Três dias antes.
POV CALIANA
O celular vibrou insistentemente sobre a mesa de madeira do quarto de hotel. O nome “Mãe” piscava na tela. Um sorriso imediato tomou conta do meu rosto: fazia três longos anos que eu não a abraçava. Três anos estudando química em outro país, com uma saudade que doía no peito. Atendi rápido, ansiosa para ouvir sua voz.
— Minha filha, você já chegou? — a voz dela soava ansiosa, mas cheia daquele calor que só ela tinha.
— Acabei de chegar, mãe. Estou no hotel, ainda arrumando as malas.
— Não vá para casa ainda — ela sussurrou, como se alguém pudesse ouvi-la. — A família Harlow veio para a praia mais cedo este ano. Estamos todos no litoral. O alojamento dos funcionários está enorme agora… vem ficar comigo. Ninguém vai notar a sua presença, eu prometo. Faz tanto tempo que não te vejo. Não aguento de saudade!
Meu coração acelerou: praia, mar. E… Leonel. Seu nome ecoou na minha mente como um tambor distante, trazendo um frio na barriga e uma pontada de doce tormento. Três anos não haviam apagado seu rosto da minha memória.
— Está bem, mãe. Eu vou.
Desfiz as malas quase que imediatamente, com uma agitação que não sentia desde a infância. Coloquei roupas simples em uma mochila, vesti um shorts e uma blusa leve e corri para a rodoviária. No ônibus, encostei a testa no vidro e deixei a estrada me levar, enquanto a paisagem urbana dava lugar a coqueiros e ao céu aberto.
Meus pensamentos, é claro, voaram para ele: Leonel Harlow.
Lembrei da última vez que o vi, na festa de despedida que a Sra. Harlow insistiu em dar para mim, três verões atrás. Ele tinha um sorriso solto, cabelos desarrumados pela brisa do mar e um jeito de quem pertencia a um mundo de luzes e privilégios... um mundo onde eu era apenas a filha da empregada. Mas naquela noite, justo na minha última no país, ele se aproximou e me disse:
— Vai sentir minha falta, Caliana?
Seus olhos brilhavam de uma forma que me fez sentir vista, mesmo que por apenas um instante.
Eu sabia que era tolice. Aquele era um amor impossível, daqueles que nunca dão certo em lugar nenhum, muito menos na vida real.
Leonel era rico, mimado, cercado de pessoas como ele, que nunca precisavam escolher entre comprar um livro ou pagar a conta de luz. E eu? Bem, eu era Caliana Calderón, a filha da empregada, que estudava química com bolsa e sonhava em dar uma vida melhor para a mãe, que trabalhou a vida toda para os Harlow.
Mas o coração não obedece à razão, não é mesmo?
Às vezes, durante meus estudos no exterior, eu me pegava imaginando como seria encontrá-lo novamente... se Leonel teria mudado. Se ainda lembraria de mim.
O ônibus parou com um solavanco. Desci e respirei fundo o ar salgado, que me trouxe de volta à infância. A paisagem era linda, mas meus nervos estavam à flor da pele. Caminhei até a entrada dos fundos da mansão, onde ficava o alojamento. Tudo ali era familiar, mas ao mesmo tempo estranho, como um sonho que a gente esquece ao acordar.
Mamãe estava me esperando, espiando pela janela. Mal me viu, correu para me abraçar, com uma força que quase me derrubou.
— Minha menina — chorou, apertando meu rosto entre suas mãos ásperas de tanto trabalhar. — Como você cresceu! Está tão linda!
— Também senti muita sua falta, mãe — sussurrei, enterrando o rosto no seu ombro, que tinha um cheiro simplesmente indescritível de carinho, amor, daquele incondicional.
Ela me puxou para dentro, olhando para os lados com cuidado.
— Ninguém viu você entrar, não é mesmo? — perguntou, a voz ainda um sussurro preocupado.
— Ninguém, mãe. Está tudo bem. Não se preocupe.
Ela me levou até um quarto pequeno no andar de baixo do alojamento, com uma cama simples e uma janela que dava para o mar.
— Fique aqui. Eu preciso voltar e servir o jantar. Os Harlow têm convidados importantes. O Sr. Caio está especialmente… nervoso hoje.
Assenti e ela saiu rapidamente, fechando a porta sem fazer barulho.
Sozinha, sentei na cama estreita e olhei pela janela. O mar estava calmo, refletindo o céu alaranjado do fim de tarde. Era um momento de paz, mas minha mente não parava. Três anos. Tudo poderia ter mudado. Será que Leonel…
Meus pensamentos foram interrompidos por vozes do lado de fora. Uma risada alta, familiar, fez meu corpo inteiro congelar. Não podia ser!
Passos se aproximaram pelo corredor. Batidas na porta, não na minha, mas na do quarto ao lado. A voz de Leonel, mais grave do que eu lembrava, ecoou:
— Débora? A senhora está aí? Preciso de mais toalhas no pavilhão de festas.
— Já vou, Leonel — ouvi mamãe responder, com a voz educada e submissa que ela sempre usava com eles.
— Na verdade, é melhor eu mesmo pegar. Onde guarda as toalhas limpas?
Os passos dele se aproximaram da minha porta. Meu quarto era o último do corredor, logo antes do armário de roupas. Fiquei paralisada, segurando a respiração. Rezei para que ele não olhasse para dentro.
A porta se abriu de repente. Não a minha, mas a do armário. E agradeci a Deus naquele momento. Ouvi ele vasculhando as prateleiras, resmungando baixo. E então, o silêncio.
— Débora, não tem toalhas aqui! — gritou, irritado.
— É no próximo armário, menino! O da direita.
Seus passos recomeçaram. E então, pararam diante da minha porta. A maçaneta girou lentamente. Eu não tinha para onde correr.
A porta se abriu. E lá estava ele: Leonel. Mais alto, mais magro, com o rosto mais angular, mas ainda com o mesmo olhar azul que me prendia. Ele congelou ao me ver, os olhos arregalados de surpresa.
— Caliana? — ele disse, como se não acreditasse no que via. — É você? Mas… o que está fazendo aqui? Você não estava… estudando fora?
— Eu… vim visitar minha mãe — respondi, me levantando e tentando parecer calma, embora meu coração batesse mais acelerado que de costume. — Acabei de chegar.
— Três anos, Caliana. Três anos! — ele riu, entrando no quarto sem cerimônia. Ele também tinha contado nosso tempo separado?
Seu cheiro era uma mistura de álcool e protetor solar, tão familiar que doeu.
— Você mudou. Está… mais mulher.
— Você também — eu disse, evitando seus olhos, mas sentindo o peso deles sobre mim.
— Estou mais mulher? – gargalhou, de forma divertida.
Eu não contive o riso:
— Bem... você entendeu! – pisquei um olho.
— Sabe, eu sempre perguntava para a Débora sobre você. Ela nunca dizia muita coisa. Acho que tinha medo que eu… bem, que eu fosse atrapalhar seus estudos. — Ele deu um passo mais perto. — Mas agora você está aqui! — Me analisou sem disfarçar, mantendo um tempo mais que necessário em cada centímetro do meu corpo.
— Estou — respondi, sem saber o que mais dizer.
— Vai ter uma festa na praia hoje à noite. Umas cinquenta pessoas, talvez mais. Open bar, música, fogueira… — Seus olhos brilharam. — Você tem que vir.
— Leonel, eu não sei… — comecei, mas ele não me deixou terminar.
— Ah, vamos, para de ser tímida! Você está de volta, merece se divertir. — Estendeu a mão, como fazia antigamente, quando queria me convencer a fazer algo que eu não devia. — Prometo que vai ser divertido, como nos velhos tempos.
Eu olhei para sua mão estendida. Três anos de distância, três anos tentando esquecer como era gostar dele. E ali estava eu, prestes a cair na mesma armadilha. Mas aquele era o Leonel que eu lembrava. O menino dourado que me fazia sentir viva, que conseguia fazer com que meu sangue fervesse a ponto de o corpo quase entrar em ebulição.
Respirei fundo, ignorando a voz da razão que gritava na minha cabeça:
— Está bem. Eu vou.
Seu sorriso se abriu ainda mais, vitorioso.
— Perfeito! Te busco aqui às nove. Não se atrase. — Ele deu mais uma olhada em mim, demorada, antes de sair, assobiando baixo.
Fechei a porta e me encostei nela, com as pernas tremendo. O que eu tinha acabado de fazer? Três anos longe, e em menos de uma hora, ele já tinha me colocado de volta em sua órbita.
Lá fora, o sol se punha, pintando o céu de roxo e laranja, como se estivesse se preparando para uma noite linda, preparando-se para a tal festa.
Uma noite que eu ainda não sabia, mas iria mudar toda a minha vida.