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Neve, Orgulho e Verdades Silenciosas

 

José dirigia com a tranquilidade de quem conhece cada curva da estrada — e da irmã. O braço apoiado na moldura gelada da janela, os olhos atentos ao caminho, mas a mente distante, pensando na viagem com Sofia que se aproximava. Ainda assim, não deixava de observar Amanda pelo canto do olho.

Ela estava quieta. Como sempre ficava quando algo a incomodava, embora disfarçasse bem. Os dedos tamborilavam discretamente sobre a perna coberta pela calça escura, e os olhos seguiam as árvores cobertas de neve sem realmente vê-las.

— Tá tudo certo pro dia com a mamãe, né? — ele perguntou, tentando sondar.

Amanda apenas assentiu com um pequeno movimento de cabeça.

— E se alguém mexer com você de novo naquela escola, você me fala. Eu volto lá e quebro o nariz da primeira mimada que levantar a voz.

— Não vai precisar — ela respondeu, com um sorrisinho frio. — Hoje eu cuido disso sozinha.

José suspirou. Ela não era mais a menina frágil que entrara naquela casa aos sete anos, agarrada ao casaco de Ana. Amanda tinha mudado. E não deixava ninguém ver quando estava ferida. Nem ele.

Ao estacionar em frente ao colégio, ele se virou para ela com um olhar mais sério:

— Cuida de você, pequena. E não deixa ninguém te irritar.

— Eu? Nunca — Amanda respondeu, puxando a alça da mochila com leveza, o tom leve, mas os olhos... os olhos estavam preparados para o campo de batalha.

— Qualquer coisa, me liga. E se aquele bando de prima idiota tentar alguma coisa...

— Eu arranco o sorriso falso delas com palavras. Fica tranquilo, Zé.

José sorriu, meio preocupado, meio orgulhoso. Vê-la se proteger com tanta precisão era como observar uma lâmina afiada dançar. Linda. Letal.

Amanda entrou no colégio como quem pisa em território inimigo — e reina sobre ele. Popular, sim. Mas não por querer agradar. Ela era o tipo de pessoa que chamava atenção mesmo em silêncio. Inteligência cruel, ironia fina, postura altiva. Amanda não pedia espaço — ela ocupava.

E isso incomodava.

As primas, filhas dos tios , estavam sempre rodeando com sorrisos plásticos. Emili, a mais venenosa, filha de Carlos Duarte, era a líder do círculo hipócrita.

Ao ver Amanda entrar na sala, como sempre impecável, com o cabelo preso em um coque sofisticado e um sobretudo branco sobre os ombros, Emili disparou:

— Olha quem chegou... a protegida da titia Ana Duarte. Deve ser bom viver da piedade dos outros.

Amanda não respondeu de imediato. Caminhou até sua carteira com passos calmos, colocou a mochila no gancho e, então, virou-se com o olhar frio como o inverno lá fora.

— Deve ser ainda melhor viver de herança e continuar sendo irrelevante. A diferença entre nós é que eu fui escolhida. Você nasceu por acidente.

Silêncio. Depois, um murmúrio de risos abafados. Emili perdeu o ar, mas manteve o queixo erguido, sem réplica. Amanda já havia vencido.

Ao fim das aulas, Amanda envolveu o pescoço no cachecol branco que Ana lhe dera no último Natal. A neve aumentava, e ela caminhava rumo ao ponto de táxi, os passos firmes, determinados. Estava cansada — não do dia, mas de manter a máscara. E ainda assim, jamais a tiraria.

Mas então o viu.

João, encostado no carro preto da família, os braços cruzados, expressão dura. O sobretudo azul-marinho caía perfeitamente sobre seus ombros largos, e o olhar... aquele olhar que ele fingia ser de desprezo, mas que sempre a seguia com atenção demais.

Amanda parou, frustrada.

— O que você está fazendo aqui?

— O José me pediu pra te buscar. Esqueceu?

— Eu disse que ia de táxi.

— E eu disse que vinha — respondeu ele, seco, abrindo a porta. — Entra. Tá frio.

Ela hesitou, mas entrou. O calor do carro era abafado, como o silêncio entre eles. O cheiro familiar do couro, da colônia dele, a fazia se sentir em casa... e isso a irritava.

João mantinha os olhos na estrada, mas a mandíbula rígida denunciava a tensão. Amanda fingia não perceber.

— Então... vai mesmo dormir fora três vezes por semana? — ele perguntou, finalmente.

— Vou. Menos perturbação. Mais foco.

— E você acha que eu vou simplesmente confiar?

— Eu não preciso da sua confiança. Eu sou responsável por mim. Tenho 16, não 6.

— É, mas vive querendo provar que é adulta... se metendo em decisões que não entende.

Ela se virou para ele, fria.

— Melhor do que depender de você. Porque mesmo quando você finge se importar, no fundo só quer controle.

João apertou o volante com força. Aquilo doía. Porque era mentira. E verdade ao mesmo tempo.

— Sabe o que eu acho, Amanda? Que desde que chegou naquela casa, acha que precisa se provar o tempo todo. Mas ninguém pediu isso.

— Não. Só me lembraram todos os dias que eu era “a adotada”. Inclusive você.

Ele a encarou por um segundo, e naquele instante, o ar pareceu congelar.

— Eu tinha 14 anos, Amanda. E você... você virou minha vida de cabeça pra baixo.

— Então por que nunca conseguiu simplesmente me ignorar? Por que cada decisão minha parece te afetar tanto?

João não respondeu.

Amanda se recostou no banco, os olhos no vidro embaçado, mas o coração em chamas.

Ao chegarem à empresa, ela abriu a porta sem dizer mais nada. Apenas saiu e caminhou até a entrada com a altivez de quem aprendeu a transformar feridas em armaduras. Os saltos ecoaram pelo mármore como tiros de independência.

João a observou desaparecer.

E então fechou os olhos por um breve segundo.

Ele dizia a si mesmo que não a suportava. Que ela o tirava do eixo. Mas, no fundo — naquele lugar onde ele não deixava ninguém tocar — ele sabia a verdade:

Ele a amava.

Desde o primeiro dia.

E esse era o maior dos seus pecados.

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