Capítulo 4
Um filho perdido. Um amor apagado. Uma verdade enterrada viva. Caio Moreau A caixa estava no fundo do armário, envolta em papel pardo e poeira. Eu nunca tinha aberto. Não precisava. Sabia o que tinha dentro. Sabia e evitava. Como quem sabe que encostar numa ferida é sangrar de novo. Mas hoje, eu não consegui evitar. Arranquei a fita adesiva, rasguei o papel com a raiva de quem quer destruir memórias. Dentro, um macacãozinho azul-claro com detalhes bordados. Um par de meias minúsculas. Um ursinho de pano com uma orelha arrancada. Tudo ainda com cheiro de talco e de luto. Era o filho dele. Era isso que diziam. Aquele filho que matou a última fagulha de esperança entre mim e ela. A prova da traição. A razão do casamento apressado. Do vestido branco sujo de mentira. Do adeus que ela me deu sem explicação. Mas não era sempre assim? Eu querendo respostas e ela me enterrando em silêncios. Nove anos antes. — Caio... — ela disse, com a voz tão baixa que parecia medo. — Eu... estou grávida. Fiquei em choque por um segundo. Então sorri. Sorri como quem encontra o sol depois de uma vida de tempestade. — Meu Deus... sério? A gente vai ter um filho? — puxei ela pra perto, os olhos dela marejados, mas sem brilho. — Isso é tudo o que eu queria. A gente pode fugir, Ali. De verdade agora. A gente tem um motivo. Um futuro. Ela tentou sorrir. Mas não conseguiu. Dias depois, foi Eduard quem apareceu. Ele chamou Alinna para uma "conversa definitiva". Não sei o que falaram. Mas vi ela voltar diferente. Pálida. Olhos secos. Alma vazia. — Quer se casar comigo? — Eduard perguntou a ela, a voz cheia de frieza. — Eu vou assumir as empresas da família. E você vai ser uma mulher respeitada. Vai rodar o mundo comigo. — Mas... eu não te amo, Eduard. — Eu sei, Alinna. Mas você acha que meu irmão pode fazer o quê por você? Amor e sexo são romantismo de livros baratos. Sua realidade é outra. Vivendo de favor na casa de um vizinho. Sem nome. Sem nada. E eu posso te dar tudo. Ele sorriu. Mas era um sorriso de posse. — Você sabe quanto eu gastei com você? A dívida do seu pai? O funeral dele? O da sua mãe? Quantos eu tive que calar pra você ser minha? É simples. Vamos dizer que o casamento às pressas é por esse nosso filho. ENTENDEU? Ela chorou. — Se eu aceitar, vou fazer você sofrer. E vou sofrer também. — Nada que o tempo não cure. Comece com isso. Ele colocou a aliança no dedo dela. — Termine com o meu irmão. Amanhã você vai morar comigo. E isso não é um pedido. Quando ela me disse que não me amava mais, eu achei que era teatro. Um capricho. Mas quando a vi entrando na igreja, de branco, ao lado dele, algo dentro de mim morreu. O bebê nasceu 6 meses depois. E morreu dois dias depois de nascer. Não me deixaram ver. Não fui ao hospital. Ninguém me deu respostas. Na minha cabeça, aquilo era o castigo. Ela me traiu. Teve um filho com ele. E nem isso sobreviveu. Desde então, eu não consegui mais falar sobre isso. FLASHBACK NOVE ANOS ANTES O quarto estava mergulhado em penumbra, iluminado apenas pela luz da lua que atravessava a cortina fina. O silêncio entre nós dois era quase sagrado. Caio tocava meu rosto como se eu fosse feita de vidro, e seus olhos diziam mais do que qualquer promessa já dita em voz alta. — Você tem certeza? — ele perguntou, com os lábios a poucos milímetros dos meus. — Tenho. — respondi, com a voz fraca, mas cheia de coragem. — Se for com você, então eu quero. Ele me beijou devagar, como se o mundo pudesse parar ali. E, pela primeira vez, eu senti o amor se tornar pele. As roupas foram saindo com cuidado, entre suspiros, olhares e mãos trêmulas. Deitei com ele pela primeira vez sem medo, sem culpa, sem nenhum tipo de dúvida. Quando ele entrou em mim, o mundo perdeu o eixo. Doeu, sim. Mas a dor era mínima perto da intensidade com que ele me amava. Caio não tinha pressa. Me olhava nos olhos. Me acariciava como se cada pedaço do meu corpo fosse um segredo a ser descoberto. O ritmo era lento, profundo. E pela primeira vez na vida, meu corpo foi ouvido. Entendido. Acolhido. Meu quadril se ergueu instintivamente, e quando ele murmurou meu nome contra minha boca, eu tremi inteira. — Você teve seu primeiro orgasmo amor, comigo! — ele sussurrou, com os olhos atentos. Eu apenas acenei com a cabeça, sem conseguir falar. As lágrimas escorreram. De alívio. De entrega. De amor. Ele continuou se movendo dentro de mim, mais forte agora, até que seu corpo inteiro se retesou e ele gozou dentro de mim, com um gemido contido, rouco, desesperado. Depois caiu ao meu lado, ofegante, me puxando para os braços dele. — Eu te amo, Alinna. — ele murmurou contra meu cabelo. — Eu vou lutar por esse amor. Até o fim. Mas o fim chegou antes mesmo que a luta começasse. Faltavam 15 dias para o casamento, Eduard descobriu. Ele invadiu meu quarto e me jogou o teste de gravidez na cama. — É dele, não é? Do meu irmão? — rugiu. Eu fiquei em silêncio. Era a única resposta honesta que podia dar. Ele riu. Frio. Cruel. — Você sabe quanto eu gastei com você? A dívida do seu pai? O funeral dele? O da sua mãe? Quantos eu tive que calar para você ser minha? Então é simples. Vamos dizer que o casamento às pressas será por esse nosso filho. ENTENDEU? — Eduard, por favor... não faz isso. — eu chorava. — Eu não quero te machucar. Mas não posso viver essa mentira. — Pode sim. E vai. Ou vai enterrar mais alguém da sua família. Você escolhe. O casamento aconteceu. Como Planejado, luxo Requinte. Sem escolha. Caio nunca mais falou comigo. Seis meses depois, o sangramento começou. O bebê… o nosso bebê… não resistiu. Mas o mundo achou que era filho de Eduard. E eu tive que carregar esse segredo sozinha. Enterrei meu filho como se fosse um erro. E junto com ele, enterrei minha chance de amor. Porque Caio… ele me odiava. E nem imaginava que tudo que eu fiz… foi por ele. PRESENTE… Caio. Hoje, olhando aquele macacão, percebo que nunca enterrei esse luto. Nem o luto dela. Nem o meu. Eu ainda a amo. Mas o que me impede de tocá-la não é orgulho. É a dor. A dor de ter acreditado que era só meu. E de ouvir, todos os dias, a voz de Eduard rindo no meu ouvido: "Ela foi minha. O filho também. Tudo que você quis, eu tive primeiro." E eu acreditei. Por isso eu me afastei. Por isso eu destruí. Mas e se... e se não fosse assim? E se eu tivesse perdido não só a mulher da minha vida? Mas o meu filho também?