“A diferença entre vítima e algoz às vezes cabe numa cápsula dissolvida em vinho.” — Anotação de R.
[...]
As mãos dele começaram a explorar meu corpo.
Não havia ternura nisso.
Havia urgência química. Necessidade primitiva que a droga despertou e amplificou em algo quase animal.
Dedos pressionando com avidez. Apertando. Mapeando meu corpo como território a ser conquistado, não pessoa a ser tocada.
Aquilo me deixava profundamente desconfortável.
Não. Pior que desconfortável.
Me deixava nua de um jeito que não tinha nada a ver com roupa. Exposta. Vulnerável. Usada exatamente como eu estava usando ele.
Mas o que eu esperava? Romance sob efeito de droga que eu dei? Delicadeza em transação que eu forcei? Consideração depois de roubar o consentimento dele?
Eu tinha orquestrado isso.
Tinha transformado desejo em arma. Química em algema. Corpo em instrumento da minha fuga.
E agora sentia nojo — não só dele, mas principalmente de mim.
O espelho que eu queria evitar estava ali, na urgência bruta