Mundo ficciónIniciar sesión— Nunca… nunca pensei que fosses capaz de dizer isso… — conseguiu sussurrar.
Helena riu de novo, um riso frio. — Não sejas ingénua. Eu sempre te mostrei quem eras para mim. O que pensavas? Que um dia ia amar-te? Que algum gesto meu era ternura? — fez uma pausa, os olhos azuis a brilharem de desprezo. — Não, querida. Cada vez que te dei atenção, foi por interesse. Usar-te sempre foi o único motivo. Darya conseguiu, finalmente, libertar-se do aperto, afastando-se com passos trémulos. Sentia-se despida, como se a mãe lhe tivesse arranca do a pele com as palavras. O chão parecia tremer sob os pés, mas manteve-se de pé. Não respondeu. Não havia mais espaço para réplicas. Apenas virou costas e desceu as escadas. Na sala, com as mãos a tremer, agarrou no telefone fixo. Os números saíram quase sozinhos; sabia-os em mente, embora nunca os tivesse discado antes. Quando Matteo atendeu, o silêncio entre eles durou apenas um instante. — Podes vir buscar-me? Pediu, a voz baixa, contida, como quem implora sem querer mostrar fraqueza. Do outro lado, ouviu a respiração dele, curta e firme. — Estou a caminho. Darya pousou o auscultador devagar. O coração batia descompassado, mas, pela primeira vez, sentiu-se a tomar uma decisão só sua. Seguiu até à porta da mansão. Os passos ecoavam, mas ela já não olhava para trás. Empurrou as portas pesadas, atravessou o jardim e chegou ao portão de ferro. O guarda abriu-o sem hesitar, mas lançou-lhe um olhar de estranheza, nunca vira a herdeira sair assim, de noite, sem aviso. Ela passou, ignorando tudo. Ao alcançar a rua, deixou-se cair na beira do passeio. Sentou-se, abraçou os joelhos e baixou o olhar para o chão frio. A noite estava cortante, mas o frio não era nada comparado à solidão que a corroía por dentro. Pela primeira vez, tinha ouvido a verdade nua e crua: não era amada, nunca tinha sido, e nunca seria. E, no entanto, jurou a si mesma, com uma força que nem sabia possuir: se um dia tivesse filhos, jamais lhes daria a dor que Helena lhe dera. Nunca os faria sentir-se indesejados. O vento da noite soprou-lhe o cabelo para o rosto. Ela não se mexeu. Ficaria ali, a esperar por Matteo. Não queria regressar àquela casa, não queria ouvir mais a voz da mãe, não queria ver mais aqueles olhos que a odiavam. Ali fora, sozinha, sentia-se mais livre do que alguma vez dentro das paredes da mansão. Esperaria. Porque, pela primeira vez, estava a escolher não ser vítima. ✬ Matteo conduzia em direcção ao seu apartamento, no coração da cidade. A noite caía pesada, e as luzes dos candeiros misturavam-se com o brilho difuso dos faróis dos carros que o rodeavam. Era um daqueles dias em que desejava afastar-se de tudo e de todos, fechar-se no silêncio das próprias paredes, e tentar perceber para onde o tinham levado as escolhas que fizera. O anúncio do casamento já fora feito. Dentro de duas semanas, subiria ao altar. A ideia não lhe trazia paz; pelo contrário, cada vez que pensava nisso, sentia um peso no peito. Não era esse o futuro que alguma vez imaginara para si. Mas também sabia que era o único caminho que encontrara para se aproximar verdadeiramente de Darya, para se colocar no centro da sua vida. Recordava-se nitidamente do dia em que a conheceu. Ela tinha dezoito anos. Era a festa de vinte e dois anos de Bianca, num salão iluminado por candelabros e música alta, mascarado por risos e intrigas escondidas. No meio de tanta gente, Darya parecia deslocada, como se não pertencesse àquele lugar. Em algum momento, afastara-se da multidão e sentara-se no jardim, junto à fonte, já sem máscara. Matteo lembrava-se do contraste: a fragilidade daquela jovem solitária, envolta pelo som distante da festa, com a água da fonte a cair suavemente atrás dela. Algo nele o tinha empurrado para se aproximar. Na altura já se comentava o modo frio como a família Rossi a tratava. E havia ainda a tragédia recente: a morte do pai de Darya num acidente de automóvel. Ela estivera no carro e sobrevivera por pura sorte. Matteo nunca deixara de desconfiar que Ricardo tivesse alguma ligação a esse acidente. Esse pensamento acompanhava-o desde então, como uma sombra. Foi nesse dia, diante daquela jovem perdida, que tomou a decisão de vigiar de perto tudo o que dizia respeito aos Rossi em como tratavam ela. Passou a recolher informações, a observar discretamente, a tentar perceber até que ponto Darya estava em perigo. O casamento com Bianca perdeu sentido. Importava apenas proteger Darya, ainda que de forma discreta, sem que ela se desse conta da extensão da sua interferência. No entanto, o que começara como vigilância tornou-se algo mais profundo. Com o tempo, Matteo foi-se deixando conquistar por gestos pequenos: o modo como Darya sorria, mesmo quando tentava esconder a tristeza; a maneira como olhava pela janela, como se procurasse um mundo diferente lá fora; a sua força silenciosa, disfarçada pela fragilidade aparente. Apaixonou-se em segredo, e desde então fechara o coração a qualquer outra mulher. Foram seis anos a carregar esse sentimento sem confissão. Até que, incapaz de mais silêncio, decidiu pedi-la em casamento. Não porque tivesse garantias de que ela o aceitaria com amor, mas porque queria conquistar, passo a passo, um lugar no coração dela. Propôs-se esperar cinco anos com a justificativa de que precisava dela para a carreira política, esse era tempo necessário para que ela pudesse vê-lo não apenas como um aliado, mas como um companheiro. O trânsito avançava lentamente, e Matteo deixava-se arrastar pelos pensamentos quando o toque insistente do telemóvel o arrancou da sua reflexão. Olhou para o visor: número desconhecido. Atendeu sem pensar. Por um instante, não houve resposta. Apenas um sopro trémulo do outro lado. Depois, uma voz que lhe fez gelar o sangue. Era Darya. O tom dela era frágil, urgente. Disse poucas palavras, apressadas, quase sufocadas, mas suficientes para que ele travasse bruscamente, provocando um alvoroço atrás de si. Um carro apitou com violência, mas Matteo mal reparou. O coração batia-lhe no peito como um tambor. Ele fez uma manobra brusca e arrancou em direcção à mansão dos Vellano. O motor rugiu, e a velocidade fez com que as luzes da cidade se transformassem em riscos luminosos ao seu redor. Durante o caminho, a mente dele era um turbilhão. Desde o noivado, há mais de um mês, dera a Darya o seu número pessoal. Dissera-lhe que poderia ligar-lhe a qualquer hora, para o que fosse. Mas ela nunca o fizera. Sempre fora Matteo quem iniciava os contactos, para tratar de assuntos do casamento, para pedir a sua opinião, para tentar criar algum pretexto que a fizesse falar. E agora, finalmente, era ela quem o chamava.






