A sala estava mergulhada numa penumbra pesada, iluminada apenas pelas chamas trêmulas da lareira. O cheiro de madeira queimada e terra úmida invadia o espaço enquanto Cassian permanecia de pé, o olhar fixo nos rostos atentos dos guerreiros reunidos ao seu redor. A tensão era palpável, como se o ar pesasse sobre todos.
— Não podemos esperar mais, — Cassian começou, a voz firme, cortando o silêncio. — A Luna está presa nas mãos das bruxas. Cada dia que ela permanece lá, o elo que a une à alcateia enfraquece. Se não a resgatarmos agora, pode ser tarde demais. Alguns franziram o cenho, outros trocaram olhares preocupados. Thorne, seu batedor mais rápido e fiel, permaneceu calado, os punhos cerrados sobre o joelho. — Enfrentar as bruxas não é uma tarefa simples, — Cassian continuou, — elas dominam magia antiga. Por que essa Luna seria problema nosso, Alfa? — Qualquer lobo neste território é um problema meu, Thorne. — Cassian rosnou. — Tenho o compromisso de manter todos em segurança, como minha alcateia se sentirá sabendo que uma loba está sendo mantida sobre o controle sujo das bruxas no meu território? — O alfa passou a mão pelos cabelos desgrenhados. — Tenho um papel de alfa a cumprir. Vocês estarão do meu lado ou contra mim? Todos na sala ficaram em completo silêncio, apenas acenaram positivamente. — Vou formar um grupo de elite. Cada um de vocês tem habilidades que podem virar essa batalha. Thorne, você me acompanha. Precisamos que ninguém se perca no caminho. *** O caminho até a mansão era tortuoso, encharcado de feitiços antigos e armadilhas disfarçadas por musgo e silêncio. Os lobos avançavam em formação, farejando o perigo antes que ele se revelasse. O cheiro das bruxas ficava mais forte a cada passo. Cassian rosnou para o grupo: — Transformem-se. Quando cruzarmos o portão, não há mais volta. A floresta se estilhaçou em movimento. Ossos quebraram, músculos se dilataram, peles se rasgaram. Em segundos, não havia mais soldados, apenas feras. Cassian, em sua forma de lobo negro, liderava a matilha. Os olhos dele brilhavam com fúria contida. A mansão surgiu entre as árvores como uma ferida podre, viva de magia. Alta, retorcida, com janelas estreitas como olhos de corvo e portões que rangiam sem vento. Eles não precisaram bater. As bruxas já os esperavam. A primeira explodiu da escuridão com um grito estridente, braços abertos, dentes afiados. O lobo prateado saltou no ar e mordeu sua garganta antes que o feitiço escapasse por completo. Sangue jorrou, quente, espesso. O chão ficou vermelho. E então tudo virou caos. Feitiços rasgavam o ar como lâminas. Lobos pulavam sobre as inimigas, dilacerando, sendo dilacerados. As bruxas cantavam em línguas mortas, invocando sombras com olhos. Mas os lobos não paravam. Não podiam parar. Cassian atravessou o salão principal como um cometa de pelos e ódio. Um raio o atingiu no flanco, queimando até o osso — ele uivou, cambaleou, mas continuou de pé, movido por um único propósito: encontrar aquela loba que despertou o instinto que há 5 anos estava adormecido, depois que sua esposa morreu. Ele arrombou portas, destruiu paredes, subiu escadarias com sangue escorrendo da mandíbula. Até que a sentiu. Luna. Num quarto escuro, cercado por velas pretas. Ela estava ali, acorrentada, de joelhos, os olhos arregalados e em sua forma humana. Frágil. Mas viva. Cassian se transformou de volta em homem, mesmo com o corpo nu e sangrando. Caiu de joelhos diante dela. — Luna... Ela ergueu o rosto devagar, a voz saindo como um sopro: — Você é uma ilusão? — Não, estou mesmo aqui. — disse ele, com os olhos marejados de fúria. — E vou te tirar daqui. Ele partiu as correntes com os dentes ainda afiados da transição. Luna caiu nos braços dele, tremendo. Ao fundo, o som da batalha continuava. Mas para Cassian, só existia aquele momento. Cassian segurava Luna com firmeza enquanto a floresta engolia a luz da mansão em colapso. O corpo dela tremia, e ele percebeu, com um arrepio, que a magia das bruxas selara sua transformação, haviam deixado-na nua e exposta. Cassian parou por um instante, apoiando-a com cuidado sobre o chão coberto de folhas úmidas. Agarrou o manto de couro escuro que trouxe para se cobrir após a transformação e o envolveu ao redor dela. Depois cobriu a si própria antes de pegá-la nos braços novamente. A carne dele ainda pulsava de dor, a forma humana só recém-reassentada nos ossos. Mira, a loba prateada, se aproximou, já em forma humana e vestida, com um corte profundo na perna e os cabelos grudados de suor. — Precisamos sair daqui antes que outras bruxa nos encontrem — disse ela. — Uma está viva. Conseguimos segurar antes que ela escapasse. Está amarrada, inconsciente. Cassian assentiu. — Vamos levá-la. Precisamos de respostas. Mira arqueou uma sobrancelha, surpresa. O Cassian que conhecia costumava rasgar inimigos ao meio antes de cogitar interrogar. — Você vai falar com ela? — Eu vou fazer o que for preciso — ele respondeu, olhando para Luna. — Elas vão pagar por isso. — Por que era tão importante resgatar ela, alfa? — Mira perguntou, enquanto seguiam pelas árvores de volta ao refúgio. Cassian não olhou para ela. Só apertou Luna um pouco mais contra si. — Não sei. Eu só... senti que precisava. Foi tudo o que conseguiu dizer.