AIYANASaímos antes do amanhecer. A neblina ainda beijava o asfalto quando o refúgio ficou para trás, engolido pela escuridão cinzenta da floresta. Três carros, mas com um mesmo destino: a aldeia dos Sámi. Ou, como os mais antigos ainda sussurram, os selvagens.— Nervosa? — ele perguntou sem tirar os olhos da estrada.Dei-lhe meu melhor olhar de cadela relaxada, mas tenho certeza que pareceu mais com um cachorro carente.— Você não está? — murmurei, encostando a cabeça no vidro gelado.No banco de trás, Alyssa cochilava, o garotinho dormia encolhido como um filhote.Max, Isabela, Birguit e o adolescente, Caleb, esse &eac
AIYANAA caminhada até a aldeia não foi longa, mas cada passo parecia mais difícil ignorar a sensação no meu peito. As árvores se tornavam mais densas, o ar mais frio, e não era só o clima. Era como se estivéssemos atravessando uma membrana invisível.Quando chegamos, percebi de imediato que não era como nenhuma aldeia que eu já tinha visto.As casas eram pequenas, feitas de madeira bruta e barro endurecido, mas tudo ali parecia... vivo. Amuletos de osso pendiam das portas. Tiras de couro trançado balançavam ao vento, adornadas com penas, pedras e dentes de animais. Cada detalhe tinha significado. As roupas dos Sámi não eram como as nossas, eles usavam túnicas compridas, tingidas de azul, vermelho, branco e amarelo. As bordas eram bordadas à mão com símbolos antigos que eu não reconhecia.Eles nos separaram. Fui trancada com minha avó, Max e Icarus em uma sala estreita, sem janelas. As paredes cheiravam a terra e fumaça. Eu tentei argumentar, explicar que estávamos ali em paz, mas eles
AIYANAO cheiro da carne assada misturava-se ao aroma forte e adocicado do charuto de Tuuri, preenchendo o interior da cabana com uma névoa que deixava o ar reconfortante.Sentados ao redor de uma velha mesa de madeira marcada pelo tempo, eu, Max, Icarus e vovó Aldrich dividíamos a refeição como velhos camaradas... ou, pelo menos, tentávamos.Tuuri nos observava do outro lado da fumaça, com aquele olhar brilhante e insano de quem sabia mais do que dizia. Se este lugar fosse uma versão do País das Maravilhas, Tuuri seria uma mistura caótica do Chapeleiro Maluco com a Lagarta. A diferença é que aqui ninguém oferecia chá. Enquanto mastigava um pedaço suculento de carne, notei Kamari, a segunda filha mais velha de Tuuri se movendo pelo pequeno espaço. Ela parecia mais deslizar do que andar, tão silenciosa quanto a fumaça que dançava acima da cabeça de Tuuri. Os cabelos negros dela desciam até a cintura como uma cascata escura, a pele morena brilhava, e os olhos, grandes e arredondados, p
AIYANAO cheiro de musgo queimado e ervas secas impregnava o ar dentro da tenda de Tuuri.O calor das brasas nos aquecia, mas não era suficiente para afastar o calafrio que corria pela minha espinha.— Vocês... são companheiros.Pisquei, esperando que ele estivesse se referindo a algo simbólico como aliados, sobreviventes, qualquer coisa. Mas quando vi os ombros tensos de Maxim e o jeito como Icarus desviou o olhar, soube que era aquilo mesmo.— Relaxem, filhotes — Tuuri continuou, com um sorriso enviesado. — Dá pra ver a corda puxando vocês pra ela...Ele apontou para mim com dois dedos pesados, como se aquilo fosse a coisa mais óbvia do mundo. E talvez fo
AIYANAO dia amanheceu em tons dourados e rosados, mas a tensão no ar parecia tingi-lo de algo mais sombrio. O grande evento da noite lançava uma sombra sobre cada olhar e gesto da minha prima e tia, elas estavam reluzentes e tentei ficar minimamente feliz por elas.A aldeia estava em alvoroço desde cedo. As amigas de Isabela entravam e saíam do pequeno quarto de madeira, carregando vestidos, bijuterias brilhantes e potes de unguentos perfumados. O cheiro adocicado de jasmim e baunilha impregnava o ar, tornando tudo ainda mais sufocante. Eu me encostei no batente da porta, observando minha prima sentada diante de um espelho rachado, sorrindo de forma presunçosa enquanto uma de suas amigas trançava seu cabelo negro e sedoso, que descia como um rio escuro até sua cintura. Cada movimento dela era preciso, ensaiado. Ela sempre soube como cativar a atenção de uma sala inteira, e hoje não seria diferente.— Você está especialmente pensativa hoje, Aiyana. — A voz de Isabela tinha um tom quas
AIYANAA sensação de calor no peito, aquele fogo incontrolável que dançava dentro de mim, ainda estava lá, como se a chama ancestral tivesse se enraizado em meu corpo. Mas o que antes parecia ser um privilégio agora só me trazia agonia.A cada passo que dava, sentia os olhares da alcateia pesando sobre mim, frios, duros, implacáveis. O desprezo estampado em seus rostos me cortava mais do que qualquer palavra. Eles me viam como uma intrusa, uma ameaça. Não pertencente a eles. E, se já não fosse suficiente, eu tinha que enfrentar o ódio de Isabela e a rejeição estampada no olhar de Maxim.Isabela se aproximou com um sorriso venenoso nos lábios, seus olhos brilhando com um ódio latente. Eu podia quase sentir a tensão pulsando no ar.— Você realmente acha que pode simplesmente ser a "escolhida", Aiyana? — disse ela, a voz baixa e cortante, quase como se quisesse me ferir com cada sílaba. — Sua mãe era uma bruxa, e agora você acha que a chama te escolheu por acaso? Não engula essa mentira.
AIYANAO amanhecer estava perto de chegar, mas eu já estava de volta à beira da floresta, caminhando devagar. Meu corpo cansado ainda sentia os efeitos da noite mal dormida, e minha mente estava um turbilhão. A caverna onde passei a noite, embora já fosse um lugar familiar para mim, não me trouxe a paz que eu procurava. Dormir na floresta já não era tão fácil quanto antes. As árvores começaram a clarear com os primeiros raios de sol, mas o ar ainda estava frio, e eu sentia meu corpo arrepiado, não só pela temperatura, mas também pela inquietação. Meu coração batia mais rápido a cada passo que dava em direção à aldeia. Eu não sabia o que iria enfrentar lá, mas sabia que não podia continuar fugindo. Eu precisava voltar.De repente, alguém me pegou pela cintura, puxando-me com força para fora da trilha. Antes que pudesse reagir, uma mão cobriu minha boca, abafando meu grito. Meu corpo entrou em pânico, mas não pude fazer mais nada além de tentar me soltar. Estava sendo arrastada, forçad
AIYANAUma batida suave na porta me acordou, e eu levantei a cabeça, atordoada e ainda com a sensação de que a noite inteira tinha sido uma luta. A batida se repetiu, mais firme desta vez.Já se passou um ano desde que a chama revelou que Maxim e eu somos companheiros destinados, e as coisas só pioraram. Isabela se tornou mais cruel a cada dia, e ela fazia questão de transformar cada minuto que eu passava perto dela em um inferno. Não havia um só momento em que ela não fizesse questão de esfregar na minha cara o quanto ela e Maxim estavam juntos e felizes, com toques constantes e beijos sempre visíveis ou quando ela o fazia dizer que a amava. Ele, por sua vez, me ignorava na maior parte das vezes, mas não fazia nada para impedir Isabela em seus ataques maldosos.Às vezes, eu sentia o olhar dele. Um olhar que parecia me atravessar, e por um breve momento, eu via algo ali. Mas era tão efêmero, tão pequeno, que logo desaparecia. Maxim continuava distante, implacável, como se eu fosse ins