A noite já tomava conta da mansão Bellucci, trazendo um silêncio pesado que parecia se infiltrar em cada canto daquele lugar impecável, onde tudo era bonito demais para ser acolhedor.
No escritório do andar de cima, Enzo estava em pé diante da janela escura, segurando um copo de uísque que não tocava. No reflexo do vidro, via um homem cansado, mesmo que não quisesse admitir.
Sentiu a porta se abrir atrás dele, mas não virou. Sabia quem era.
— Você está muito tenso, não há necessidade disso — disse a voz firme e controlada de Lorenzo Bellucci, seu avô.
Lorenzo entrou com a naturalidade de quem sempre teve o direito de estar ali, vestindo um terno escuro, o lenço no bolso alinhado, passos lentos e calculados.
— Tenso é pouco — respondeu Enzo, sem sequer se virar. — Parece que acabei de assinar minha própria sentença.
Lorenzo se acomodou na poltrona mais próxima, apoiando as mãos na bengala de prata, que usava mais por hábito do que por necessidade.
― Você está exagerando! Está fazendo apenas o que precisa ser feito, assim como eu fiz. Como seu pai deveria ter feito, se não tivesse sido tão... fraco.
Enzo apertou os olhos, soltando o ar com impaciência.
— Não é o papel a ser feito que é o problema. É ela. A forma como está aqui, como se fosse só um negócio bem fechado. Como se não estivesse entregando o corpo, mas alugando um apartamento por temporada.
Lorenzo arqueou a sobrancelha, divertido com a revolta do neto.
— Você esperava o quê? Uma carta de amor? Um juramento?
Enzo se virou, encarando o avô com o maxilar tenso.
— Esperava... qualquer sinal de humanidade. Mas tudo que vejo é uma mulher fria, dissimulada, sem expressão. Nem desprezo ela sente por mim. Parece anestesiada.
— E está — disse Lorenzo, sem rodeios. — É assim que funciona quando se lucra com o próprio corpo. Ela sabia o que fazia. Assinou por vontade própria. O contrato foi claro. O dinheiro entrou na conta dos pais dela antes mesmo de você saber que ela existia.
Enzo, com um olhar endurecido e um silêncio que falava mais que mil palavras ficou pensativo.
― Quando você a viu ontem, como ela estava? Obediente, contida? Ah, tudo isso é um jogo de xadrez. Ela sabe muito bem que não tem a menor chance de abocanhar o poder da família, a fonte do dinheiro. Então, está satisfeita com o que foi acordado. Depois, é só desaparecer com o que conseguiu ― ironizou Lourenço.
― Ela mal fala, vovô ― murmurou Enzo, com uma pitada de incredulidade. ― Não parece alguém que teria a astúcia para negociar isso.
Lorenzo riu, seco, como se tivesse ouvido uma ingenuidade.
— Não se engane, Enzo. Os quietos são os mais perigosos. Fazem acordos sem dizer uma palavra. E os Antonelli estavam afundados em dívidas. Era o acordo ou a falência.
A frase caiu como uma pedra.
Enzo virou o rosto, os músculos do maxilar contraídos.
— Ela não hesitou — completou Lorenzo, como se desse o golpe final. — Assinou como quem fecha um bom negócio. E você está aí, remoendo moralidade como se isso ainda importasse. Cresça, Enzo. Faça o que tem que fazer. Depois vire a página.
Enzo ficou parado, o copo quase vazio na mão. Seus olhos fixos no líquido, como se buscassem respostas.
— Você acha que ela vai sentir algo por esse filho? Talvez... querer ajudar na criação dele?
Lorenzo quebrou o silêncio, com olhar penetrante:
— Vai sentir o valor dele — disse, direto. — Um herdeiro Bellucci é uma moeda valiosa. E ela já sabendo disso o vendeu antes mesmo de nascer.
O silêncio que veio depois foi pesado, quase sufocante.
Lorenzo se levantou devagar, sabendo que já tinha dito tudo. Passou a mão no ombro do neto.
— Trate ela como o que é: um meio para um fim.
Saiu, deixando Enzo sozinho com o peso das palavras.
No corredor, Dayse caminhava ao lado de Luna, que tinha ido buscar um documento no escritório. Enquanto a secretária falava baixinho com outro funcionário, Dayse se aproximou da porta entreaberta.
"...trate ela como o que é. Um meio para um fim."
A voz firme e autoritária ecoou em sua cabeça como um trovão. Não precisava ver quem falava; a frase bateu forte dentro dela.
Por alguns segundos, ficou parada, congelada. Não sentiu vontade de chorar ou gritar. Só um frio cortante tomou conta dela, como se arrancassem a pouca humanidade que ainda tentava guardar.
Luna voltou, e Dayse seguiu seu caminho, calma por fora, mas com algo dentro mudado para sempre.
Mais tarde, no escritório, Enzo ficou sozinho. O contrato estava na mesa. Ele o encarou, esperando talvez encontrar uma falha, uma explicação para o desconforto que sentia. Não achou nada. Rasgou o papel em pedaços pequenos, não por arrependimento, mas por desprezo.
— Nove meses — murmurou, com um suspiro pesado. — Depois, tudo isso acaba.
Era o que ele acreditava.
Com precisão, traçou seu plano: assim que ela engravidasse, ele partiria. Voltaria só para o nascimento, mantendo o mínimo contato possível.