Cinco anos atrás, ela morreu sob a lua cheia. Ou pelo menos foi isso que o Alfa acreditou. Desde então, Cassian governa sua alcateia com punhos de aço e um coração em ruínas. Sua luna, sua metade, foi arrancada por um ataque brutal e com ela, o último vestígio de quem ele era. Mas agora, algo estranho acontece: uivos antigos ecoam em sua mente, e os sonhos têm cheiro de jasmim e sangue. Ela está viva. E não se lembra de nada. Transformada em uma loba feral, criada por bruxas que odeiam a ordem dos alfas, a mulher que um dia foi sua companheira é agora uma ameaça imprevisível — e talvez não queira ser encontrada. Para tê-la de volta, Cassian terá que abrir mão do título, do poder e do orgulho. E ela terá que decidir se o laço que os une é amor... ou apenas instinto.
Leer másCassian estava só. No alto da torre, o vento frio se esgueirava entre as pedras antigas, trazendo o cheiro úmido da floresta além dos muros da alcateia. A lua cheia brilhava intensa, uma esfera prateada que parecia observar tudo e nada ao mesmo tempo. Ele apoiou as mãos no parapeito, sentindo o peso de cada segundo naquela noite que nunca parecia ter fim.
Há cinco anos, naquela mesma noite, ele perdera tudo. Sua Luna, sua metade, desaparecera em meio ao caos, engolida por uma escuridão que ele nunca conseguiu enfrentar de verdade. Cassian fechou os olhos, tentando afastar a lembrança confusa, o fogo, os gritos, o cheiro de sangue que não saía de sua pele. Não sabia se ela morrera ou fora levada, só sabia que ele ainda a buscava, mesmo que no fundo soubesse que aquele vazio jamais seria preenchido. Um uivo distante cortou o silêncio, um som antigo que atravessou o ar gelado e penetrou seu peito. Cassian estremeceu, como se uma chama invisível tivesse sido acesa em suas entranhas. O som não deveria estar ali, não naquele lugar e naquela hora. Ele ficou parado, ouvindo o eco se perder na noite, sentindo um nó crescer em seu peito. Algo estava mudando. *** Na sala principal da alcateia, as tochas lançavam sombras dançantes nas paredes de pedra. Cassian entrou, e o murmúrio dos guardas e conselheiros cessou ao vê-lo. Seu olhar firme, porém cansado, dominava o ambiente. Era um alfa, um líder de ferro, mas dentro dele havia uma tempestade que ninguém além dele conhecia. — Relatórios da fronteira? — Cassian perguntou, a voz baixa mas autoritária. Um dos guardas deu um passo à frente, rosto marcado pelo tempo e pelas batalhas. — Senhor, os uivos continuam, e hoje à noite algo incomum foi visto na floresta. Um animal grande, selvagem, que não parecia um lobo comum. Cassian franziu o cenho. A floresta era território proibido, zona das bruxas que há muito desafiavam sua ordem. Cada sussurro sobre elas carregava perigo. — Pode ser um truque das bruxas, para nos enfraquecer. — Talvez, mas o cheiro... algo estava diferente. Familiar, de algum jeito. O alfa sentiu um aperto no peito. Familiar? Aquela palavra acendeu uma fagulha que ele tentou sufocar. Mas o instinto não mente, e aquela noite tinha algo diferente. — Fiquem em alerta. Quero patrulhas reforçadas e ninguém se aproxime da floresta sozinho. Enquanto a reunião se dispersava, Cassian ficou olhando para a porta, o pensamento longe. A lembrança de sua Luna o puxava como uma corrente invisível. A floresta estava viva com os sons da noite. Sob a luz trêmula da lua cheia, os galhos rangiam, as folhas sussurravam segredos antigos, e algo se movia com uma agilidade selvagem. Uma loba, corpo magro mas forte, pelo negro como a escuridão entre as árvores. Ela parou, farejando o ar denso. Um cheiro estranho, um misto de medo e esperança, se infiltrava em seu instinto. Fragmentos confusos de sua vida anterior surgiam em sua mente, um rosto, um toque, um nome que ela não conseguia lembrar por completo. A lua brilhava acima, derramando seu prata sobre o pelo arrepiado da loba. Sinais estranhos, símbolos desenhados com velas negras, estavam espalhados pelo chão da clareira onde ela buscava refúgio. As bruxas haviam feito dela algo mais do que uma simples loba — uma criatura dividida entre o selvagem e o humano, entre o passado e o esquecimento. Ela uivou, um som entrecortado e incerto, que parecia chamar por algo ou alguém. Mas a resposta não veio, só o silêncio da noite carregado de perigos invisíveis. Cassian seguiu o som, guiado por um misto de esperança e medo. A floresta era um labirinto de sombras, mas ele conhecia cada passo. O uivo o chamava, como se quisesse dizer que tudo que ele havia perdido ainda respirava naquele lugar. Quando finalmente avistou a figura da loba, seu coração acelerou. Era maior do que qualquer lobo comum, seus olhos brilhavam com uma inteligência selvagem que o atravessou como uma lança. Mas não havia certeza. Ela poderia ser qualquer coisa — uma criatura feral, uma ameaça, ou algo muito mais próximo do que ele ousava imaginar. — Luna? — Cassian sussurrou, quase duvidando de si mesmo. A loba o olhou, alerta, o corpo tenso, pronta para fugir ou atacar. O silêncio entre eles era pesado, carregado de histórias não ditas, de um passado que lutava para emergir das sombras. Cassian sentiu o laço invisível que os unia, um fio frágil de memória e instinto, que o puxava sem lhe revelar o caminho. Ele deu um passo lento, a mão estendida, mas ela recuou, desaparecendo entre as árvores como um fantasma. Cassian ficou parado, o coração apertado e a mente cheia de dúvidas. Aquela loba era a mesma mulher que ele amara? Ou era apenas uma sombra de tudo o que haviam sido? Mas uma coisa ele sabia com certeza: ela estava viva. E a promessa feita em silêncio, àquela noite de lua cheia, era clara, ele não desistiria dela, mesmo que o caminho fosse cheio de dor e escuridão. *** Cassian retornou à alcateia com a mente em turbilhão. As pegadas da loba já haviam se apagado entre a umidade da floresta, mas o impacto do olhar dela ainda pesava sobre ele como uma verdade que não podia ignorar. Ele não dormiu naquela noite. Percorreu a torre, os corredores frios do castelo, as varandas que davam para o nada. Tentou convencer-se de que era só coincidência. Uma loba grande, olhos intensos, sim, mas isso não significava nada. Não podia significar. E, no entanto, seu peito parecia prestes a arrebentar. Ao amanhecer, convocou os rastreadores. — Uma loba incomum foi vista nas redondezas. Quero que a encontrem — disse, olhando diretamente para Thorne, seu batedor de confiança. — Não a machuquem. Só observem. Sigam-na. Quero saber onde se esconde. — Não é uma loba comum? — Thorne perguntou, tentando manter o tom neutro. Cassian hesitou por um segundo. — Não tenho certeza. Era tudo o que podia admitir. A loba, por sua vez, também não dormira. Sentia-se inquieta. A lembrança daquele homem, olhos tempestuosos, cheiro de floresta, voz que vibrava dentro dela como uma música esquecida, grudava-se à sua pele. Por que seu corpo reagia à presença dele com tanta intensidade? Por que seu coração disparara quando o vira, como se reconhecesse um lar que a mente não conhecia? Ela percorreu a trilha de volta ao santuário das bruxas, ainda em forma animal. Apenas ali se sentia protegida do caos que havia dentro de si. Ao cruzar os círculos mágicos, foi recebida por Eris, a anciã das bruxas, que a observou em silêncio, como se já soubesse tudo o que havia acontecido. — Voltou diferente — disse Eris, sem se mover. A loba se encolheu por instinto. — Ele te viu, não viu? Ela deu um passo à frente e passou a mão enrugada sobre a cabeça do animal. Um carinho suave, mas carregado de uma energia antiga. — Eu te avisei que o passado é traiçoeiro. Há coisas que o coração sente antes que a mente compreenda. Laços como o seu... não morrem. A loba rosnou baixo, incerta. Parte dela queria fugir. A outra... queria lembrar. — Você ainda não está pronta — murmurou Eris. — Mas ele virá. E você terá que escolher: o instinto ou a liberdade. Os dias seguintes foram envoltos em silêncio tenso. Cassian permanecia inquieto, mas mantinha as aparências. Liderava os treinos, supervisionava as patrulhas, ouvia os conselheiros com o semblante impassível. Mas à noite, voltava à floresta, sempre sozinho. Nunca a encontrava. Só pegadas esparsas, cheiros deixados para trás, jasmim, terra molhada, e algo mais: a ausência. A certeza de que ela estivera ali pouco antes, mas partira. Na quarta noite, a encontrou outra vez. Estava em uma clareira, deitada sobre as folhas, como se o esperasse. Mas quando ele se aproximou, ela se ergueu, feroz. Seu pelo estava eriçado, o olhar confuso. A tensão entre os dois era palpável, como fios invisíveis prestes a se romper. — Eu sei que você me ouve — disse Cassian, sem se mover. — Sei que entende. A loba mostrou os dentes. Não em ameaça, mas em desespero. Um tremor sutil percorreu seu corpo, e por um instante, ele pensou vê-la hesitar. Um lampejo humano no fundo dos olhos. — Quem é você? A pergunta saiu mais para si mesmo do que para ela. Porque parte dele já sabia. Sabia antes mesmo de vê-la. Antes mesmo do primeiro uivo. A loba virou-se e correu, mas não com a mesma pressa. Como se quisesse que ele a seguisse. E ele seguiu. Ela o guiou por caminhos profundos, onde a floresta parecia mais antiga, mais escura. Quando finalmente parou, estavam diante de um círculo de pedras cobertas de musgo, iluminado por pequenas chamas azuis que flutuavam no ar. Cassian sentiu o cheiro de magia. Forte. Intensa. E, no centro do círculo, uma figura surgiu entre as sombras: uma mulher de olhos prateados, cabelos brancos como cinzas, e uma expressão dura como pedra. — Não deveria estar aqui, Alfa — disse Eris. Cassian rosnou baixo, instintivamente. Sua energia cresceu ao redor do corpo como uma chama silenciosa. — Ela é minha. Eu a senti. — Ela não é sua. Nunca foi. — Mentira. Eris ergueu um dedo. A loba se posicionou entre eles. — Ela não lembra de você, Cassian. Para ela, você é só um predador. — Me diga o nome dela. — Ele olhou para a loba, seu peito arfando, olhos arregalados. — Ela não tem nome — disse Eris. — Ela tem liberdade. Cassian deu um passo à frente. — Ela teve um nome. E teve um lar. Eu era esse lar. O silêncio caiu como uma pedra. A loba se aproximou devagar. Chegou tão perto que podia tocar seu peito com o focinho. Ele não se mexeu. Ficou ali, imóvel, vulnerável. Por fim, ela o cheirou com cuidado, como se buscasse respostas que nem sabia quais eram. Depois se afastou, e sumiu outra vez na escuridão.Cada vez que Saryn abria os olhos, via um rosto diferente.Ela não conseguiu se manter acordada nas três primeiras vezes em que despertou. Na primeira, viu Mira, o céu atrás da cabeça da amiga lhe deu a certeza de que ainda estava no mesmo lugar onde havia caído. Na segunda, foi o rosto do Alfa que surgiu diante dela, a expressão carregada de preocupação. Ele dizia algo, mas as palavras se dissolviam antes de fazerem sentido, como se estivessem debaixo d’água. Saryn até pensou estar mesmo submersa, nadando na piscina. No entanto, soube que não era o caso quando abriu os olhos pela terceira vez e se deparou com o rosto de uma mulher mais velha e um teto violentamente branco. Só então teve certeza de que estava em outro lugar.Apenas na quarta vez conseguiu, ainda com esforço, manter-se consciente. Uma dor latejava atrás dos olhos, e ela instintivamente levou a mão ao peito, como se quisesse ter certeza de que seu coração ainda estava ali, batendo.Um arrepi
Depois da manhã sob o sol intenso e dos muitos mergulhos que a mantiveram ocupada, o corpo de Saryn ainda guardava a estranha sensação de estar submerso. Era como se as ondas a tivessem moldado por dentro, e seu corpo não soubesse mais existir sem a leveza da água. Mas isso era apenas um detalhe menor. Mais incômodo mesmo era a dor nos ombros, que latejavam a cada movimento. Ela passou a mão pela pele ainda úmida e concluiu que tinha ido longe demais nas braçadas. — Algum problema? — A voz de Cassian preencheu a sala com naturalidade, como se fosse parte do ambiente. — Ah, não, só um pouco de... — Ela hesitou, e os olhos, como que por conta própria, deslizaram até os braços musculosos do Alfa. — Dor... — Que bom, então. — Ele passou os dedos pelos cabelos volumosos, fazendo-os parecer ainda mais rebeldes. — Digo, poderia ser pior. — Como pior? — perguntou, tentando se concentrar na conversa. Mas, novamente, os braços dele chamaram sua atenção. Ok, nem tão sem querer assim...
Cassian não estava mais no quarto quando Saryn abriu os olhos. Não demorou até que as imagens do sonho que tivera tomassem sua mente. Quase conseguia sentir as mãos do Alfa em seu corpo, a boca e... — Definitivamente não é uma boa ideia pensar nisso. Não esperou encontrar mais coragem; praticamente se jogou para fora da cama e logo estava despida na banheira de água gelada. Mira havia dito que ela teria ajuda para se banhar e se vestir, mas não achava tais coisas necessárias, mesmo que aquela água realmente estivesse congelante. Vestiu-se com uma das roupas que Mira deixara no guarda-roupa, e ela deixara muitas, tantas que Saryn teve certeza de que a mulher não achava que ela iria embora tão cedo. Ótimo. Ela não saberia para onde ir, mesmo. O que a levou direto ao outro pensamento que estava tentando evitar: Lerya. Tentou pronunciar o nome da mulher novamente, mas ele ficou engasgado. A voz se perdia em
Saryn voltou sozinha aos seus aposentos, os corredores estavam silenciosos e ela se perguntou se todas as noites no Forte dos Lobos eram daquele jeito. Se acostumara com a confusão no covil das bruxas, elas eram barulhentas e escandalosas, estavam sempre discutindo algo ou implicando umas com as outras.Pensou em Lerya, o Alfa perguntara sobre a bruxa e Saryn simplesmente não conseguiu dizer mais que algumas simples palavras, naquele momento ela sentiu como se sua garganta estivesse se fechando para as verdades óbvias. Ela não conseguiu externalizar que foi o rosto de Lerya que ela viu primeiro ao abrir os olhos deitada na mesa de pedra do covil, ou que foi Lerya quem ficou mais próxima dela e por vezes até a protegeu das outras bruxas.Elas não tinham uma relação amigável mas Saryn não tinha uma relação com qualquer pessoa até então, sentia quase um afeto materno por Lerya, mesmo que a bruxa não pudesse ser mãe de uma loba, ou que ela não agisse como tal.
A água escorria quente pelos ombros de Saryn, como se quisesse arrancar dela não apenas a sujeira dos últimos dias, mas qualquer vestígio de memória. As mãos cuidadosas de Mira se moviam com delicadeza sobre seus cabelos, massageando o couro cabeludo com uma intimidade gentil demais para ser desconfortável.— Não vai doer — disse a jovem, espremendo um pouco do sabão líquido em suas mãos. — Esse aqui é de lavanda com flor de jasmim. As crias odeiam, dizem que cheira a velha rica, mas eu acho uma delícia.Saryn assentiu, sem saber muito bem o que responder. O aroma era mesmo agradável, mas não despertava nela nenhuma memória específica. Nada despertava.— Faz tempo que alguém cuidou de você assim?A pergunta soou como um afago, mas Saryn engoliu em seco. Tentou procurar alguma lembrança, uma mãe, uma irmã, uma amiga. Mas o vazio respondeu em seu lugar.— Não lembro — disse ela, baixo.Mira pareceu notar o desconforto e mudou de assunto com leveza.— Bom, você chegou num bom momento. O
A mata se abriu lentamente diante da matilha que voltava em silêncio, deixando atrás de si o cheiro de sangue queimado e magia dissipada. Cassian caminhava à frente, o corpo coberto por uma manta escura que também protegia a figura frágil em seus braços. Ela dormia com o rosto colado ao peito dele, a respiração ainda irregular. O calor da pele dela era uma promessa incômoda, mas não era só isso. Ela sussurrava algo... antigo. Ao atravessarem os portões do clã, o silêncio foi quebrado por murmúrios e olhares desconfiados. Ninguém ousou se aproximar. Ninguém além de Mira. — Ela está bem? — perguntou a beta, acompanhando o ritmo apressado do alfa. — Vai ficar — murmurou Cassian. — Preciso que você se certifique que ninguém vá até a ala norte, vou acomodar ela próxima ao meu quarto, assim é mais fácil ficar de olhos. — Sim, alfa. — Ela assentiu, rápida, e sumiu pelos corredores. Cassian levou-a para um dos quartos onde o som da floresta ainda podia ser ouvido pelas janelas altas. Dei
Último capítulo