Mais tarde, no quarto… Sozinha novamente, Amanda encarava o espelho. O reflexo que via não era só dela — era da mulher que Ana havia moldado. Mas algo mudava em seus olhos: a consciência de que estava traçando o próprio caminho. Ela abriu a gaveta da cômoda e tirou uma caixinha de veludo escuro. Dentro, uma pequena fivela de prata, antiga, com o brasão dos Duarte. José a tinha dado junto com o cavalo no seu aniversário de 15 anos. Ela prendeu o cabelo com a fivela, respirou fundo, e sussurrou para si mesma: — Cavalgar na tempestade... é isso que eu fui feita pra fazer. Lá fora, os cavalos relinchavam, e o vento começava a soprar com mais força no vale. O sol já se escondia atrás das colinas quando Amanda, com os cabelos soltos e botas marcando o piso do corredor, saiu de seu quarto. Caminhou decidida até o final do corredor, parando diante da porta de João. Ela bateu duas vezes. João abriu, surpreso ao vê-la ali. Não teve tempo para perguntar nada — Amanda o puxou pela camisa
O sol mal havia despontado no horizonte quando os primeiros passos ecoaram pelo casarão. O aroma do café fresco e do pão recém-assado já tomava conta da cozinha, onde Dona Fátima e Judite arrumavam a mesa do desjejum. A família começava a se reunir aos poucos, com os rostos ainda sonolentos e as palavras ditas em meio a goles de café e mordidas em torradas amanteigadas.Amanda desceu elegante e serena, o cabelo ainda úmido do banho matinal, os olhos atentos. Sentou-se ao lado de João, que já estava à mesa com a xícara na mão, como se nada tivesse acontecido. Mas para Clara, que surgia logo depois com um sorriso cínico nos lábios, aquilo era o ápice da provocação.Ela se serviu de suco, sentou-se calmamente e, antes de levar a primeira garfada à boca, soltou com a voz doce e afiada como lâmina:— A noite passada foi movimentada, não? Tem gente que nem dormiu no próprio quarto... eu vi quando João entrou no quarto da Amanda.A frase caiu como um raio. O tilintar dos talheres cessou por
Em Moscou, no apartamento de Beatriz, Amanda estava de pijama, enrolada em um cobertor, sentada no sofá com Beatriz. Um filme rodava na televisão, mas as duas conversavam mais do que prestavam atenção. De repente, o som da campainha rompeu o silêncio da madrugada.Amanda congelou por um segundo, trocando um olhar com Beatriz.— Quem será essa hora?Beatriz levantou-se com cautela, mas Amanda foi até a porta antes dela. Olhou pelo olho mágico. O coração acelerou.— É o João — sussurrou.Beatriz arregalou os olhos.— O quê?!Amanda abriu a porta devagar. João estava ali, com o casaco ainda fechado até o pescoço, o cabelo um pouco bagunçado e o olhar sombrio e intenso.— Preciso falar com você. Agora.— João, você tá louco? São quase uma da manhã...Beatriz apareceu atrás de Amanda, cruzando os braços.— João Duarte... o que você pensa que tá fazendo?João respirou fundo, olhando as duas.— Eu só preciso falar com ela. Um minuto. Por favor.Amanda hesitou. O coração batia tão forte que p
Na Fazenda Volchya Dolina — manhã seguinteJoão chegou cedo. O sol mal despontava no horizonte russo, e a fazenda ainda estava coberta por uma neblina úmida e gelada. O carro parou diante da garagem e, ao entrar, ele encontrou Ana já tomando café com Augusto no jardim envidraçado.Ana ergueu os olhos calmamente por cima da xícara. Seu olhar atravessou João como uma lâmina afiada — sem julgamento, mas cheia de leitura silenciosa.— Dormiu bem, João? — perguntou ela, com aquela calma que fazia qualquer um se arrepiar.— Dormi sim, tia Ana. Resolvi umas coisas da empresa ontem à noite — respondeu ele, tentando manter o tom neutro.Augusto, sempre mais descontraído, deu um leve sorriso por trás do jornal, mas não disse nada.Logo depois, Clara e Emili desceram prontas. Emili bufava, resmungando como sempre. Clara, por outro lado, o observava com um sorrisinho enviesado.— Dormiu fora, João? Nem vi seu carro quando fui deitar — disse Clara, jogando o comentário no ar como quem não quer nad
Chegada à escola — manhã fria na cidadeO carro de Beatriz estacionou em frente à escola técnica. Amanda desceu primeiro, os cabelos presos em um rabo de cavalo alto, vestida com o uniforme e um casaco escuro sobre os ombros.Beatriz a seguiu com o mesmo brilho divertido no olhar, mas agora um pouco mais sóbria.— Vai com calma hoje. A escola vai comentar qualquer coisa. Ainda mais com aquele seu professor olhando pra você como se fosse obra de arte.Amanda riu, ajeitando a alça da mochila.— Bruno? Ele me conhece desde a Suíça. Acho que ele é só... cuidadoso.Beatriz arqueou as sobrancelhas e lançou um olhar provocativo.— Cuidadoso? Até parece que ele não ia te carregar nos braços se você deixasse.Amanda soltou um riso abafado.— Beatriz, chega. Vamos logo. Ainda tenho aula, trabalho com a Ana depois, e talvez... mais uma tempestade pela frente.As duas seguiram pelos corredores da escola, enquanto a movimentação dos alunos preenchia o ambiente com energia de Terça-feira. Amanda sa
🐍 Corredor da sede — poucos minutos depoisEnquanto Amanda descia as escadas apressada com a pasta e a mochila, Clara encostada na entrada da cozinha a observava como quem afia uma lâmina.João apareceu do lado de fora, pronto para levá-la. Quando Amanda passou, ele abriu a porta do carro. Antes que ela entrasse, Clara não resistiu:— Uau... além de diretor geral agora também é motorista particular? Que versatilidade, primo.João olhou para ela com um meio sorriso forçado.— Na verdade, é só um favor. Coisas de família, você entende.Amanda, já sentada, retrucou de dentro do carro:— Melhor motorista particular do que gente que vive de plantão em vida alheia.Clara manteve o sorriso, mas por dentro, fervia.O carro arrancou pela estrada da fazenda, enquanto o céu da Rússia começava a se cobrir com tons de lilás e chumbo. A noite prometia.Chegada ao curso técnico — Noite em MoscouO carro de João encostou em frente ao prédio moderno do colégio técnico. Amanda desceu com a pasta em mã
Saída do curso técnico — Moscou, noite friaAmanda desceu os degraus do prédio ao lado de Beatriz. O frio cortava o ar, e a cidade parecia mergulhada num silêncio denso. João já a esperava do outro lado da rua, encostado no carro com os braços cruzados. Ela acenou, se despediu de Beatriz com um beijo no rosto e atravessou.Assim que entrou no carro, percebeu no ar que algo estava errado.— Oi... — disse ela, fechando a porta.João não respondeu de imediato. Apenas ligou o motor e começou a dirigir, em silêncio, com o maxilar travado.— Vai me ignorar agora?— Não tô te ignorando. Só tô tentando entender algumas coisas.Amanda o encarou, sem entender de imediato.— Que coisas?— O professor. O jeito como ele te olha. E você rindo das piadinhas da Beatriz como se fosse tudo normal. Parece que sou o único que se incomoda.Ela cruzou os braços.— Você tá falando sério? Você tava me espiando?— Eu fui te levar e vi o suficiente. Ele vive te elogiando, te puxando pra perto... Eu não sou idi
Manhã na Fazenda – Confronto no corredorA luz do amanhecer mal começava a atravessar as janelas da Fazenda Volchya Dolina. O silêncio ainda dominava os corredores, interrompido apenas pelo som leve do ranger da madeira sob os pés de João.Ele abriu a porta do quarto de Amanda devagar, ainda com os cabelos molhados do banho da noite passada e a camisa semiaberta. Seus olhos estavam cansados, mas seu corpo parecia leve — como quem havia atravessado um furacão e saído inteiro, apesar dos estragos.Deu um passo no corredor.Foi quando ouviu o som firme de saltos ecoando no piso encerado.Virando-se, deparou-se com Ana Duarte.Ela vinha em sua direção, elegante como sempre, vestida já para o trabalho na fazenda, segurando uma pasta sob o braço. Seus olhos, afiados como navalhas, pousaram diretamente nos de João. Não disse nada de imediato.O ar entre eles pesou.João respirou fundo, parou no meio do corredor e manteve a postura ereta. Sabia que não havia como fingir, nem para ela, nem par