Mundo de ficçãoIniciar sessãoPassou um mês desde a última carta de Alberto. O frio mais intenso havia cedido lugar a um vento morno, que anunciava dias mais longos e tardes menos cinzentas. A vida no casebre, no entanto, seguia quase imutável — com suas paredes marcadas pela umidade e o som constante do mar, que parecia carregar e devolver sempre as mesmas ondas, dia após dia.
Naquela manhã, Bianca acordou com um murmúrio diferente vindo da cozinha. O cheiro do pão assando misturava-se a um leve aroma de temperos que raramente sentia tão cedo. Ao se vestir, notou que Esther e Lúcia trocavam olhares que tentavam disfarçar um sorriso.
— Feliz aniversário, passarinho — disse Lúcia, surgindo na porta com um embrulho no colo.
Bianca piscou algumas vezes, como se precisasse confirmar que era mesmo para ela. Quando abriu o pacote, encontrou uma boneca de pano, com cabelos trançados de lã castanha e vestido florido. O rosto simples, bordado à mão, parecia sorrir para ela. Bianca passou os dedos pelo tecido com cuidado, como se temesse estragar.
— Foi você que fez? — perguntou, a voz baixinha.
— Fiz, sim. E espero que cuide dela como se fosse uma amiga. — Lúcia ajeitou uma das tranças da boneca. — Ela vai te ouvir sempre que precisar conversar.
Mais tarde, Rafael apareceu. A caminhada de vinte minutos até o casebre deixara suas bochechas vermelhas. Carregava uma pequena cesta de vime com maçãs.
— Não é muito, mas é do coração — disse, entregando-a a ela. — Feliz aniversário, Bia.
Ela sorriu, abraçando a cesta com força. — Obrigada, Rafa.
Esther, que estava na cozinha desde cedo, verificava de vez em quando para que ninguém entrasse. Quando finalmente abriu a porta, o aroma de temperos quentes encheu o ar. Sobre a mesa, havia pão, um ensopado fumegante e um pequeno bolo simples, coberto por açúcar polvilhado.
— Pronto. Hoje vamos comer juntos — disse Esther, com um raro tom de suavidade na voz.
Sentaram-se todos. Conversaram pouco, mas havia uma estranha paz naquele momento. Bianca observava tudo em silêncio, como se tentasse guardar aquele instante dentro dela, temendo que escapasse como tantas outras coisas que já havia perdido. Experimentava cada garfada devagar, como se quisesse prolongar a ocasião.
Quando o bolo foi cortado, Lúcia cantou “Parabéns” com uma alegria que parecia forçada, e Rafael acompanhou, batendo palmas. Esther apenas observou, mas seu olhar dizia mais do que qualquer música.
Ao apagar a vela — improvisada com um pedaço de parafina preso num pires — Bianca fechou os olhos e fez um pedido que não contou a ninguém.
Após comerem, Bianca e Rafael saíram para caminhar pela beira da praia. O sol tímido aquecia a areia úmida, e eles passaram um bom tempo catando conchas, rindo quando alguma tinha um formato estranho ou quebrado. Rafael encheu os bolsos com as melhores que encontrou e, ao ver Bianca segurando uma concha pequena e lisa, comentou:
— Essa aí parece simples demais pra você ter escolhido. — É a mais bonita — respondeu Bianca, virando-a na palma da mão para que a luz refletisse. — Não precisa ser grande ou cheia de cores pra ser especial. — Você fala igual minha avó… sempre arrumando um significado pras coisas — disse ele, sorrindo de canto. — E você sempre acha que tudo tem que ser grande pra valer a pena — retrucou, mas sem maldade.
Eles caminharam mais um pouco, em silêncio, até que Rafael falou: — Sabe… eu acho que, se seu pai viesse, ele ia trazer um presente enorme. Bianca deu de ombros. — Talvez. Mas não é isso que eu queria. — E o que você queria? — Que ele viesse. Só isso.
Rafael baixou o olhar, chutando a areia molhada. — Vou tentar vir mais vezes. Não é a mesma coisa… mas, pelo menos, você não fica sozinha.
Bianca abriu um sorriso pequeno. — Obrigada, Rafa.
Rafael, ficando um pouco mais tímido, disse que precisava ir embora, pois tinha algumas tarefas para fazer. Mesmo querendo ficar a tarde toda com Bia, conseguiu dizer — quase com a voz rouca: — Vou voltar em breve.
Quando se despediu, acenou de longe, a silhueta se afastando até sumir na curva do caminho.
Ela voltou sozinha para a muralha. O vento era frio, mas o mar parecia mais calmo. Sentou-se no mesmo ponto de sempre, abraçando a boneca de pano.
O som das ondas embalava um pensamento teimoso: Talvez, no próximo mês, ele venha.
Mas, por mais que tentasse acreditar, uma parte dela já sabia que aquele pedido, assim como os outros, poderia se perder no vento.







