Foram dias suspensos no tempo. Como se o mundo lá fora, com suas ameaças, seus jogos de poder e perigos invisíveis, não existisse mais.
Aurora acordava e já sentia a presença dele, antes mesmo de abrir os olhos. O cheiro de Enrico impregnava os lençóis, a pele dela, o travesseiro. Ele acordava cedo, mas sempre voltava para espiar se ela ainda dormia, para deslizar os dedos devagar por sua cintura, como quem toca algo precioso demais para se desfazer do contato tão rápido.
Ela fingia dormir só para sentir. Para ouvir o som abafado do sorriso dele ao perceber que ela se aninhava um pouco mais em sua direção.
O homem que todos temiam... era tão silenciosamente doce naqueles gestos que Aurora se via, vez ou outra, de cora&c
Aurora gritou o nome de Enrico como quem gritava por si mesma. Uma prece, um lamento, um último pedido ao destino que sempre lhe fora cruel. O som dos pneus queimando o asfalto ecoava na rua como um aviso tardio. Ele estava caído ali, imóvel. O homem que sempre fora maior do que a vida, o homem que parecia indestrutível.Agora era só um corpo vulnerável entregue ao chão frio.— Enrico! — A voz dela cortou o dia — desesperada, rouca e descomposta.As pessoas começaram a se aproximar. Vozes se misturavam, sons se atropelavam. O sangue escorria lento pelo rosto dele, desenhando linhas tortas, vermelhas. O motorista do carro fugira covardemente, como tudo que Tommaso representava. Aurora se ajoelhou ao lado de Enrico, as mãos trêmulas
Foram dias... semanas. Aurora já não sabia mais medir o tempo. O hospital era um mundo à parte, onde as horas se dissolviam em silêncio, esperança e medo. Ela vivia à beira de um abismo, presa entre o passado que sangrava e o futuro que ela temia encarar. Mas naquela manhã, o mundo dela estremeceu.— Aurora… ele está acordando — avisou uma enfermeira.Aurora ia para casa apenas tomar banho, trocar de roupa e dormir algumas horas, isso quando não adormecia no sofá do quarto de hospital. ficu amiga de toda a equipe de enfermagem e medicos, que admiravam seu empenho em permanecer ao lado do marido. Por um segundo, o coração dela esqueceu como bater. Ela havia ido a cafeteria buscar um café, mas levantou tão rápido da cadeira que o corpo protestou. Correu pelos corredores como quem fugia de si mesma. Ela entrou devagar, e lá estava ele, com os olhos abertos. Mas frios, estranhos, incrivelmente distantes.Ela parou na porta, em dúvida sobre como proceder, era um olhar que a repelia, a afa
O silêncio do corredor soava ensurdecedor quando Aurora desceu do elevador privativo do hospital. Passara algumas horas em casa, horas eternas, na tentativa inútil de se recompor, de respirar. Mas o vazio que a corroía por dentro parecia maior que tudo. Ele acordara e não a reconhecia.Ela soube pela enfermeira, pelo olhar aflito do médico... e pelas ordens frias que ele dera. "Ela não entra."Aurora parou diante da porta do quarto. O segurança particular de Enrico, um homem que ela conhecia há meses, que a tratava com respeito e até carinho, agora lhe bloqueava o caminho com visível constrangimento.— Senhora Au
O silêncio do escritório de Enrico era sufocante, ele havia saido do hospital naquela manha e ido direto para casa. Aurora estava de pé, com os olhos marejados, enquanto ele folheava com descaso a cópia da certidão de casamento que ela lhe entregara. O documento tremia levemente nas mãos dele, não por emoção, mas por raiva contida.— Impressionante — ele disse, sarcástico. — Confesso que, se realmente fui eu quem assinou isso, devo ter bebido até perder a alma... — Os olhos frios dele subiram lentamente até os dela. — Mas ao menos tive o bom senso de fazer um acordo pré-nupcial.Ele arremessou o papel sobre a mesa como se fosse lixo.— Não se preocupe — continuou, venenoso. &mdas
O cheiro de maresia era forte naquela cidade pequena, escondida entre morros e ruas silenciosas. Era um lugar onde ninguém a conhecia, onde podia tentar colar os pedaços de si mesma sem medo de ser julgada ou olhada com pena.Aurora passou os primeiros dias hospedada na pousada simples da dona Carmem, uma senhora simpática, de olhos atentos demais para o gosto dela. Era gentil, mas observadora e Aurora não queria olhares de compaixão. Queria silêncio, queria desaparecer.Assim que conseguiu, alugou uma pequena casa de madeira, simples, mas limpa. Tinha um quintalzinho com pés de hibisco que alguém um dia plantou. Talvez alguém como ela, que precisou se reinventar onde ninguém a conhecesse. Ela passava os dias em longas caminhadas pela praia deserta. O vento forte batendo no rosto, levand
“Ele tinha tudo, ele sempre teve tudo.”Era o que todos diziam quando ele reapareceu no circuito social de Las Vegas, o Enrico Mancini de antes, de volta ao seu trono de luxo, controle e arrogância. As noites voltaram a ser feitas de festas discretas, jantares silenciosos em restaurantes exclusivos, taças de vinho encostadas em lábios desconhecidos. Mulheres desfilavam à sua volta como se ele fosse o prêmio mais desejado, e talvez fosse.Mas ele não sentia nada, o prazer era mecânico, o riso ensaiado, o olhar... vazio. Ele não sabia explicar. Era como se algo vibrasse dentro dele, um desconforto persistente, uma ausência que não deveria estar ali, porque, racionalmente, não faltava nada. E, mesmo assim... Faltava tudo.Na madrugada fria daquele sábado, Enrico se largou no sofá da sua cobertura de solteiro, afrouxando a gravata, o paletó atirado sobre uma cadeira qualquer. A cidade piscava pelas janelas de vidro, impassível, luxuosa, distante.Ele passou a mão pelos cabelos, exausto. O
Havia semanas que Aurora vivia em uma corda bamba de medo e esperança. A gravidez delicada exigia dela uma força que ela já nem sabia de onde vinha. Em uma madrugada, quando nem contava sete meses de gestação, ela acordou sobressaltada, sabendo que algo não estava bem.A dor começou baixa, um incômodo tímido no ventre que logo se transformou em contrações fortes demais para o estágio em que estava. Aurora correu para a pequena clínica da cidade, com o rosto pálido e as mãos sobre a barriga, sussurrando uma prece desesperada:— Aguenta, meu amor... fica comigo... por favor...Dona Carmem a acompanhou, aflita, segurando sua bolsa, tentando amparar a jovem que mal conseguia caminhar direito.— Calma, filha... já estamos chegando...Na sala de emergência, o médico plantonista, um homem simples e cansado, examinava-a com o cenho franzido.— Está entrando em trabalho de parto prematuro, precisamos agir rápido.O coração de Aurora gelou.— Não... ele é tão pequeno... ele não pode nascer agor
Enrico se recostou na cadeira de couro escuro do escritório, iluminado apenas pela luz suave que vinha da janela, criando um ambiente sombrio, refletindo o clima da conversa. Seu olhar estava fixo nos papéis que Lucius havia colocado sobre a mesa, como se já estivesse antevendo a vingança se concretizando diante de seus olhos. Ele esfregou as mãos, uma sensação de prazer quase palpável nas pontas dos dedos.Lucius, por outro lado, parecia cada vez mais desconfortável, os óculos escorregando sobre o nariz enquanto ele tentava não demonstrar a crescente indignação. Sabia o quanto Enrico era capaz de fazer para atingir seus objetivos, mas aquilo ia além de qualquer coisa que ele já havia imaginado. O tom de voz de Enrico era calmo, mas havia um gelo nas palavras que deixava claro que a decisão estava tomada. No fundo, Lucius também sabia que seria tolo em tentar dissuadi-lo, mas o peso da ética ainda o incomodava.— Eu entendo que você esteja arrasado por tudo o que aconteceu, Enrico. Ma