Mundo ficciónIniciar sesiónJosefina chegou na casa dos pais e respirou fundo antes de soltar a notícia. A sala estava num silêncio estranho: a mãe organizava prontuários com indignações imaginárias, o pai assistia TV, imóvel como uma estátua cansada, e a irmã rolava o feed do celular, pronta para palpitar sem ser chamada.
— Então… quero a atenção de vocês. Eu tenho uma notícia — Josefina disse, ajeitando o cabelo atrás da orelha.
Júlia foi a primeira a erguer aqueles olhos azulados, curiosos.
— Vai casar? — Perguntou animada.
A mãe, Lourdes, congelou instantaneamente. Os papéis ficaram suspensos, como se alguém tivesse apertado pause na cena.
— Como assim? — Os olhos âmbar já estavam arregalados, prontos para o drama. — Fazer o quê?
O silêncio que seguiu foi inquietante, até a TV pareceu prestar atenção. O pai, Ricardo Abrantes Neto, empalideceu — e, para alguém naturalmente branco, parecia prestes a desaparecer.
— Au… o quê? — Lourdes perguntou quase em um sussurro, analisando a palavra como se fosse material de prova.
Júlia foi mais rápida:
— Tipo uma babá estrangeira — explicou, sem levantar muito a cabeça.
Lourdes suspirou como quem recebe um diagnóstico grave e se jogou no sofá.
— Você vai sair daqui pra ser escrava em outro país, Josy?! — A voz ecoou pela sala. — Você tem passaporte, visto… podia fazer um intercâmbio normalmente, procurar emprego decente! Mas babá? BABÁ?! Em outro país?! Isso me parece trabalho escravo!
— Mãe, não é assim. Tem salário, contrato, regras… eu já pesquisei tudo. É seguro, tá!
Josefina fechou os olhos, respirou fundo tentando manter a calma. Sua voz saiu baixa e sincera:
— São só alguns meses. Eu preciso disso. Eu sei o que estou fazendo, confia em mim.
A mãe rebateu:
— Daqui a pouco você aparece sendo obrigada a cozinhar, lavar, passar ou coisa pior… Não quero nem pensar nisso!
O pai soltou um suspiro longo, pesado, o clássico “eu avisei”. No trabalho o coronel da polícia, mas em casa não combatia quase nada. Aumentou o volume da TV, preferindo enfrentar tragédias nacionais ao surto doméstico.
Júlia tentava não rir, mordendo o lábio. Apesar de parecida com a irmã, tinha uma personalidade excêntrica de modelo ruiva misturada com o porte atlético do pai.
— E pra onde você vai mesmo? — Ricardo perguntou, desconfiado.
— Ha-ha-ha, engraçadinha. Não mete o Yuri nessa história — Josefina resmungou, corando. — E eu NÃO vou casar com ninguém!
Lourdes estreitou os olhos, levantando meio centímetro do sofá.
— Tem precisão disso, minha filha? Vocês perderam o juízo, só pode.
Por um segundo, o drama se dissolveu e deu lugar a uma preocupação verdadeira.
— Você é muito atraente. Se isso for uma armadilha? E se te sequestrarem?
— E se te explorarem? E se te tratarem mal?
Ricardo, ainda de olhos na TV, falou com a calma de quem aceita o inevitável:
— Josy, querida… você já é adulta, sabe muito bem das coisas. Só não esqueça dos contatos de emergência, da embaixada, passar o rastreamento, a localização. E guarda bem o passaporte como se fosse ouro. Todos os dias manda notícias. Fica alerta. Assim você tem minha bênção.
Josefina abriu um belo sorriso e deu um beijo e abraço no pai. Lourdes levantou, ainda contrariada, e saiu apressada para o plantão no hospital. Júlia sumiu para o quarto, murmurando que mal podia esperar para ver as fotos do “país novo”.
Ricardo ficou com Josefina na sala. Ela sorriu ao ouvi-lo relembrar as aventuras da família nos Estados Unidos e na Espanha. Histórias que, agora, pareciam fazer sentido.
Para ela a Coreia do Sul não era mais um sonho. Mas um salto.







