O REFÚGIO DO LOBO SOLITARIO

CAPÍTULO 5: O REFÚGIO DO LOBO SOLITÁRIO

A escuridão era quente. Isso foi a primeira coisa estranha que Livia percebeu. Em vez do frio gélido da morte, ela sentia uma maciez áspera contra sua pele e um calor reconfortante emanando de um fogo crepitante próximo. Um cheiro a terra molhada, musgo e fumaça de lenha de carvalho enchia suas narinas – era um cheiro selvagem, mas acolhedor, profundamente diferente do perfume manipulado e floral que Julia usava.

Ela abriu os olhos com dificuldade. O teto era baixo, feito de vigas de madeira escura. Estava deitada numa cama macia, coberta por peles de animais. A dor ainda estava lá, um eco surdo e distante, mas não mais a lâmina afiada que a consumia. Era como se alguém tivesse colocado um cobertor pesado sobre a sua agonia, abafando-a.

"Você está segura."

A voz era profunda, calma, e veio de um canto da sala. Livia virou a cabeça, um movimento que exigiu uma energia tremenda. Um homem estava sentado numa poltrona de couro, observando-a. Ele não era como Matheus. Sua força não era gritante, não era uma exibição de poder. Era uma presença sólida e silenciosa, como uma montanha. Seus cabelos eram escuros e um pouco desalinhados, e seus olhos, da cor de âmbar quente, a observavam sem julgamento, apenas com uma curiosidade serena.

"Onde...?" a voz de Livia saiu como um rosnado seco.

"Nas terras da Alcateia da Montanha Sussurrante," ele respondeu, erguendo-se com uma graça felina. Era alto, e seus movimentos eram fluidos, econômicos. "Eu sou Arthur. Encontrei você à beira do rio que marca nossa fronteira. Você estava... muito perto do fim."

Arthur. O nome ecoou em sua mente vazia. Ele se aproximou e ofereceu uma caneca de água. Seus dedos não tocaram os dela, mas o calor do corpo dele era palpável.

"Obrigada," ela sussurrou, sentando-se com esforço. Pela primeira vez em anos, um ato de gentileza não vinha acompanhado de um preço oculto.

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O PESO DO SILÊNCIO

Os dias se fundiram numa névoa de dor surda e sono profundo. Livia acordava, comia as sopas e os ensopados que Arthur ou outros membros discretos da alcateia traziam, e depois dormia novamente. Ninguém a pressionava com perguntas. Ninguém a olhava com desdém.

A alcateia de Arthur era diferente. Eles não viviam numa vila fortificada, mas em cabanas e casas espalhadas por uma clareira vasta, integradas à floresta. Eram mais quietos, seus olhos eram mais observadores. Eles a tratavam com uma cortesia reservada, dando-lhe espaço.

Arthur era um homem de poucas palavras. Ele passava parte dos dias fora, patrulhando, mas sempre voltava ao entardecer. Às vezes, ele se sentava com ela em silêncio, diante do fogo. Aquele silêncio não era pesado ou carregado de expectativas, como o de Matheus. Era um silêncio compartilhado, companheiro.

Livia, acostumada a ter suas palavras distorcidas, aprendeu a valorizar aquele silêncio. Aos poucos, a dor no peito começou a ceder, não porque o vínculo estivesse se curando, mas porque ela não era mais ferida constantemente. Era um alívio negativo, a ausência de algo ruim, mas era mais do que ela teve em anos.

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O SUSSURRO DA LOBA

Foi numa manhã tranquila, enquanto Livia observava um esquilo do lado de fora da janela, que ela sentiu. Um tremor. Tão fraco que foi quase imaginário. Um pequeno puxão no lugar dentro dela onde sua loba morria.

Ela prendeu a respiração, concentrando-se. Lá estava, novamente. Um suspiro. Um leve arranhar nas portas da sua percepção. Sua loba não estava mais completamente adormecida. Estava... ouvindo. Sentindo o mundo ao redor sem a dor constante que a sufocava.

Nessa mesma noite, durante um dos seus silêncios compartilhados, Livia falou, sem olhar para Arthur.

"Matheus," ela disse, o nome saindo como um veneno de sua língua. "Ele é o Alfa da Alcateia Lua Prateada."

Arthur não se moveu, apenas inclinou a cabeça, indicando que estava ouvindo.

"E eu era sua Lua."

Ela contou. Não tudo, não de uma vez. Mas contou sobre o vínculo. Sobre a dor do desprezo. Sobre a forma como sua própria essência definhava. Ela não mencionou Julia. Ainda não. O nome da irmã era uma ferida muito específica e profunda.

Arthur a ouviu até o fim. Quando ela terminou, ele disse apenas: "Um Alfa que não protege sua Lua não é um Alfa. É um tolo com um título."

A simplicidade da declaração, a absoluta certeza nela, fez com que os olhos de Livia se enchessem de lágrimas que não doíam. Eram lágrimas de alívio.

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