Mundo ficciónIniciar sesiónMatteo não era como os outros homens. Não precisava de mulheres baratas nem de elogios forçados. Era diferente, marcado por uma tragédia. A única namorada que tivera fora morta num confronto brutal com uma máfia mexicana, e desde então, não houvera outra. Bianca alimentava-se desse vazio. Via-o como um espaço reservado para si, esperando apenas o momento certo.
O noivado seria o passo inevitável. A partir daí, acreditava, poderia finalmente conquistar-lhe o coração e construir com ele uma vida perfeita, longe das cicatrizes da sua própria família. Mas agora… agora tudo ruíra. Matteo escolhera Darya. Logo ela. A lembrança do passado voltou com força, como uma ferida reaberta. Bianca recordou a época em que tudo parecia um conto de fadas. Os pais separados, a mãe radiante, o padrasto amoroso. A vida era fácil, doce, como se tivesse sido escrita para ela. Depois, nascera Darya. E tudo mudara. O padrasto, que antes lhe dava o mundo, passou a dividir as atenções. O carinho, embora presente, já não era exclusivo. Bianca percebeu, ainda em criança, que deixara de ser o centro do universo. E quando o pai de Darya morreu, a ilusão terminou de vez. A leitura do testamento fora a prova mais cruel: não importava o quanto tivesse sido dedicada, a herança não era dela. Nunca seria. Tudo pertencia a Darya. Anos mais tarde, ao tornar-se adulta, Bianca começou a juntar as peças. Os pais não se tinham separado por acaso; a mãe apenas se afastara para lançar-se nos braços de um homem mais rico, mais poderoso. O acidente que vitimara o pai de Darya fora demasiado oportuno para ser inocente. Bianca acreditava, sabia, que não fora acidente. Só não contaram com a sobrevivência da filha. Um erro que mudara tudo. Se ao menos Darya tivesse morrido naquele dia… então, sim, o império Vellano seria seu. E Matteo também. Bianca passou a mão pelo rosto, tentando afastar o calor que lhe queimava as faces. Fitou de novo o espelho. A imagem que lhe devolvia era a de uma mulher bela, mas vulnerável. Não gostava do que via. Não aceitava aquela derrota. — Este casamento não vai acontecer — murmurou para si mesma. — Nunca. A porta abriu-se. Helena entrou, elegante como sempre, mas com os olhos carregados de fúria contida. Bianca virou-se para a mãe como uma criança que procura socorro. — Mãe… o que vamos fazer? — a voz dela tremeu, apesar do esforço para soar firme. Helena fechou a porta atrás de si, avançando devagar. — O teu pai vai resolver isto — disse, serena, como se cada palavra fosse uma pedra colocada sobre o chão instável. — Acredito que tudo não passou de um erro, minha princesa. Matteo há-de casar contigo. — A Darya tem de pagar. Ela humilhou-me diante de todos. Como ousa fazer isto comigo? A mãe pousou-lhe as mãos nos ombros, apertando com suavidade. — Fazer algo agora seria estupidez. Não vamos agir por impulso. Confia em mim. Eu vou cuidar de tudo. Tu és uma Rossi, Bianca. E os Rossi não perdem. Ninguém, absolutamente ninguém, é páreo para ti. Tu és perfeita. Bianca fechou os olhos, absorvendo aquelas palavras como se fossem um feitiço. Era sempre assim: quando o mundo ameaçava desabar, a mãe reconstruía-o com promessas. Como um mantra, repetido tantas vezes que acabava por se tornar verdade. Quando abriu os olhos, o espelho já não lhe devolvia uma imagem derrotada. Via apenas a mulher que fora criada para ser: bela, poderosa e intocável. Sorriu, lenta, quase cruel. Não, não iria se desesperar. A mãe tinha razão. Sempre havia uma solução. E, custasse o que custasse, não deixaria Darya vencer. ✬ Darya subia lentamente as escadas, o corpo ainda pesado após o silêncio sufocante deixado pela partida dos Mancini. A mansão parecia maior, vazia, mas cada canto ecoava com memórias que não lhe pertenciam. Duas semanas. Esse era o tempo que lhe restava até ao casamento. Quatorze dias apenas, e a sua vida mudaria para sempre. Não por amor, ela sabia que esse luxo nunca lhe fora concedido, mas pela sobrevivência. A sua mente vagueava, entre medo e determinação, quando se apercebeu de uma sombra no patamar superior. Estacou. Helena estava parada no topo da escadaria, imóvel, de braços cruzados. O olhar da mãe atravessava-a como lâminas. Não havia emoção, apenas desdém. — Já viste o que fizeste? — a voz dela cortou o ar como um chicote. — És mesmo uma vergonha. Antes que Darya pudesse responder, Helena avançou alguns degraus, levantou a mão e desferiu-lhe uma bofetada tão forte que o eco ressoou por toda a casa. O rosto de Darya ardeu de imediato; levou a mão à face, incrédula, tentando conter o tremor. — Como ousas? — gritou Helena, agarrando-lhe o braço com brutalidade. — Como ousas roubar o que é da Bianca? Como ousas meter-te no caminho da felicidade da tua irmã? Darya engoliu em seco, tentando soltar-se, mas o aperto da mãe era de ferro. — Eu não roubei nada… — murmurou. — Sou tão filha como ela. Qual é a diferença se sou eu ou ela? Helena soltou uma gargalhada amarga, aproximando-se mais. — Filha? Não sejas ridícula. — Os olhos dela cintilavam de ódio. — Nunca foste minha filha. Nunca te quis. Foste apenas um erro, uma consequência de um casamento sem amor. O teu pai acreditava naquela farsa de família, mas eu… eu só esperei pela hora em que a morte dele me libertasse. As palavras caíram como pedras sobre o peito de Darya. Helena continuou, mais cruel: — Sabes o que foi pior? O maldito testamento. Ele deu-te tudo. Tudo! Como se fosses alguma coisa! — o aperto no braço de Darya intensificou-se. — Se dependesse de mim, tinhas morrido naquele acidente com ele. Teria sido melhor. Teria sido o justo. Darya recuou um passo, atordoada, mas a mãe não a largava. Helena inclinou-se, aproximando os lábios do ouvido dela. — Odeio-te, Darya. Desde o dia em que nasceste, roubaste-me tudo. O amor que podia ter, a atenção que devia ser da Bianca, até a tranquilidade que merecia. És um fardo. Um estorvo. A tua própria existência é uma afronta. O peito de Darya doía, mas não era só pelo aperto. Era pelas palavras, cada uma como um punhal. As lágrimas ameaçavam romper, mas ela cerrou os dentes. Não daria esse prazer à mãe.






