Narrado por Antonella Bellini
— Senhorita... — A voz baixa, quase um sussurro, me arrancou da leitura. Pisquei algumas vezes, tentando me situar. O garçom me observava com hesitação, o olhar inquieto.
Olhei ao redor. O café estava vazio. As luzes amareladas davam ao ambiente um tom melancólico. Lá fora, a noite já havia caído por completo. Quando cochilei? Quantas horas tinham se passado?
— A conta, senhorita? — ele insistiu, tentando soar casual, mas a voz traía o nervosismo.
— Sim, por favor — murmurei, relutante, juntando meu livro e o lápis com pressa, sentindo o incômodo da realidade me puxando de volta.
A verdade é que eu preferia estar ali, imersa naquelas páginas, do que ouvir mais um monólogo de Scarllet sobre o noivo perfeito que nunca aparecia. O livro era minha fuga — o único homem constante da minha vida.
Paguei a conta sob o olhar curioso do garçom. Eles sabiam quem eu era — filha de Bellini — e talvez por isso achassem que eu estava segura. Tolice. Um nome de família não afasta predadores noturnos.
Do lado de fora, o ar estava frio, e a rua, estreita e mal iluminada, parecia ainda mais longa naquela noite. Andei com passos firmes, mesmo sentindo o medo martelar no peito. O assobio veio primeiro. Depois, os risos. Um grupo de homens encostado em uma parede me observava, olhos famintos e bocas maliciosas.
“Não demonstre fraqueza”, pensei, ecoando os ensinamentos da minha mãe. “Você é uma Bellini.”
Fingi indiferença. Caminhei reta, elegante, como se não estivesse prestes a desmoronar por dentro. Mas ao virar a próxima esquina, ouvi os passos atrás de mim. Um deles se aproximou, a voz embriagada pelo deboche:
— Uma princesa andando sozinha essa hora? Quer companhia?
Agarrei a alça da bolsa com força, sem olhar. O coração batia tão alto que abafava os sons da rua.
— Vamos nos divertir, vai... — ele provocou. A voz nojenta, encurtando a distância.
Foi então que meu corpo colidiu com algo sólido — ou alguém. O impacto me fez perder o equilíbrio, e preparei-me para a queda. Mas não caí. Mãos fortes me seguraram pela cintura, firmes, seguras... quase íntimas.
O toque me arrepiou.
Não era um toque invasivo. Era presença. Calor. Força. Um perfume amadeirado e marcante me envolveu, despertando todos os meus sentidos. Abri os olhos, confusa, o coração ainda em disparada, e vi... ele.
Alto. Moreno. Os cabelos escuros caíam sobre a testa de maneira despretensiosa. A barba bem aparada moldava um queixo forte, realçado por uma cicatriz no canto do lábio inferior, que se perdia pela barba. Sexy. Selvagem. Perigoso.
Os olhos... ah, os olhos. Escuros, profundos. Meus joelhos fraquejaram, e não foi pelo susto.
A tensão no ar mudou. Os passos atrás de mim cessaram, e os vultos dos homens se dispersaram. Eles correram como ratos diante de um predador. Foi aí que entendi: não era só a aparência. Era a aura. Ele exalava perigo.
Mas também exalava algo mais... algo que me fazia esquecer por um instante quem eu era — ou o que deveria temer.
— Você está bem? — A voz dele era grave, envolvente. Como veludo tingido de aço.
Assenti em silêncio, sem conseguir responder de imediato. A pergunta parecia simples, mas o jeito como ele me olhava... me despia por dentro. Um frio percorreu minha espinha. Eu deveria estar com medo, mas estava fascinada.
— O que uma mulher como você faz sozinha na rua essa hora? — ele disse, mais sério agora. — Vá para casa.
Não foi um pedido. Foi uma ordem. Mas não houve arrogância, apenas... autoridade. A mesma que eu tinha aprendido a reconhecer nos homens da minha família. Só que com ele, era diferente. Mais primitivo. Mais perigoso.
Mordi o lábio inferior, sem perceber. Uma parte de mim queria responder, enfrentá-lo, mostrar que eu não precisava de proteção. Mas outra parte — uma parte escondida e instintiva — queria ouvi-lo. Queria que ele me guiasse até a porta de casa. Queria sentir aquelas mãos de novo, me segurando.
— Obrigada — sussurrei, por fim.
Ele apenas assentiu, os olhos ainda sobre mim. Era como se me lesse, camada por camada, atravessando todas as armaduras. E por um segundo, senti-me nua. Verdadeiramente vista.
— Cuide-se — disse, antes de recuar, devolvendo-me o espaço.
Enquanto ele se afastava, meus olhos o seguiram, famintos. O jeito que andava, o porte firme, o mistério pendurado nos ombros largos...
Não fazia ideia de quem ele era. Mas sabia que aquela não seria a última vez que o veria. Não com aquele cheiro ainda grudado em mim. Não com aquela voz ecoando nos meus ouvidos.
E, tropeçando nas próprias pernas, voltei para casa — mas meu pensamento ficou ali, preso no beco, entre o perfume dele e a cicatriz no canto da boca.