Mundo de ficçãoIniciar sessãoO silêncio da mansão Hyun era tão espesso naquela manhã que Josefina quase podia senti-lo repousar sobre os ombros. No dia anterior, ela havia tentado de tudo: conversas curtas, brincadeiras simples, aproximação. Mas nada funcionou. Foi uma sucessão de tentativas frustradas — cada gesto seu batia em um muro invisível.
Minjae, por sua vez, parecia completamente alheio ao esforço dela. Observava de longe, os olhos atentos, porém frios. Não movia um dedo para ajudar. Entregara-lhe a responsabilidade pela criança após uma explicação superficial sobre a rotina e alguns limites dentro da casa, como se aquilo fosse o processo mais natural do mundo. Para Josefina, aquilo beirava a crueldade.
Quem faz isso com alguém no primeiro dia de trabalho?
Nem mesmo as personalidades mais complicadas da creche onde trabalhava tinham exigido tanto dela. Mas Clara… Clara era diferente. Parecia repelir qualquer aproximação, como um ímã invertido. Afastava com olhares frios, com silêncios cortantes, com pequenas provocações que pareciam calculadas demais para sua idade.
Ao anoitecer, exausta, Josefina levou o jantar para o quarto da menina — arroz, sopa e frutinhas cortadas. Imaginou que, com calma, talvez conseguisse algum progresso.
Clara a encarou com os olhos semicerrados. Testando limites.
O jantar explodiu pelo quarto. Arroz e sopa respingaram no tapete, nos móveis, e principalmente em Josefina, que sentiu a mistura quente escorrer pelo braço e entrar pela gola da blusa. A menina ficou estática por um segundo… e então caiu na gargalhada. Riu até se dobrar na cama, como se aquilo fosse a cena mais engraçada do mundo.
Josefina permaneceu parada. Rígida.
— Tudo bem… — murmurou apenas para si, tentando manter o controle.
Minjae apareceu na porta. Observou o caos e balançou a cabeça com a expressão de quem já esperava por aquele desastre. Mas não entrou e nem disse uma palavra. Apenas ficou observando por alguns segundos a reação dela, depois se virou e saiu de volta para o escritório, indiferente.
Josefina saiu em seguida, carregando sopa, arroz… e frustração.
Sentou-se no chão do corredor e respirou fundo para não chorar. A solidão a atingiu com força. Como pôde aceitar um trabalho sem sequer perguntar sobre a família? Imaginara uma casa barulhenta, pais presentes, talvez até superprotetores. Uma mãe arrogante e exigente, uma criança mimada pela atenção excessiva. Mas encontrou o oposto — e era pior do que ela poderia imaginar.
Enquanto retirava os pedaços de comida ressecada da pele, uma pergunta pulsava em sua mente de psicopedagoga:
O que aconteceu com essa criança para ela reagir assim?
No banho, deixou a água morna escorrer pelos ombros, como se pudesse lavar a alma. Mas a sensação de fracasso permanecia. A imagem de Clara rindo enquanto destruía o jantar, chutando seus tornozelos, trancando portas… nada disso parecia simples teimosia. Havia algo por trás. Algo profundo.
E então, uma lembrança surgiu: o retrato que vira mais cedo. Uma moldura discreta, um sorriso suave, e olhos que carregavam o mundo — a mãe de Clara.
Josefina apoiou as costas na parede úmida e tentou imaginar aquela mulher caminhando pela casa, preenchendo cada canto vazio. Jovem, bonita, com um olhar doce. Mas ninguém tocava no nome dela. E não havia sinais de um pai presente. Apenas funcionários que trabalhavam em silêncio… e uma criança que, apesar de viver cercada de adultos, estava completamente só.
Era um lugar onde ninguém parava, todo mundo trabalhava… mas ninguém vivia.
Josefina percebeu que os funcionários pareciam ter medo de Clara. Evitavam contrariá-la, evitavam aproximar-se demais. Uma menina com olhos afiados demais para a idade. Era como se todos ali estivessem apenas segurando as pontas enquanto Clara afundava lentamente em um mar que ninguém ousava enfrentar.
Autoritarismo. Obrigações. Frieza.
Ao desligar o chuveiro, Josefina repetiu mentalmente:
"Clara não é má. Ela está apenas reagindo."
Enquanto vestia o pijama, murmurou:
— Ela precisa se sentir amada… alguém precisa enxergar ela de verdade.
Mordeu o lábio inferior. Mesmo sem conhecer aquela criança direito, um sentimento inesperado começou a brotar dentro dela — uma inquietação misturada a determinação.
Clara tinha erguido uma muralha enorme, mas apenas porque o mundo dela tinha desabado. E alguém precisava ter coragem de tentar alcançar o que restou por baixo daquela armadura.
Quando apagou a luz e se deitou, a decisão já estava tomada.
Josefina não seria apenas uma babá.
Custasse o que custasse, o amor prevaleceria.







