O dia amanheceu sem cerimônia, como se não tivesse consciência do que carregava. A luz entrou pelos vãos dos prédios, escorrendo pelas paredes como água morna, revelando detalhes que a noite esconderá de propósito. Nada parecia extraordinário à primeira vista — e, ainda assim, havia uma tensão sutil no ar, um fio esticado demais, prestes a vibrar.
Ela observava o movimento da cidade de um ponto alto, não exatamente isolado, mas distante o suficiente para não ser engolida. Gostava dessa posição intermediária: perto o bastante para sentir, longe o suficiente para pensar. O café esfriava em suas mãos enquanto o tempo avançava sem pedir permissão.
Pensava em decisões que não foram tomadas, mas que, ainda assim, produziram efeitos. Ausências que moldaram mais do que presenças. Era estranho perceber como o que não acontece também constrói destino. Talvez até com mais força.
O som de uma porta se fechando em algum apartamento próximo ecoou como um corte seco. Um gesto banal, mas definitivo.