3. O Próprio CEO Do Gelo
O sol está começando a nascer quando finalmente chego ao endereço que Lucas me enviou ontem.
Minhas pernas doem depois da caminhada, e meus pés… bem, tenho quase certeza de que estão cheios de calos.
Andei quase dois quilômetros para chegar até aqui. Porque, aparentemente, quem anda em carro de luxo acha desnecessário morar próximo de um ponto de ônibus ou metrô.
Toco a campainha, com o estômago revirando de nervosismo, e o portão abre sozinho. Assustador? Um pouco. Mas é chique também.
Caminho pela alameda de árvores que parece cenário de filme até a mansão aparecer.
— Oh, meu Deus… — murmuro, admirada. — Isso existe mesmo na vida real?
A mansão tem três andares, paredes de vidro, pedras caras e uma fonte de golfinhos de mármore na entrada.
Sim. Golfinhos. De mármore. Sigo em choque.
Uma mulher de uns cinquenta anos e um coque tão apertado que puxa o rosto inteiro, me espera na porta com uma postura tão reta que parece ter engolido um cabide.
— Você deve ser a Srta. Collins — ela diz, me olhando como quem avalia uma peça de leilão. — Sou a governanta, Sra. Mallory.
— Prazer em conhecer a senhora — respondo, esboçando um sorriso educado. — Pode me chamar de Ivy.
— Srta. Collins — ela repete, sem piscar. — Você é uma funcionária. Vamos manter o protocolo.
Ok. Começamos bem.
Ela se vira, fazendo um gesto para eu entrar. Atravessamos corredores tão longos que seria perfeitamente possível andar de bicicleta.
Passamos por uma sala maior que a casa onde cresci, outra com uma mesa absurda, e subimos as escadas de vidro até finalmente pararmos diante de um quarto no segundo andar.
Quarto, claro, é apelido. É praticamente uma suíte de hotel cinco estrelas: cama gigante, janelas enormes com vista para o jardim dos golfinhos… surreal.
— Regras de convivência — a Sra. Mallory diz, me entregando um tablet. — Leia, compreenda e assine.
Desbloqueio o tablet… e, enquanto leio, meus olhos vão abrindo, abrindo, até quase saltarem.
Lucas Sinclair não é um chefe. É um ditador de terno.
— Não atender ligações pessoais? Não sair do quarto depois das 22h? — murmuro, incrédula. — Isso aqui é uma casa ou um campo de concentração cinco estrelas?
A Sra. Mallory me olha como se eu fosse uma barata que resolveu aprender a falar. Só falta pegar um chinelo.
— A maioria das babás achou que era brincadeira. Todas saíram chorando, algumas correndo. Uma até se mudou de país — a governanta diz, completamente séria. — Então, se quer um conselho, não se apegue demais. A nada. No fim, ninguém fica.
E ela sai, fechando a porta como se estivesse selando meu destino.
Jogo a mala na cama, vou até o closet e encontro seis conjuntos idênticos de uniforme. Todos com a mesma vibe de comissária de bordo dos anos 50.
— E lá vamos nós — murmuro, vestindo a saia cinza e a blusa branca.
Assim que termino, saio do quarto. Primeira missão do dia: resgatar meu Homem-Aranha.
Sim, porque ontem, quando tentei pegar de volta, Oliver fez um escândalo tão grande que Lucas, o próprio CEO do gelo, quase implorou para eu deixar o boneco com a criança até hoje.
Desço as escadas no exato momento em que ouço Lucas se despedir da governanta, pedindo que ela avise caso a babá número 28 desista e saia chorando.
— Nossa… nem boas-vindas ele dá — sussurro, incomodada com zero esforço dele para parecer minimamente educado.
Balanço a cabeça, ignoro o detalhe e sigo a voz de Oliver até a sala de brinquedos.
Finalmente encontro o menino sentado no chão, tentando lançar um foguete que claramente foi projetado por alguém que não gosta de crianças. Ou de paredes intactas.
— Parada aí! — ele grita quando me vê. — Garotas não podem entrar aqui!
— É mesmo? — digo, me abaixando. — Então não vou mais te deixar brincar com o meu boneco.
— Tá bom, você pode ficar.
— Obrigada, pequeno astronauta — respondo, me levantando. — Agora… onde está meu Homem-Aranha?
Ele se levanta e me leva até uma prateleira cheia de heróis. O meu está lá, coitado, com a teia enrolada na cabeça e um dos olhos pintado de prata.
— Eu melhorei ele pra você — Oliver anuncia, orgulhoso. — Agora ele é o Homem-Aranha Ciborgue!
Engulo seco. Minha lembrança virou um projeto experimental. Mas pelo menos está… inteiro.
— Ficou ótimo — minto descaradamente. — A teia ainda funciona?
— Claro! Quer ver eu lançar no teto?
— Na verdade, eu pref…
Oliver aperta o botão sem esperar minha resposta.
A teia voa, gruda no lustre de cristal e ele puxa o boneco tão forte que o negócio balança como se estivesse prestes a cair sobre nossas cabeças.
— Oliver!
— Foi sem querer querendo!
E assim começa o nosso dia caótico.
Oliver testa minha paciência de todas as formas possíveis, mas é na hora do banho que quase desisto.
Passo quase uma hora negociando com ele, porque “astronautas não tomam banho no espaço”.
Ele só entra no chuveiro quando falo, muito profissionalmente, que a NASA não aceita crianças fedidas.
Finalmente, às 20h30, chega a hora da historinha. Mas, claro, Oliver não facilita e pede uma história sobre buracos negros.
Acabo inventando um buraco negro que engole crianças que não dormem. Milagrosamente, funciona, e ele finalmente apaga como um anjo.
Se fosse um, claro.
— Obrigada, Deus… — sussurro, cobrindo o pequeno.
Praticamente deslizo para fora da cama, apago a luz e o teto cheio de estrelinhas fluorescentes brilha como num planetário particular.
Saio de fininho e praticamente corro para o meu quarto. Vou direto para o banheiro, tomo um banho rápido e desabo na cama, morta.
Mas é claro que dormir com o estômago vazio é pedir para sofrer, e às 23h acordo com a barriga roncando alto.
— Por que eu não guardei um biscoitinho do Oliver? — murmuro, encarando o teto. — Que fome…
Respiro fundo, me levanto e ignoro a voz da minha consciência lembrando da regra número 12. Minha barriga não está nem aí.
Certamente todos já estão dormindo, duvido que alguém note que escapei da minha cela. Ops… do meu quarto.
Desço as escadas na ponta dos pés, só de shortinho de pijama e camiseta larga, tentando lembrar onde fica a cozinha neste labirinto de gente rica.
Depois de três portas erradas, finalmente encontro o cômodo digno do MasterChef. Vou direto para a geladeira, pego o leite, fecho e, quando me viro…
Bato com tudo em um peitoral duro, definido e quente.
Lucas.
Perco o equilíbrio, mas antes de eu me espatifar no chão, as mãos dele seguram minha cintura. E é aí que percebo que ele está sem camisa.
A pele dele ainda está úmida, os músculos firmes sob meus dedos. E aqueles olhos verdes me encaram de um jeito que faz a fome sumir na hora.
— Srta. Collins — ele diz, com a voz rouca e perigosa. — Acabou de quebrar a regra número 12.