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Capítulo 5 A escolha de Lucila

Três anos depois...

Lucila

Tarde da noite, a mansão Drumond dormia em silêncio, exceto pelo sussurro abafado que escapava por trás da porta do escritório, onde luzes tênues ainda filtravam pelas frestas.

Lucila andava descalça, os passos leves pelo tapete do corredor ecoando apenas no compasso de seu coração inquieto. Apesar do cansaço pelo jantar de aniversário que sua família ofereceu, ela não conseguia conciliar o sono.

Isso porque ele não veio. Vitório não apareceu em mais um de seus aniversários, e isso afundava seu coração em tristeza. Com os dezoito anos recém-completados, esperava que aquela noite ainda trouxesse algum presente, talvez uma ligação dele, ou alguma mensagem.

Mas não recebeu nenhuma coisa e nem outra. E agora ela vagava pela casa, porque simplesmente não conseguia parar de pensar na ausência de Vitório.

Mas aqueles sussurros, a conversa na calada da noite a deteve. Antes de seguir para o seu quarto, ela se deteve do lado de fora do escritório de seu pai.  Encostou-se na porta, hesitante, o ouvido colado à madeira polida.

O pai falava em tom grave, com aquele timbre autoritário que fazia até as paredes respeitarem. A mãe, por outro lado, parecia tensa, a voz entrecortada por preocupações mal disfarçadas.

— Ícaro está segurando a Acrópole de forma impressionante — dizia Hermes Drumond, seu pai. — Mas não sei por quanto tempo vai durar. Essa pressão, essa crise… temo pelo que pode acontecer. É melhor aceitarmos o acordo. Já estamos vinculados a essa sociedade de qualquer forma. Será uma estratégia infalível.

— Não é uma fusão, Hermes, é uma aliança — rebateu Amanda Drumond, sua mãe. — E não podemos vender nossa filha como moeda de troca. Ícaro pode estar dando conta agora, mas isso é mérito dele, e como você mesmo disse, não há como saber até quando ele vai aguentar.

— Amanda, seja sensata, pelo menos uma vez na vida. O que Ícaro está fazendo é uma façanha, se quer saber. Ele é jovem e afiado, um visionário. Ele é brilhante… até mais do que o Otávio. E será um marido perfeito para a Lucila.

O coração de Lucila falhou uma batida. Marido? Do que eles estavam falando?

Por um segundo, ela não respirou. Depois, o ar voltou de forma violenta, afogando seus pulmões em uma angústia repentina. As palavras do pai ecoaram como uma sentença terrível, martelando sua mente com peso insuportável.

Marido. Lucila e Ícaro. Casamento.

As lágrimas vieram antes mesmo que pudesse reprimi-las. Escorreram silenciosas, quentes, deslizando pelo rosto como se carregassem consigo todos os sonhos de liberdade, de escolha, de viver o seu primeiro amor.

Por mais que amasse Ícaro, por mais que tivesse crescido ao lado dele, rindo de suas piadas, confiando em seu cuidado, ela nunca o viu como homem. Ele era seu irmão de coração. O seu melhor amigo. O amparo que encontrou nesse mundo tão cruel e sem cores. O porto seguro que a vida lhe deu em meio à dor.

Mas o amor… o amor morava em outro lugar.

Em Vitório, e só em Vitório.

O mero pensamento do nome dele fazia seu ser estremecer, e esquentar. Era como se ele estivesse ali, alimentando-a com seu calor.

A imagem dele surgiu nítida, os olhos intensos, profundos como constelações em noite escura. O homem que, mesmo após cair diante de todos, ainda povoava seus pensamentos e sonhos mais românticos. O único que seu coração ansiava, o único por quem se imaginava sendo tocada, amada, conectada.

Ela tentou falar com ele após a queda da Acrópole. Ligou incontáveis vezes, apenas para ouvir a voz dele, naquele tom grave e firme que causava arrepios em sua pele. Foi até o apartamento dele para saber como ele estava, mas estava vazio. O porteiro disse que ele não aparecia a dias. Ele desapareceu completamente. E com ele, parte de seu mundo.

Agora, presa atrás daquela porta, Lucila ouvia seu pai decretar seu destino de forma tão frívola.

— Já está decidido. Otávio comunicará Ícaro na próxima semana. A festa de noivado será em breve. É o melhor para todos. Devemos falar com Lucila amanhã à noite, para que ela se prepare adequadamente. – ele faz uma pausa. – Não me olhe dessa maneira. Eu tenho certeza que Ícaro pode ser a chave para a ajuda que Lucila precisa durante todo esse tempo.

O som de papéis sendo recolhidos e copos sendo encostados na mesa fez Lucila recuar. Os passos se aproximavam e num impulso, ela correu. As lágrimas turvavam sua visão enquanto atravessava o corredor, engolida pela escuridão e pelo desespero.

Seu corpo trêmulo mal a obedecia. Cada lembrança, cada batida do coração gritava o nome de Vitório. Chegou ao quarto e se enfiou sob o edredom como uma criança fugindo de um pesadelo. Mas este não acabaria ao despertar. Ela estava viva, sentindo cada espinho cravado dentro dela.

Sob o tecido grosso, Lucila tremia. Pensava no irmão morto, Felipe, e no peso que isso deixou sobre seus ombros. Ela era a única filha que restou, a que não podia errar, a que não podia decepcionar. Sempre obediente. Sempre devotada.

Mas até que ponto o amor podia ser sacrificado por lealdade?

Lucila sentou-se na cama, enxugou as lágrimas e ligou o computador portátil. Seu coração já sabia o que procurava. Digitou o nome com mãos trêmulas. O perfil dele ainda estava lá. Uma foto mais recente o mostrava com o cabelo um pouco mais curto, barba rala, expressão séria, mais maduro, mais másculo do que nunca. E ainda mais bonito.

Seus olhos continuavam os mesmos. Olhos que pareciam ver além da carne, além da mudez dela, além de tudo.

Ela passou os dedos sobre a tela, lembrando-se de cada momento vivido ao lado dele, da palavra “princesa” dita de forma tão intima e única. Tardes na casa dos Darius, junto aos irmãos que a acolheram como uma deles, os jogos de tabuleiro na infância que ele perdia de propósito, os livros que recomendava para afugentar os pesadelos dela, com cuidado; as conversas silenciosas que ele não entendia, mas que sorria de volta, tocando suavemente suas mãos.

Ele sempre olhava nos olhos dela. Sempre.

Lucila apertou o punho fechado contra o coração. Não podia aceitar isso. Não podia fingir que casar Ícaro era o certo só porque ele era gentil e protetor. Gentileza não era paixão. Cuidado não era desejo. E seu coração, seu corpo, sua alma, pertenciam apenas a Vitório. Ansiava somente por ele, precisava dele.

Lucila nem mesmo dormiu naquela noite, ela só ficou ali entre lágrimas, pensando onde ele estaria, o que estaria fazendo, se estava bem.

Na manhã seguinte, acordou antes de todos. Vestiu-se com a elegância e delicadeza a qual foi ensinada, mas o olhar no espelho estava firme. Cabelos presos, olhos inchados, mas decididos. A garota se tornava mulher diante do reflexo.

Desceu as escadas e encontrou o pai pronto para sair. Ele ajustava os punhos da camisa quando ela se aproximou.

— Lucila? — perguntou, surpreso. — Bom dia, querida. Está tudo bem, filha? Ainda é muito cedo para você ir para a faculdade.

Ela gesticulou com calma, mas seus olhos vibravam com emoção.

"Ouvi a conversa de ontem entre vocês, sem querer. E não posso me casar com Ícaro."

Seu pai ficou paralisado por um instante, como se tentasse processar as palavras gesticuladas devagar. Depois, pigarreou, tentando sorrir.

— Filha, pensei que você gostasse dele. Voces são muito próximos desde a infância. – Hermes a observou. – E o Ícaro é um bom homem. É inteligente, forte, de caráter, e… te ama.

Lucila balançou a cabeça.

"Eu o amo também. Mas como irmão. Como amigo, e ele certamente sente o mesmo"

— Isso é algo que pode mudar com o tempo. Vocês se conhecem desde sempre, o amor nasce da convivência, da admiração…Vocês só precisam...

Ela interrompeu, firme.

"Mas o meu amor já nasceu em meu coração, papai. E não foi por Ícaro. Foi por Vitório."

O nome caiu como um raio entre eles. Ela pode sentir a tensão crescendo em seu pai.  Hermes Drumond franziu o rosto em desagrado, o olhar buscando algum sinal de brincadeira. Mas os olhos de Lucila eram sérios e determinados.

— Vitório? — repetiu, incrédulo. — Filha, não. Isso é impossível. Ele tem vinte anos a mais. É um libertino, irresponsável, nunca teve um relacionamento de verdade. E agora, depois do que aconteceu com a Acrópole… ele está destruído. Por causa dele, Otávio quase morreu. Não é o homem certo para você.

Lucila se aproximou, devagar, mas com firmeza.

“Mas eu o amo, papai. O coração não escolhe quem deve amar. E não vou me casar com ninguém que não seja ele."

Hermes se calou. Os lábios abriram-se, fecharam-se. Pela primeira vez vendo a filha com alguma vontade real no olhar. Desde quando ela perdeu a capacidade de falar, Lucila sempre foi muito passiva, até mesmo quando era atacada no colégio.

Mas agora, ela parecia muito determinada, e pronta para lutar por algo de verdade. Ele ficou em silêncio, possivelmente não sabia o que responder. Só conseguia observa-la, enquanto a certeza da mudança pairava no ar como um trovão silencioso.

“Peço que reconsidere, papai. Se quer me ver feliz, vocês vão mudar de ideia. Eu amo vocês.”

Lucila saiu, deixando o pai em silêncio. A porta do escritório fechou-se atrás dela, e finalmente ela soltou o ar que esteve retendo. Essa era a chance que tinha para lutar por ele, por esse sentimento que sobrevivia calado em seu âmago desde a infância.

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