Mundo de ficçãoIniciar sessãoNa manhã seguinte, Bianca acordou com a sensação de que o corpo pesava mais que o normal. A cabeça doía e a garganta estava áspera.
Esther estava sentada ao lado da cama, com uma tigela de água morna e um pano limpo. — Fica quietinha, menina. Você pegou um resfriado — disse, molhando o pano e passando com cuidado pela testa dela.
— Eu vou fazer um chá bem forte de gengibre e mel — anunciou Lúcia, surgindo na porta. — E depois, se conseguir, você come um pouco de canja.
Bianca apenas assentiu, sem energia para falar.
As duas se revezavam, ora trazendo cobertores, ora ajeitando o travesseiro. Do lado de fora, o vento ainda assobiava pelas frestas, e o barulho distante do mar lembrava a menina de onde havia passado a tarde anterior.
Esther ajeitou uma mecha de cabelo no rosto dela e suspirou. — Você precisa se cuidar, Bia… não vale a pena se machucar por causa de quem não se importa.
Bianca fechou os olhos, fingindo que não tinha ouvido. Sabia que Esther estava falando do pai, mas não queria pensar nele. Não naquele momento.
Lúcia voltou com o chá fumegante, sentou-se na beira da cama e soprou antes de oferecer a xícara. — Devagar… tá quente.
O calor do líquido desceu pela garganta, aquecendo por dentro. Era reconfortante, mas não suficiente para afastar o frio que vinha de outro lugar — aquele que morava no peito e parecia não ter remédio
Lúcia ajeitou o cobertor sobre ela, enquanto Esther apagava a luz do quarto. — Descanse, Bia. Você ficara melhor — disse, num tom baixo.
Bianca apenas fechou os olhos. Ouviu o rangido suave da porta se fechando e os passos das duas se afastando pelo corredor. O silêncio voltou a tomar conta do cômodo, quebrado apenas pelo som distante do mar.
Dois dias se passaram, e Bianca já se sentia menos cansada. O resfriado dava sinais de ir embora, e a febre tinha baixado. Ainda assim, Esther insistia para que ficasse deitada.
— Eu só vou andar um pouco — disse Bianca, já calçando as botas. — Não vou longe.
Esther suspirou, mas não insistiu. — Então se agasalha bem e volta rápido.
O ar da manhã estava frio, mas limpo depois das chuvas. Bianca seguiu pela estrada de terra, olhando o mar ao longe. A caminhada sempre ajudava a clarear os pensamentos — ou, pelo menos, era o que ela dizia a si mesma.
Foi então que ouviu um assobio atrás de si. — Olha só quem saiu da toca — zombou Gustavo, surgindo com as mãos nos bolsos e um sorriso maldoso. — Pensei que estivesse escondida com medo de pegar outra chuva.
Bianca acelerou o passo, mas ele a acompanhou. — E então, já recebeu convite pro grande baile do seu pai? Ou ele ainda tá ocupado fingindo que você não existe? — provocou, rindo.
Ela sentiu o rosto queimar, mas continuou em silêncio. Gustavo deu mais alguns passos ao lado dela e concluiu: — Sabe, Bia… gente como você devia parar de esperar. Assim dói menos quando descobre que ninguém vai aparecer.
Bianca parou e olhou para o chão, as mãos fechadas em punhos. Não respondeu. Apenas virou-se e voltou pelo caminho, deixando que ele ficasse para trás com suas palavras afiadas.
Quando chegou ao casebre, entrou sem fazer barulho e subiu direto para o quarto. Sentou-se à mesa pequena onde guardava seu caderno de desenhos e começou a rabiscar. Primeiro, desenhou o mar — sempre o mar. Depois, a muralha onde passava horas. E, por fim, um homem de terno, com o rosto coberto por borrões.
Estava tão concentrada que não percebeu Lúcia na porta. — Que desenho é esse, minha flor? — perguntou, entrando.
Bianca encolheu os ombros. — É… só uma coisa que eu pensei.
Esther veio logo atrás, olhando por cima do ombro da menina. — Esse aqui é o mar, não é? E aqui… é você?
Bianca fez que sim, mas não comentou sobre a figura borrada. Lúcia se sentou ao lado dela e passou a mão em seus cabelos. — Você sabe… não importa o que falem por aí. Você tem a gente.
Bianca tentou sorrir, mas os olhos marejados a entregaram. Ela fechou o caderno e o puxou para si, como se guardasse um segredo precioso. Esther, sem dizer nada, colocou uma xícara de chá quente na frente dela.
O calor do líquido desceu pela garganta, aquecendo por dentro. Era reconfortante, mas não suficiente para afastar o frio que vinha de outro lugar — aquele que morava no peito e parecia não ter remédio.
Quando a noite caiu e o casebre mergulhou em silêncio, Bianca acendeu a pequena vela sobre a mesa. Puxou uma folha solta do caderno e começou a escrever, com a letra torta de criança:
“Pai, Eu esperei você de novo. Esperei até o vento quase me derrubar. Eu pensei que viria… Ainda penso.
Eu continuo esperando. Da sua filha, Bianca.”
Ela dobrou a folha com cuidado, colocou dentro de um envelope que guardava na gaveta e escreveu no verso, em letras trêmulas: “Para meu pai.” Depois apagou a vela, enfiou-se debaixo das cobertas e abraçou o envelope junto ao peito.







