Com Regina parece que qualquer coisa que eu faça está completamente errado. Olhei novamente para a mulher quando ela falou comigo.
— Você é a nova babá, não é? — perguntou a moça, simpática. — Eu sou Rafaela. Muito prazer.
— Alana. O prazer é meu.
— Rafaela é filha de um dos parceiros de negócios do senhor Leonardo. É como da família. Uma mulher de negócios nata... — disse Regina, num tom que parecia elogio e aviso ao mesmo tempo.
— Exaltando minha filha, Regina? — interrompeu uma voz masculina no corredor. Logo em seguida, o homem elegante entrou, cordial. — Estava apresentando a nova babá da Lívia — explicou Regina. — Muito prazer — disse ele, estendendo a mão. — Sou Augusto Duarte. — Prazer, seu Augusto. — apertei a mão com respeito.
— Já acabou, pai? — perguntou Rafaela. — Já sim. Só viemos assinar um documento. Vou levá-lo direto para a empresa.
Se despediram e foram embora. Regina voltou à cozinha sem mais palavras, e eu respirei aliviada.
Mais tarde, saí com Lívia para passear no jardim. Ela corria atrás da cachorrinha, rindo e jogando gravetinhos. Sentei-me num banco de pedra, deixando o sol bater no rosto. A brisa era leve, mas minha mente permanecia inquieta.
As palavras de Regina ecoavam. O jeito como falara de Rafaela: “é como da família”. A naturalidade com que Rafaela entrava, dominava o espaço, e era respeitada. Diferente de mim. Aliás, tudo em Regina era controle: o tom, o olhar, até os silêncios.
Lívia correu até mim com o sorriso largo, os cabelos soltos balançando ao vento. — Olha, a Nina pegou a flor! — gritou, enquanto a cachorrinha vinha disparada com uma pétala entre os dentes. — Traz a flor, Nina! — pedi, rindo.
Por um instante, tudo pareceu simples. O sol se deitava no horizonte, dourando o fim da tarde. O riso de Lívia enchia o ar, o perfume das flores se misturava à brisa fresca. E eu lembrava por que aceitei aquele trabalho: gosto de crianças. Quero seguir a vida, quero viver intensamente. Talvez eu não soubesse ainda onde estava me metendo... mas ia descobrir.
O resto da tarde passou tranquila. O senhor Leonardo chegou por volta das seis, abraçou a filha e subiu para o quarto. Uns vinte minutos depois, desceu as escadas de moletom azul-marinho e camiseta vermelha. A expressão séria permanecia. — Pode ir — disse, sentando-se ao lado de Lívia.
Ele ficou com ela o tempo todo, e havia algo de terno naquela cena que me aqueceu por dentro. Recolhi-me ao quarto, liguei a televisão, mas mal prestei atenção nas imagens. Enviei mensagem para Elaine, buscando sentir um pouco de casa.
— Oi, como estão as coisas por aí? Só passou um dia, mas pra mim parece que foram vários. Já estou com saudades. — Oi, meu amor. Também estamos com saudades. Aquele casal que veio semana passada quer adotar uma das meninas. Vamos contar pra ela amanhã. — Vai ser lindo. Ela vai ficar muito feliz.
No orfanato, cada adoção era uma festa. Os bebês tinham mais chances, mas quando uma criança maior era escolhida, a alegria se espalhava por todos.
Depois de conversar com Elaine, jantei com as cozinheiras, dei uma volta lenta pelo quintal, sentindo o ar esfriar, e voltei ao quarto, meu refúgio na mansão.
Mas o sono não veio. Virei de um lado para o outro, inquieta. Resolvi levantar e ir até a cozinha em busca de um chá quente que, talvez, me acalmasse.
O corredor estava mergulhado em silêncio, e meus passos ecoavam baixos demais para uma casa tão grande. Na cozinha, acendi a luz fraca, peguei a chaleira, uma xícara e escolhi meu favorito: camomila. A água ferveu, liberando um vapor reconfortante. O líquido dourado se espalhou lentamente na xícara.
No exato momento em que levei a bebida até a mesa, ouvi passos. Firmes. Lentamente se aproximando pelo corredor.
No silêncio da madrugada, cada batida parecia alta demais. Apertei a xícara entre as mãos, sentindo meu coração acelerar.