Muitas horas se passaram dentro da van escura. Quando as portas se abriram, mãos rudes me puxaram para fora, e o que vi me deixou aterrorizada. Uma fortaleza imponente, com paredes altas cobertas por arame farpado.
Homens armados patrulhavam por toda parte, com rostos impassíveis. Fui arrastada para dentro de um salão vasto, onde um homem de aparência oriental, cabelos longos presos em um coque severo, estava sentado em uma cadeira como um trono, cercado por capangas. Tom se aproximou dele com um respeito que beirava o medo. —Senhor, trouxemos os garotos para o nosso Dom, como ele pediu. O homem no trono apenas acenou com a cabeça, seus olhos escuros percorrendo nosso grupo amedrontado. —Ótimo. Levem-nos para os alojamentos. Dêem-lhes comida, produtos de higiene e roupas limpas. E certifiquem-se de mostrar o que ganharão ao se tornarem nossos soldados... e o que perderão se recusarem. — O tom de Sua voz carregava uma crueldade que fez um calafrio percorrer minha espinha. Algumas horas depois, fomos reunidos em um grande pátio. O chefe dos soldados, um homem alto e musculoso com uma cara permanentemente carrancuda, nos encarou com desdém. — Parem de me olhar com essas caras idiotas! — ele berrou, tapando o nariz com a mão em uma careta de nojo exagerada. — Passem todos para o banheiro! Não aguento mais o fedor de vocês! Vocês cheiram a esgoto e lata de lixo! Quando chegamos ao banheiro meu sangue gelou no instante em que entrei. O lugar era enorme, com chuveiros abertos e sem cabines. O pior: homens de Alex ficavam parados, observando, inspecionando cada um de nós. Era óbvio que fariam uma revista. "Meu Deus, e agora?" pensei, meu coração batendo desenfreado. "Como vou esconder que sou uma menina?" Os garotos ao meu redor começaram a se despir, hesitantes, sob os olhares zombeteiros dos guardas. A água começou a correr, e o vapor encheu o ambiente. Eu estava encurralada. Precisava de um plano, e rápido. Então tive uma ideia, comecei a gesticular freneticamente. Apontei para a minha garganta, fazendo caretas de dor, fingindo uma tosse seca e rouca. Um dos guardas, baixo e cheio de tatuagens, se aproximou. —O que foi, garoto? — perguntou, com um sorriso de escárnio. Intensifiquei minha atuação, balançando a cabeça e mostrando que não podia falar, apontando para o meu corpo como se estivesse com febre. Ele me olhou com desconfiança, mas outro soldado interveio. —Deixa ele, cara! É aquele mudinho inútil que os idiotas do Tom pegaram. Deve estar com medo de tomar banho. Vamos deixar ele pra depois. Eles se afastaram, por isso aproveitando um momento em que os guardas estavam distraídos, rindo de um garoto que escorregou no sabão, me arrastei para a porta e me espremi para fora. Me encontrei em um corredor escuro e sujo, provavelmente uma área de serviço. Não havia tempo a perder. Rapidamente, tirei a roupa suja que ainda vestia e coloquei o uniforme limpo que nos haviam dado. Ouvi vozes se aproximando do banheiro. Eles perceberiam minha falta. Corri de volta, dando a volta pelo lado de fora, e me misturei ao grupo de garotos que agora saíam, em direção ao que seria nosso próximo tormento. Fomos levados para um campo de treinamento brutal, cheio de obstáculos e armas. Os soldados começaram a testar cada um de nós, não como um treinamento formal, mas como uma triagem cruel para ver quem tinha potencial e quem seria descartado. Quando chegou minha vez. Minhas mãos, pequenas e finas, mal conseguiam segurar o peso de uma arma mais pesada. Meu corpo, desnutrido após anos nas ruas, não tinha a força bruta dos outros garotos. Os homens notaram minha dificuldade imediatamente, um deles totalmente aborrecido e sem paciência disse: — Mas que garoto inútil! Melhor nos livrarmos logo dele! Não vai aguentar nem o primeiro dia de treinamento. O pânico me dominou. Eles começaram a me arrastar para trás dos alojamentos, para uma área isolada e escura. Eu sabia o que isso significava. Descartável. Eles iam me matar. A adrenalina explodiu em mim. Lutei como uma fera encurralada, e mordi a mão que me segurava com toda a força dos meus dentes. O homem gritou de dor e me soltou por uma fração de segundo. Foi o suficiente. Eu me soltei e corri. — Peguem ele! — ouvi o grito furioso atrás de mim. Meus pés voavam sobre a terra batida do campo. O portão principal estava lá, aberto. A liberdade estava tão perto. Mas então, algo pesado e úmido caiu sobre mim. Uma rede. Tropecei e caí no chão, enrolada como um peixe. Os fios ásperos se apertaram contra minha pele, imobilizando-me. — Olha só pessoal! — um homem corpulento e careca, que havia jogado a rede, riu alto. — Consegui pescar o peixinho fujão! — Ele se agachou ao meu lado, seu rosto marcado por cicatrizes tão perto do meu que eu podia sentir seu hálito. — Será que o tal peixinho é bom frito? Ele me pegou pelo colarinho, levantando-me como se eu fosse um boneco de pano. Meus pés balançavam no ar. Ele me sacudiu diante dos outros homens, que riam. Meus olhos se encontraram com os dos outros garotos. Havia terror neles, mas também uma resignação que me assustou mais do que a violência dos homens. Eles já haviam desistido. Enquanto eu ainda estava suspensa no ar, o desespero se instalou em meu peito novamente precisava de um milagre para fugir o que eu não poderia esperar porém que o milagre viesse na forma de um demônio.