O jantar já estava pronto.
O cheiro que vinha da cozinha agora preenchia toda a casa — uma mistura acolhedora de temperos caseiros, hortaliças frescas e pão recém assado. Era o tipo de aroma que fazia qualquer um se sentir em casa, mesmo que, por dentro, alguns corações estivessem em guerra.
Tommaso, já de banho tomado e cabelos ainda úmidos, surgiu pelo corredor com a mesma animação de sempre, agora usando uma camisa limpa e folgada, com os botões mal alinhados. Sentou-se à mesa esfregando as mãos, faminto.
— Agora sim, é disso que eu estava falando! — exclamou, olhando para a travessa fumegante no centro da mesa. — A cozinha da Ludovica é a melhor do país. Se o mundo tivesse juízo, ela era chef em Paris.
Ludovica riu, tímida, mas satisfeita. Havia trazido o seu melhor aparelho de jantar — aquele com florezinhas azuis na borda — e colocado as travessas com todo cuidado. A mesa estava um verdadeiro espetáculo: ensopado grosso de carne com legumes, pão de fermentação natural, arroz fresco, batatas da própria terra, além de uma torta de legumes que fumegava discretamente em um canto da mesa.
Com discrição e gestos calmos, o Senhor Zanobi se serviu.
Constantine o observou de soslaio ao vê-lo manejar os talheres com a mesma elegância fria de sempre. Mesmo ali, naquele lar tão íntimo, ele parecia um convidado de outra realidade — como se carregasse com ele uma sombra, mesmo envolto pela luz amarelada da cozinha.
— Espero que esteja do seu agrado — disse Ludovica, gentil, ao vê-lo experimentar a primeira garfada.
Umberto, sempre composto, fez um leve aceno com a cabeça.
— Está excelente. — E então completou, olhando para Constantine com um leve brilho no olhar. — Já posso adivinhar parte do que cultivam por aqui.
Tommaso, sem notar o subtexto, gargalhou:
— Ah, aqui a gente cultiva de tudo um pouco. E come de tudo muito bem!
— Deliciosas batatas! — elogiou Umberto, já indo para o terceiro prato, como se estivesse degustando uma iguaria rara do outro lado do mundo.
O garfo encontrava o prato com precisão, e ele comia com apetite firme, metódico, porém inegavelmente voraz. A cada garfada, parecia mais envolvido com o sabor rústico e caseiro das batatas recém-colhidas e perfeitamente temperadas.
À sua frente, Tommaso, Ludovica e Constantine apenas observavam em um misto de surpresa e espanto contido. Por mais acolhedores que fossem, aquilo estava se tornando... inusitado.
Ludovica, apesar da perplexidade, não conseguia conter o sorriso. Estava encantada ao ver alguém valorizar tanto sua comida, mas também ligeiramente chocada com a intensidade.
— Meu Deus... — murmurou entre dentes, encostando-se na cadeira. — Esse homem come como se tivesse passado a semana no mato...
Tommaso balançou a cabeça, entre o divertido e admirado.
— Acho que ele tá querendo fazer reserva pro inverno — cochichou para a esposa, contendo uma risada.
Constantine, por sua vez, mantinha os olhos nele, tentando entender. Era impossível associar aquele mesmo homem — que na Zanobi Corporation exalava frieza e poder — ao sujeito que agora repetia o prato pela terceira vez como se estivesse faminto há dias.
— De fato — disse ele, limpando os lábios com o guardanapo antes de mergulhar novamente a colher no prato —, essas batatas são as melhores que já comi. Há quanto tempo cultivam esse tipo?
Ludovica, orgulhosa, respondeu com entusiasmo:
— Desde a época do pai do Tommaso. A gente mantém a semente original há décadas. Plantada com amor e colhida com respeito à terra.
Umberto assentiu, como se aquilo confirmasse uma teoria que já tinha.
E enquanto ele seguia degustando com apetite quase teatral, Constantine só pensava numa coisa:
O que, afinal, esse homem está fazendo aqui? E por quanto tempo ele pretende ficar?
Após o maravilhoso jantar e um breve descanso em volta da mesa; enquanto Ludovica recolhia algumas travessas e Tommaso se espreguiçava satisfeito na cadeira, Constantine levantou-se em silêncio e seguiu até a cozinha.
Poucos minutos depois, retornou com uma pequena bandeja em mãos. Nela, taças rústicas, mas bem cuidadas, traziam uma compota de morangos frescos feita por ela mesma, coberta com bolinhas de sorvete artesanal de baunilha.
— Fiz essa compota hoje cedo — disse, ao colocar as porções sobre a mesa. — Receita da minha avó. Espero que gostem.
Ludovica arregalou os olhos, encantada.
— Ora, minha filha, por que não falou antes? Isso aqui tá lindo demais!
Tommaso já esfregava as mãos novamente, como se tivesse encontrado um segundo fôlego só de olhar a sobremesa.
Mas nada — absolutamente nada — preparou os três para o que viria a seguir.
No momento em que a taça repousou diante dele, o Senhor Zanobi, lançou um olhar quase reverente para a sobremesa. Não disse uma palavra. Apenas pegou a colher e, com a mesma elegância estudada de antes, mergulhou-a na mistura doce e fria… e a levou à boca.
O que veio depois foi um verdadeiro ataque gastronômico.
Em questão de minutos, a compota desapareceu da taça como se tivesse evaporado. E, antes que alguém sequer chegasse à metade, Umberto já havia limpado o fundo da taça com a colher como quem extraía um último segredo escondido no vidro.
Os três apenas o observavam. De novo. Espantados. Em silêncio.
Tommaso ergueu discretamente uma sobrancelha, Ludovica piscava como quem tentava entender o fenômeno diante dos próprios olhos, e Constantine cruzou os braços, sem conseguir esconder o ar de incredulidade.
— Parece que quebrou a dieta — murmurou ela, apenas para si, sem saber se achava aquilo divertido ou perturbador.
— Se tiver mais dessa compota... — disse Umberto, levantando os olhos com a expressão mais séria do mundo —eu aceito.
Ludovica soltou uma gargalhada, ainda surpresa.
— Mas é claro! Já vi que o senhor tem o apetite de um leão!
Tommaso, rindo, comentou:
— Se eu comesse desse jeito, Ludovica já teria me colocado para dormir no celeiro!
Constantine se levantou, meio resignada, meio intrigada.
— Vou buscar mais! Antes que ele resolva comer a taça também — murmurou.
Enquanto ela desaparecia pela porta da cozinha, ainda ouvia a risada abafada dos tios… e o tilintar da colher batendo impaciente no vidro vazio.
Enquanto colocava mais compota em uma nova taça, quase riu sozinha ao imaginar a manchete:
Executivo impiedoso invade fazenda e ataca doces com fúria descontrolada. Moradores em estado de choque.
Aquela sequência cômica interna, por mais leve que fosse, teve um efeito inesperado: aplacou um pouco da fúria que queimava em seu peito desde o dia do confronto na Zanobi Corporation. Não apagava o que ele havia feito. Não apagava o que ele representava. Mas, pelo menos por aquele breve instante, Constantine conseguiu respirar sem tanto peso.
Com as taças prontas, respirou fundo e limpou o sorriso antes de voltar para a sala. A guerra ainda não havia terminado…, mas naquele round, ao menos, ela havia se divertido. Quando o Senhor Zanobi terminou a deliciosa sobremesa — e o fez antes de todos, com aquele ar de quem queria mais, mas que se conteve — anunciou com voz firme, porém cortês:
— Creio que está na hora de eu partir.
A notícia caiu sobre a mesa como um silêncio pesado.
Tommaso e Ludovica trocaram olhares rápidos e, sem deixar que ele se levantasse, começaram a insistir, cada vez mais calorosos, para que ele ficasse.
— Ora, não vá embora agora! — exclamou Tommaso, sorrindo largo. — A noite ainda é jovem, e a casa é sua.
— É verdade — reforçou Ludovica, com os olhos brilhando de hospitalidade. — Você já está como parte da família. Não faz sentido sair assim, sozinho.
Umberto hesitou por um momento, observando o rosto aberto e sincero dos tios de Constantine. Aquele gesto simples, aquele convite sem segundas intenções, parecia contradizer com mundo onde ele sempre navegava — um mundo de negócios frios e estratégias calculistas.
Mas, enfim, um leve sorriso curvou seus lábios.
— Muito bem — cedeu, com a voz baixa, mas firme. — Passarei a noite aqui, então. Prometo partir amanhã cedo, antes do amanhecer.
Enquanto ele permanecia ali, naquela casa simples e acolhedora, não se lembrou de avisar a Emilyke e os funcionários onde estava.
E mesmo em terras que para Constantine eram como território inimigo, Umberto encontrou, por um breve instante, uma sensação que fazia tempo não sentia: a sensação de estar em casa.
Mas, como todos sabem, nem toda casa é lugar seguro — e aquela paz, aquela ilusão, podia ser tão frágil quanto a luz que entrava pelas janelas ao anoitecer.
Ludovica e Tommaso explodiram de alegria quando Umberto afirmou que passaria a noite ali. O brilho nos olhos deles era tão intenso que parecia iluminar toda a sala.
— Que maravilha! — exclamou Ludovica, já começando a recolher os pratos com um sorriso largo.
Tommaso, por sua vez, foi logo se adiantando para preparar o melhor lugar da casa para o hóspede inesperado: o sofá da sala, que embora simples, era confortável e quentinho.
— Aqui vai ser seu canto para a noite — disse, ajeitando as almofadas com cuidado.
Depois, surgiu com seu pijama — um conjunto antigo, mas limpo e cheiroso — para emprestar a Umberto.
— Tome, assim você dorme bem quentinho. E se quiser, tem o chuveiro esperando para você relaxar antes de se deitar — ofereceu, com aquela simpatia calma que só Tommaso tinha.
Umberto aceitou com um leve aceno e se levantou para se preparar.
Enquanto ele se encaminhava para o banho, Tommaso virou-se para Constantine:
— Constantine, você poderia mostrar para ele onde fica o segundo banheiro? Não é o do lado de dentro, é aquele que fica fora da casa.
Ela assentiu e levantou-se para acompanhá-lo.
Pela penumbra do entardecer, os passos deles ecoavam pelo pequeno corredor que levava até a parte externa. Constantine guiava, iluminando o caminho com a lanterna que carregava. Umberto caminhava ao seu lado, silencioso.
De repente, ele parou no meio do caminho.
O ar ao redor parecia mais pesado ali, como se o tempo tivesse diminuído.
Constantine olhou para ele, intrigada.
Ele desviou o olhar, observando a velha parede de pedra que margeava o caminho.
Um silêncio se instalou.