81. Ele nunca parou

O ar lá fora estava denso, pesado, como se a madrugada respirasse junto comigo.

A chuva tinha voltado fina, cortando o vento, e cada gota parecia grudar na pele feito arrependimento.

Entrei no carro sem olhar pra trás.

As mãos tremiam quando girei a chave na ignição.

Por um segundo, quase desliguei tudo e voltei.

Mas a lembrança do olhar dele — frio, impassível, envergonhado de mim — queimou mais forte que qualquer dúvida.

Engatei a marcha e saí.

O portão da garagem se abriu devagar, o barulho metálico ecoando no peito.

No espelho retrovisor, vi o reflexo das luzes do prédio diminuindo.

E, bem na calçada, o vulto dele.

Dante.

Imóvel, com o terno amassado, a camisa aberta no pescoço e aquele olhar que parecia me seguir mesmo quando eu não olhava.

Pisei fundo no acelerador.
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