Narrado por Giovani Ferreti
A escuridão era total — densa, sufocante, como se o próprio tempo tivesse se esquecido daquele lugar. A única luz que ousava entrar vinha por frestas minúsculas nas paredes espessas, e mesmo essas pareciam pedir desculpas por invadir o silêncio.
O ar era espesso, impregnado de umidade, como se décadas de dor tivessem se entranhado nas pedras, nos metais, nas memórias.
Grades enferrujadas dividiam o ambiente em compartimentos estreitos, sufocantes, como se cada pedaço do espaço tivesse sido feito para aprisionar uma alma. Correntes se arrastavam pelo chão de concreto frio, serpenteando como relíquias de um passado que se recusava a morrer.
Em uma dessas correntes, preso como um animal quebrado, estava ele. Nu. Sem dignidade. Sem escapatória.
Seu corpo pendia do teto pelos tornozelos, os cabelos negros voltados para o chão, o sangue escorrendo em fios secos pelas coxas, pelos braços, pelo peito. As marcas púrpuras e vermelhas se espalhavam pela pele como uma tapeçaria cruel.
Cada leve oscilação arrancava um gemido abafado, cada toque do ferro na carne era uma nova tortura. A dor já não era apenas física — ela era uma presença viva, constante, faminta.
Giovani Ferreti.
As lembranças vinham como fragmentos partidos: vozes distantes, risadas apagadas, rostos que um dia aqueceram seu peito. Mas tudo aquilo se diluía diante dos trinta e seis dias de horror. De humilhação. De silêncio.
O que era pior: os longos períodos de abandono, nos quais seu corpo gritava sozinho na escuridão, ou os mergulhos forçados nos tanques de água, onde lhe roubavam o ar e perguntavam, entre t***s e choques, sobre os negócios da família?
Ele ainda era uma criança.
Apenas onze anos.
Aos olhos do pai, contudo, ser jovem não era desculpa. Desde cedo, deveria ter sido preparado. Treinado. Moldado para ser impiedoso. Mas Giussepe Ferreti nunca o olhou como um sucessor. Mal o olhou, sequer como filho.
No início, Giovani achava que era desatenção. Depois, entendeu: era rejeição.
Mesmo após sucessivos sequestros — oito ao todo — o Don se tornava cada vez mais frio. Como se cada ataque ao filho fosse uma prova de sua fraqueza.
Ser Don não era apenas herdar. Era resistir. Era sobreviver.
E Giovani sobreviveu. Fugiu.
Com o corpo esfolado, a alma em frangalhos e o medo colado na pele, ele correu pela mata, guiado por instinto. Cada galho parecia um obstáculo final. Cada pedra, um julgamento.
Ele não pensava. Apenas fugia.
Chegou em casa com o coração aos pulos. Esperava braços abertos, o desespero da mãe, talvez — só talvez — um gesto de reconhecimento do pai.
Mas o que recebeu foi o silêncio.
E depois, o tapa.
Seco. Frio. Violento.
— Covarde! Caspita! — rugiu Giussepe, o rosto distorcido pelo desprezo.
Aos olhos do pai, ele não era digno.
Não era homem.
A vergonha era imperdoável. E por isso, a sentença foi rápida, cruel, sem apelação:
Exílio.
Sem choro. Sem despedida. Sem honra.
Giovani seria mandado para o exterior. Longe da terra, longe da máfia, longe do próprio nome.
Expurgado como um erro.
Naquele dia, deixou de ser o herdeiro da Cosa Nostra. E tornou-se apenas o menino que fracassou.
Enquanto Pablo Bellini e até mesmo Irina Ferreti ainda acreditavam no retorno do garoto — o Don permaneceu firme:
— Ele só volta quando eu estiver morto.
E nem isso garantiria perdão.
Mas a história que Giussepe não viu se desenrolava longe de seus olhos orgulhosos.
Em Seattle, Giovanni foi acolhido por parentes distantes, uma família que, mesmo sem a frieza e o poder da máfia, lhe deu o que jamais tivera: orientação, liberdade e espaço.
Sob a tutela de seu tio, tia e primo, Giovani cresceu em silêncio. Em fúria contida. Em ambição.
Assumiu o império Zelensky antes dos vinte. Fez dele um colosso.
Ali, longe do pai, forjou o próprio sobrenome.
Porque Giovani Ferreti não pertencia mais ao passado.
Ele era o futuro.