A noite chegou antes do previsto, como se tivesse sido chamada. Não houve pôr do sol digno de atenção, nem cores dramáticas no horizonte. Apenas um escurecer gradual, quase educado, que tomou conta das ruas e dos pensamentos. Era o tipo de noite que não pede explicações — apenas acontece.
Ela percebeu que havia passado o dia inteiro em estado de observação. Pouco falou, pouco reagiu. Absorveu mais do que devolveu ao mundo. Esse silêncio interno não era vazio; era gestação. Algo se organizava em camadas profundas, longe do alcance imediato da consciência.
Ao entrar em casa, sentiu o peso simbólico do espaço. As paredes guardavam ecos de versões antigas dela mesma. Risos que já não soavam iguais. Discussões que hoje pareceriam desnecessárias. Planos que nunca chegaram a existir fora da imaginação. Ainda assim, nada ali parecia hostil. Apenas antigo.
Acendeu poucas luzes. Preferia a penumbra, onde os contornos ficam menos rígidos e as coisas podem ser interpretadas de mais de uma forma.