Início / Lobisomem / A Predestinada do Lycan / Capítulo 2 — Jaula Dourada
Capítulo 2 — Jaula Dourada

A sala envidraçada no último andar da Rurik Motors oferecia um espetáculo silencioso de Moscou à noite — fria, pulsante e indiferente. Dmitry permanecia diante da parede de vidro, os ombros eretos, o cigarro aceso entre os dedos, soltando a fumaça com a mesma lentidão com que o tempo parecia passar.

Lá embaixo, a cidade de Moscou se movia com uma coreografia repetitiva. Carros deslizavam pelas avenidas como insetos metálicos, luzes piscavam como sinais vitais de um corpo que ele já não sentia parte.

A tela acesa atrás dele exibia números, gráficos, previsões. Era o futuro da empresa estampado em detalhes técnicos, o auge de um projeto colossal que levaria o nome Rurik mais longe. Mas nada daquilo o movia. Nem orgulho. Nem prazer. Apenas o som abafado de sua própria ausência.

“Outra máquina.” Pensou. “Outro triunfo oco.”

Dentro de si, o Lycan rosnava, como se aquele vazio também lhe fosse intolerável.

— A cada conquista... Mais distante do que realmente importa. — Murmurou, sem se virar.

A resposta veio imediata, sombria e crua.

“Estamos presos nessa merda. Isso não nos alimenta, não nos excita. Não satisfaz porra nenhuma.”

Dmitry tragou fundo, sentindo a fumaça preencher seus pulmões antes de apagar o cigarro com um gesto preciso.

O passado pesava. O presente sufocava. E o futuro... Era apenas mais um contrato a ser cumprido.

Quando a porta se abriu sem anúncio, ele nem precisou olhar para saber quem era.

— Dmitry! — O timbre leve e zombeteiro de Alexei quebrou o silêncio como vidro trincado. O irmão entrou carregando uma garrafa de uísque, já abrindo caminho até a poltrona diante da mesa. — Você devia ser estudado. Nunca vi alguém tão devoto à rotina da própria prisão.

Dmitry se virou devagar, um arquejo sutil na sobrancelha.

— Prisões têm propósitos. As minhas mantêm este império de pé.

— Aham. E também garantem que você morra aos poucos com classe. — Alexei serviu dois copos, deslizando um na direção dele. — Só um gole, senhor dever e disciplina. Nem tudo precisa ser punho fechado.

Dmitry se aproximou, sentando sem pressa. Olhou o líquido âmbar como se fosse algo distante, abstrato.

— Como estão os Demidov? — Soltou, em tom baixo, sem desviar o olhar do copo.

Alexei parou por um segundo. O sorriso escorreu dos lábios, substituído por uma sombra.

— Há movimentação. Pequena, por enquanto. Mas não é barulho vazio.

“Aqueles que tiraram nossa mãe… Filhos da puta.”

O Lycan se ergueu dentro dele, sutil como uma faca deslizando pela carne.

Os dedos de Dmitry se fecharam com mais força ao redor do copo.

— Que se aproximem. Tô curioso para ver quem terá coragem de repetir o erro.

— Só cuidado para não se tornar o que jurou destruir. — Murmurou Alexei. — A fúria tem dentes, mas também devora o dono.

Dmitry ergueu os olhos com lentidão, sua presença densa como pedra molhada. Alexei, como de costume, recuou com uma piada.

— E a Natália? Como anda o teatro conjugal mais empolgante da Rússia?

Dmitry apenas soltou uma risada sem vida.

— Estável. Como uma trincheira.

— Ah, que romântico. Tão inspirador. — Alexei girou o copo nos dedos. — Só falta o final trágico.

“Sabemos o que falta.”

O Lycan. Sempre direto. Sempre voraz.

Dmitry levantou-se, voltando à janela. O reflexo do próprio rosto misturava-se à paisagem da cidade, como se ele fosse parte do vidro, e não da carne.

— O que eu quero não tem espaço no que preciso sustentar.

Alexei suspirou atrás dele, arrastando a poltrona ao se levantar.

— Você não é feito de aço, irmão. E mesmo o aço quebra quando não é forjado com cuidado.

Dmitry permaneceu imóvel. Apenas as luzes da cidade se moviam.

— Ah, e antes que eu esqueça… — Alexei ajeitou a gola do casaco. — Cansei das viagens. Vou ficar mais por aqui.

Dmitry o olhou de soslaio.

— Isso soa... incomum vindo de você.

— É. Mas cruzar com a Natália em casa a cada volta é um tipo de tortura refinada. — Ele fez uma careta dramática. — Aquela mulher tem o dom de sugar corações. Tô começando a achar que o clã dela mandou ela pra acabar com a sanidade Rurik, um macho de cada vez.

Dmitry soltou um som rouco. Algo entre riso e lamento.

— Ela não é sua esposa.

— E ainda bem. Um de nós já se sacrificou por todos. — Alexei piscou. — Te vejo no jantar.

Ele abriu a porta.

E foi então que aconteceu.

O ar mudou.

Como se o tempo parasse por um segundo, Dmitry prendeu a respiração. Seus olhos se arregalaram um milímetro, o suficiente para o instinto tomar o controle.

Veio primeiro como uma lembrança esquecida. Um cheiro. Doce, envolvente. Canela e mel. Baunilha em meio ao frio. Flores silvestres sob a neve. Tão real que parecia tocar algo dentro do peito.

O Lycan ficou em silêncio por um segundo.

E depois...

“Isso... É pra nós.”

O corpo inteiro de Dmitry reagiu. O sangue ferveu. A pele pareceu se esticar por dentro, como se algo quisesse emergir.

Ele se virou.

— O que foi isso? — Alexei perguntou, notando o súbito enrijecimento do irmão.

Dmitry não respondeu. Seus olhos estavam fixos na porta, onde o perfume ainda pairava.

“Predestinada.”

A palavra não era uma ideia.

Era um decreto.

— Quem passou por aqui antes de você? — Dmitry perguntou, baixo, mas firme.

Alexei pareceu confuso.

— O setor de publicidade. As entrevistas... — Ele hesitou. — Candidatas para o cargo da diretoria.

Dmitry não disse nada. Apenas ficou ali. Silencioso.

Mas dentro dele, o Lycan rugia, não com raiva,  mas com certeza.

“Encontre-a.”

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App
Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App