No momento em que tudo parecia perdido, um silêncio repentino caiu sobre o alojamento. O tempo pareceu parar. A presença que entrou não precisou de gritos ou ameaças. A energia que emanava dele era suficiente para fazer o ar ficar pesado, para curvar até os homens mais brutais. Todos os olhos se voltaram para ele, e eu senti um frio cortante percorrer minha espinha.
Ele era mais alto do que eu imaginara, com músculos definidos, denotando uma força contida. Seus cabelos escuros e longos caíam sobre os ombros como uma capa. Seus traços eram afiados, simétricos, com uma pele bronzeada e uma cicatriz suave perto da sobrancelha que realçava a frieza de seus olhos. Eram de um azul acinzentado, como o gelo, e pareciam ver através de mim, como se todas as minhas mentiras e medos estivessem expostos. Usava um casaco longo e escuro que se movia com passos calmos e calculados. Havia uma beleza perturbadora nele, a beleza de uma arma afiada – você sabe que pode te matar, mas não consegue desviar o olhar. — Meu Dom... — sussurrou um dos homens, baixando a cabeça em reverência. “Era Alex Morano!” Pensei desesperada. O nome dele ecoou na minha mente: “Alex”. O homem responsável pela morte do meu pai, pelo meu inferno. E agora, eu estava a meros metros dele, pendurada como um troféu. Ele olhou para mim, ainda suspensa no ar, e depois para o homem que me segurava. Seus lábios finos se curvaram levemente em algo que não era um sorriso. — Allora, come vanno gli addestramenti? (Então, como andam os treinamentos?) — sua voz era calma e cruel, um barítono grave que cortava o silêncio como uma lâmina. — Stiamo testando il potenziale dei ragazzini o stiamo giocando a caccia? (Estamos testando o potencial dos garotos ou brincando de caça?) O homem que me segurava hesitou, sua arrogância evaporando-se sob aquele olhar. —Ainda estou testando o potencial de cada um, senhor. Muitos jovens têm mostrado um bom potencial, outros nem tanto… — ele disse me sacudindo. Alex acenou lentamente, mas seus olhos, aqueles poços sem fundo, não mostraram qualquer emoção. Ele se voltou para mim e perguntou: —E esse? — Um menino mudo, chefe — respondeu outro capanga. — Inútil. Nem segurar uma arma direito consegue. Íamos descartá-lo. Alex deu um passo à frente. Senti o ar ficar mais rarefeito, mais pesado. —Lascialo (Solte-o) — ordenou. A ordem foi tão absoluta que o homem me soltou imediatamente. Caí no chão com um baque, ofegante, tentando me recompor enquanto a dor irradiava pelo meu corpo. Antes que eu pudesse me levantar, ele estava diante de mim. Seus passos não fizeram nenhum som. Então se inclinou, com o rosto tão perto que eu pude ver detalhes da cicatriz perto de seu queixo. Nesse momento o ar parecia ter sumido totalmente. Seus olhos, frios e implacáveis, me atravessaram como lâminas. — Tu… — murmurou, baixo e letal, como se estivesse constatando um segredo que só ele enxergava. — Hai qualcosa di diverso. (Tem algo de diferente.) Como se chama, ragazzo? Engoli em seco, minhas mãos trêmulas tentando formar os sinais: “Léo.” Baixei o olhar rápido, fixando-me nas botas sujas de lama. Se ele percebesse meu nervosismo, estaria perdida. O coração batia tão forte que parecia ecoar no alojamento inteiro. De repente, seus dedos firmes prenderam meu queixo, erguendo meu rosto com brutalidade. Um arrepio cortante percorreu minha espinha. — Olhe pra mim quando estiver falando, garoto. — A ordem foi seca, inegociável. Assenti, mesmo que meus olhos ardessem sob aquele peso esmagador. Ele me fitava com um misto de frieza e algo mais — algo que eu não soube nomear. E nesse instante, a sensação de estar nua, desprotegida, ficou insuportável. Um canto quase imperceptível de seus lábios se curvou. — Ótimo. É assim que eu gosto: obediência. — Sua voz era baixa, mas carregada de um poder que me fez estremecer. Logo em seguida me soltou com brusquidão, como quem descarta algo sem valor, mas não sem antes cravar aquela presença em mim. E, quando se ergueu de volta à sua altura com sua imponente, percebi com clareza: estava marcada. —Eu quero ele. — ele disse ao seu capanga. — Como assim, senhor? — o homem perguntou, perplexo. — Para ser meu servo particular. Estou precisando de um. E nada melhor que “un servo muto” (um servo mudo). O homem apenas acenou, sem questionar. O alívio que senti foi tão intenso quanto o medo. Não ia ser morta agora, mas estava sendo entregue diretamente para o lobo. Alex então varreu o alojamento com seu olhar gelado. Os outros garotos tremiam, cabisbaixos. —Todos vocês estão aqui por um único motivo. Me servir — sua voz ecoou, autoritária. — A partir de agora, suas vidas me pertencem. Sua obediência e lealdade é que vão definir se vivem ou morrem. Um silêncio mortal foi a única resposta. Ele pareceu satisfeito. —Ótimo. É esse o espírito que desejo. Obediência. Sempre. Ao sair, seus passos firmes ecoaram no meu peito de forma descompassada. As palavras dele eram correntes invisíveis se fechando ao meu redor. Eu estava salva da morte imediata, apenas para ser aprisionada de uma maneira muito mais perigosa. O capanga se virou para mim, seu rosto agora com uma expressão de desdém misturado com um respeito cauteloso. —Agradeça a Deus, garoto. Hoje foi seu dia de sorte. Ou não, depende da sua obediência. Aquele que saiu é o nosso Dom, e por sorte ou azar, ele te escolheu como seu cachorrinho particular. — Ele se inclinou, seu rosto perto do meu. — Mas aqui vai um aviso: não apronte nada. O nosso Dom não é conhecido pela paciência, tá me ouvindo, garoto inútil? Balancei a cabeça afirmativamente, mantendo meus olhos baixos. Ele deu um sorriso cruel e me empurrou para longe. Olhei para as costas de Alex, que já desaparecia no corredor. Então pensei “O jogo mudou completamente…”