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Ela me encarou com um sorriso ensaiado que me deu até medo.

— Prazer, querida. Está tudo bem com você?

— Sim. E a senhora?

— Tudo ótimo. Acabei de voltar de uma viagem incrível pela Europa. Corpo e mente descansados. — Voltou a se sentar no sofá — Trouxe presentes para minha querida Lívia.

Mas Lívia parecia completamente indiferente.

— Essa é a tia de Lívia. Verônica. — Regina explicou.

— Ah... — Assenti, sorrindo levemente.

— Olha só, querida — disse Verônica, puxando sacolas coloridas — São para você!

Lívia se aproximou, mais curiosa do que animada, e se sentou no tapete, abrindo os pacotes.

— Pode ir almoçar — Verônica falou para mim — Eu fico com a Lívia.

A mulher a olhava com um sorriso tão exagerado que me pergunto se não dói a musculatura. Algo ali não me parecia certo, tive uma impressão bem ruim da mulher que ouvi que se chama Verônica, tomara que eu esteja errada.

Olhei para Regina, que assentiu discretamente. Pedi licença e fui à lavanderia, onde deixei a roupa molhada e depois fui à cozinha.

Lá encontrei duas mulheres, uma mexendo algo no fogão e outra passando arroz para uma travessa.

— Bom dia — disse, entrando devagar — Eu sou Alana, a nova babá.

As duas se viraram.

— Bom dia, Aurora! Eu sou Célia — disse a da mesa, simpática.

— Eu sou Sara — falou a do fogão.

— Já vai almoçar? Pode ficar à vontade. Sara está terminando o molho.

— Vamos colocar a comida na mesa, já vamos almoçar também.

Ajudei a levar as travessas à sala de jantar. Quando voltamos à cozinha, servi-me, e elas fizeram o mesmo.

— Vocês trabalham aqui há muito tempo? — puxei conversa.

— Eu sim. Dois anos — respondeu Célia entre garfadas — Entrei logo após a morte da mãe da Lívia.

— Então você não a conheceu? — Perguntei.

Ela balançou a cabeça negativamente.

— Estou aqui há dois meses. Tem sido bom até — completou Sara, tomando um gole de suco.

Quis puxar mais conversa, mas o olhar delas pedia calma. Tudo bem. Com o tempo, a confiança cresce.

Lavei meu prato e talheres, mesmo com Célia dizendo que não precisava, e voltei para a sala.

Verônica estava no sofá, mexendo no celular, enquanto Lívia brincava com as bonecas novas no tapete.

— Pronto — falei, aproximando-me.

— Almoçou? A comida da Célia é ótima, né?

— Muito boa, sim.

— Leonardo já está vindo. Vou esperar ele para almoçar. Pode sentar aí, deixa ela brincar.

Sentei no canto do sofá, meio sem jeito. Eu só podia ficar na sala quando o patrão ou visitas estivessem ausentes, a não ser quando alguém me convidasse, como agora. Tudo anotado naquele papel que Regina deixou no quarto da menina, que eu precisava levar para o meu quarto. Muita regra.

Minutos depois, ouvi a porta da frente se abrir e passos decididos ecoarem no hall. — Papai! — Lívia se levantou num pulo. — Minha princesa! — respondeu o senhor Leonardo, abaixando-se para abraçá-la com carinho.

Ele vestia camisa social azul-clara, mangas dobradas até os cotovelos. O cabelo, antes impecável, já começava a ceder ao calor. Parecia cansado, mas o sorriso ao ver a filha iluminou seu rosto.

— Verônica! — cumprimentou com um beijo no rosto. — Como foi a viagem? — Incrível, Leo. Depois te conto. — Dona Regina, tudo certo por aqui? — perguntou em tom respeitoso. — Tudo sob controle, senhor Leonardo — respondeu ela, com um pequeno sorriso.

Seguiram para a sala de jantar, e eu permaneci onde estava, observando de longe. Vi o senhor Leonardo servir sua própria comida e preparar o pratinho da filha com cuidado, soprando a colher antes de oferecer.

— Está muito quente, meu amor? — perguntou baixinho, em um gesto inesperadamente terno para alguém tão sério.

O contraste com Verônica era gritante: ele atento à filha, ela mais interessada no vinho e no reflexo na colher.

Então... Ding dong.

A campainha tocou. O senhor Leonardo e Regina se entreolharam. Eu, a mais próxima da porta, cogitei abrir, mas Regina se levantou antes, com aquele olhar que manda até no ar que a gente respira. Ao passar por mim, lançou um olhar capaz de fritar um frango. Murmurei que subiria para o quarto e apressei os passos escada acima, antes que ela me fulminasse de vez.

No meio da escada, ainda com a mão no corrimão, espiava discretamente. Regina abriu a porta para um homem de meia-idade, elegante, que sorria como se o mundo fosse dele. Atrás dele, uma jovem linda, talvez da minha idade. Tinha a beleza de um comercial de perfume: camisa branca impecável, saia lápis justa na medida. A presença dos dois pesava no ar, mesmo à distância.

Perdi a visão quando cheguei ao topo da escada. Fui até o quarto da Lívia, peguei o papel de instruções e voltei para o meu quarto. Joguei-me na cama como quem precisa que o colchão dissolva a tensão do dia.

Relendo as anotações, encontrei a parte sobre um radinho de comunicação com Regina. Claro. Porque nada podia ser simples. Estava exatamente na gaveta da mesinha de cabeceira. Liguei o aparelho e voltei a me deitar.

Por que Regina parecia não me querer ali? Se quisesse cuidar da menina, poderia assumir. Mas, em vez disso, me tratava como ameaça. Será que fui uma escolha imposta? Talvez esperasse alguém... diferente de mim.

Meus pensamentos foram interrompidos pelo chiado do rádio e a voz firme de Regina: — Lívia está na sala. Hora de retomar o trabalho.

Levantei num pulo e desci. Lívia estava sentada no tapete, brincando com uma boneca nova. — Oi, querida — falei, me aproximando. — Que boneca linda! Foi presente da tia Verônica? Ela nem me olhou. — Vai dar um nome pra ela? — Tentei novamente.

Antes que respondesse, uma bola de pelos entrou correndo e pulou sobre ela. Lívia gargalhou sem parar.

— Olha só quem eu encontrei fugindo pelo jardim — disse uma voz feminina, doce.

Levantei os olhos. Era a jovem que chegara com o homem elegante. Ela sorria enquanto observava Lívia brincar com o pequeno Lulu da Pomerânia.

— Estava correndo no jardim? Vive escapando pra lá — comentou Regina, surgindo no corredor. — Ia dar uma volta e a vi correndo. Trouxe de volta antes que sumisse — respondeu a jovem. — Vou ficar um pouco. É bonito ver as duas juntas. Têm a mesma energia. — É verdade — comentei, sorrindo para a cena. O sorriso sumiu quando percebi o olhar severo de Regina sobre mim. Baixei a cabeça, sem entender o motivo.

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