O vento vinha do norte.
Frio, antigo, vivo.
Trazia um som que não era som — uma espécie de lembrança do que o mundo um dia foi antes do silêncio.
Helena corria.
Os galhos rasgavam o tecido branco do vestido, os pés feriam-se no gelo, mas ela não parava.
Atrás, os caçadores seguiam com tochas e cães.
O barulho das correntes ecoava entre as árvores, misturado a gritos de ordem e sopros de fúria.
Ela não sabia exatamente por que fugia — só sabia que não podia parar.
A marca no ombro queimava desde a noite em que o selo foi imposto.
Disseram que era um símbolo de proteção, mas a dor nunca cessou.
Agora, no meio da floresta, parecia viva.
Como se algo sob a pele chamasse por ela de volta.
O vento aumentou.
Os lobos uivaram ao longe.
Um uivo só, prolongado, respondeu a todos os outros.
Helena tropeçou.
Caiu de joelhos, o rosto contra a neve.
O frio queimava, o peito arfava.
E de repente, tudo ficou quieto.
Assustadoramente quieto.
Nenhum passo, nenhum cão, nenhum grito.
A floresta prendia a respiração.
Ela ergueu o rosto.
A lua cheia iluminava a mata em prata.
A neve caía devagar, como se o tempo hesitasse.
Foi então que ouviu — não pelos ouvidos, mas pela pele.
Corre.
A voz era masculina, rouca, distante.
Um som que vibrava dentro do peito.
Helena virou-se, assustada.
Não havia ninguém.
Mas o vento soprava na direção oposta — convidando-a.
Ela se levantou e correu.
O corpo parecia guiado por algo que não era medo.
Era como se os passos soubessem o caminho antes dela.
Horas depois, o bosque terminou num penhasco.
Abaixo, um rio congelado serpenteava como uma cicatriz brilhante.
Do outro lado, o horizonte do Norte — uma faixa de neve e luz.
Ela parou na beira, ofegante, o coração tentando sair do peito.
Atrás dela, o som dos caçadores ressurgiu.
Tochas. Vozes. Ferro.
Helena olhou para o abismo.
O vento uivava, empurrando-a.
A marca ardia.
De repente, um clarão — como relâmpago sem raio — acendeu-se por trás da lua.
O chão vibrou.
E o nome ecoou de novo, agora mais forte:
Helena.
Ela fechou os olhos e pulou.
A queda foi longa e rápida.
O corpo atravessou camadas de vento e neve até mergulhar no gelo do rio.
O impacto arrancou o ar dos pulmões.
Por um instante, o mundo inteiro virou branco e frio.
Silêncio.
Depois — um som abafado, grave, como batida de tambor distante.
O gelo se quebrou.
Braços fortes a puxaram para fora.
Helena tossiu, tossiu de novo, até sentir o ar voltar.
Quando abriu os olhos, o céu era diferente — cinza e prateado.
Estava deitada sobre um tapete de peles.
Ao redor, tochas presas em lanças queimavam devagar.
Lobos observavam em silêncio.
E entre eles, um homem ajoelhado.
O Alfa.
Kael Dravik.
Helena tentou se erguer, mas o corpo não respondeu.
O Alfa a olhava em silêncio, os olhos de gelo e febre.
O peito nu subia e descia devagar, a cicatriz na garganta pulsava com o mesmo ritmo da marca no ombro dela.
Por um instante, o ar pareceu desaparecer entre os dois.
Ronan, o Beta, surgiu atrás do Alfa.
— Ela veio do sul. — A voz dele era baixa, tensa. — Trouxe o selo.
Kael não respondeu.
Apenas tocou a própria garganta e depois o ombro dela, sem encostar.
O gesto fez o ar vibrar.
A marca brilhou sob o tecido molhado, respondendo como brasa.
Ronan prendeu a respiração.
— Pelos deuses, ela é o eco.
Kael virou lentamente o rosto para ele, olhar cortante, como se dissesse
cale-se.
O Beta abaixou a cabeça.
Helena tentou falar, mas nada saiu.
A voz parecia presa entre o coração e a boca.
Kael aproximou-se.
Apenas um passo.
O bastante para que o calor dele a alcançasse.
O Alfa estendeu a mão, hesitou por um instante e pousou a palma no ar, a poucos centímetros do rosto dela.
A marca respondeu com um pulso.
Você me ouviu.
A voz ressoou dentro da mente dela, rouca, grave, feita de eco e vento.
Helena piscou, sem acreditar.
— Q-quem…
A palavra não terminou.
O Alfa afastou a mão.
O som se desfez.
Ronan lançou um olhar rápido a Kael.
— O que ela é?
O Alfa não respondeu.
Apenas se levantou, pegou o manto sobre o lobo maior e o colocou sobre Helena.
O gesto era antigo.
Entre os clãs, significava:
sob minha proteção.Ronan suspirou.
— O Conselho não vai aceitar isso.
Kael o ignorou.
Voltou-se para a mulher e, com um olhar que parecia atravessar o tempo, inclinou a cabeça — uma saudação silenciosa, um reconhecimento impossível.
Helena tentou entender, mas o corpo cedeu.
O frio venceu.
Tudo ao redor se dissolveu em branco e sombra.
Horas depois, quando o amanhecer tocou o castelo, Kael ainda estava de pé junto ao braseiro, observando o fogo.
O rugido que ele não podia emitir parecia estar preso na garganta do mundo.
E na pele dele, a cicatriz queimava como nunca.
No alto da torre, a lua minguante se partia em dois reflexos.
E o vento, pela primeira vez desde a morte de Lyra, trouxe voz.
O amor sempre volta.
Mesmo que precise mudar de corpo.
Kael fechou os olhos.
Dentro dele, o silêncio rugiu.
E nas câmaras de pedra, a mulher que caíra do céu respirou fundo — sonhando com uma voz que não era a sua.