz distante. — Vou andar por aí. Preciso ver algumas coisas.
Lucy notou uma sombra nos olhos da mãe, mas decidiu ignorar. O quarto era um sonho: uma cama enorme com almofadas em tons pastel, um lustre magnífico e uma banheira que parecia saída de um filme. Ela riu, correndo para o banheiro como uma criança, o colar balançando em seu pescoço.
— O que foi? — perguntou, notando a expressão da empregada, que a observava com admiração.
— Há muito tempo não vejo alguém sorrir assim — disse a mulher, com um brilho nos olhos. — Esqueci como é bom ver isso.
— Minha avó não sorria? — perguntou Lucy, curiosa.
A empregada hesitou, o rosto entristecendo.
— Não desde a morte de seu pai.Lucy sentiu um aperto no peito. Ninguém falava de Dick, e ela queria saber mais.
— Como ele morreu? — perguntou, a voz suave.A empregada pareceu surpresa, quase assustada.
— Não sei se devo contar. Sua mãe e sua avó têm versões diferentes do que aconteceu. Pergunte a ela.— Ela não vai me dizer — murmurou Lucy, frustrada.
— Lamento. Vou arrumar suas coisas. Vá jantar — disse a mulher, começando a desfazer a mala.
— Não precisa, eu arrumo — insistiu Lucy, com pena da senhora.
— É meu trabalho. Não quero roubá-lo — respondeu ela, com um sorriso gentil.
Na sala de jantar, uma mesa repleta de pratos e sobremesas aguardava. Lucy sentiu-se uma princesa, mas a ausência de Mary a incomodou.
— Minha mãe decidiu jantar no quarto — informou uma empregada, de cabelos pretos e olhar desconfiado.— Então pode jantar comigo? — perguntou Lucy, não querendo comer sozinha.
— Não é apropriado — respondeu a mulher, corando.
— Não é apropriado comer sozinha — insistiu Lucy. — Senta, por favor. Me conta sobre a cidade.
— Lamento, tenho outros afazeres — disse a empregada, retirando-se rapidamente.
Lucy ficou confusa. Teria ofendido a mulher? Exausta, decidiu ir para o quarto, ansiosa para aproveitar os lençóis de linho que pareciam caríssimos. Deitou-se, o colar ainda quente contra sua pele, e adormeceu sonhando com um castelo envolto em névoa.







