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maldição hereditária?

Capítulo 4

Fênix Souza

O dia havia transcorrido de forma tranquila, quase serena, desde que os intrusos foram embora. Aproveitei a calmaria para ir até a horta com meus lobos, Toby e Mimi. A terra ainda estava macia por causa da chuva da noite anterior, o que facilitou meu trabalho de plantar mais alguns pés de tomate e pimentão. Já conhecia bem o ciclo de cultivo, cada intervalo de rega, cada cuidado necessário, então não precisei me demorar muito. Ainda assim, aquela rotina simples me trazia uma paz que poucas coisas no mundo eram capazes de proporcionar.

Quando terminei, o céu já se pintava com tons de laranja e púrpura, anunciando o entardecer. O canto distante de um sabiá ecoava entre as árvores, enquanto o ar começava a ganhar o frescor característico da noite. Decidi que era hora de tomar um banho e trocar de roupa.

A água quente escorria sobre minha pele, relaxando meus músculos e lavando o suor e o pó da horta. Fechei os olhos, inspirando o aroma suave do sabonete de ervas que eu mesma fazia. Ao sair, vesti uma túnica confortável de algodão e prendi os cabelos ainda úmidos em uma trança frouxa.

Na cozinha, coloquei a chaleira sobre o fogo para preparar um chá calmante de camomila e melissa. Toby e Mimi dormiam ao lado da lareira, enroscados um no outro, com as orelhas relaxadas e o peito subindo e descendo em um ritmo tranquilo. O silêncio do templo era quase palpável, cortado apenas pelo crepitar suave das chamas.

Levei minha xícara até a varanda e me sentei em uma cadeira de madeira, observando o céu noturno que agora se abria sobre mim. A escuridão era pontilhada por estrelas brilhantes, e a lua, ainda em sua fase crescente, iluminava de leve a floresta ao redor. Inspirei profundamente, sentindo-me grata por aquele instante de paz.

Ou pelo menos foi o que pensei que teria…

Mal havia dado o primeiro gole no chá quando Toby ergueu as orelhas e, em seguida, se levantou de um salto, emitindo um uivo longo e grave. Mimi o acompanhou, posicionando-se ao meu lado com o pelo eriçado.

— AUUUUUUUUU! — AUUUUUUUUU! — ecoaram em uníssono.

— O que houve, Toby? E você, Mimi? — perguntei, já me pondo de pé.

Toby rosnou baixo e, em minha mente, ouvi sua resposta — privilégio do meu dom de comunicação com animais:

— Tem alguém vindo.

Foi nesse momento que senti. Uma energia densa e pesada cortava o ar, como se as sombras da floresta se tornassem mais escuras. Não era a presença de um simples animal selvagem — era algo diferente… mais antigo… e muito mais perigoso.

Meu coração acelerou. Segurei firme a xícara por um instante, mas logo a deixei sobre a mesa. Minhas mãos começaram a formigar com a energia que se acumulava, preparada para ser usada se fosse necessário.

— Toby, Mimi, atrás de mim — ordenei, firme, adotando a postura de combate.

O som veio primeiro: passos pesados sobre a terra úmida, acompanhados de uma respiração forte, quase ofegante. Então, de dentro da escuridão, emergiu uma criatura imensa. Seu pelo era negro como a noite, os dentes longos e afiados refletiam a luz da lua, e seus olhos verdes brilhavam com uma intensidade quase hipnótica.

O rosnado que ecoou de sua garganta fez o ar ao meu redor vibrar. Mas, ao encarar aqueles olhos, percebi algo que me fez hesitar: havia dor ali. Uma dor profunda, que nada tinha a ver com fome ou agressividade.

A transformação o estava machucando.

Recordei-me de textos antigos que havia lido sobre maldições, e a ficha caiu. Aquela não era apenas uma besta selvagem — era alguém preso em um corpo amaldiçoado.

Abaixei lentamente as mãos, adotando um tom de voz calmo:

— Você não é uma besta… não é?

Ele cessou o rosnado por um instante, me observando com um olhar quase humano. Sua expressão misturava confusão, medo e… esperança.

— Senta, amigo. Calma… vai ficar tudo bem. Agora, me dê a pata — pedi, estendendo minha mão.

Houve um segundo de tensão. Ele soltou um rosnado baixo, mas, surpreendentemente, estendeu a pata enorme até mim. Segurei-a com cuidado e sorri.

— Eu sei… você não é um cachorro, mas é um bom menino — brinquei, tentando aliviar a tensão.

Ele desviou o focinho, como se estivesse envergonhado. Então, concentrei meu poder. Uma energia dourada começou a emanar das minhas mãos, envolvendo sua pata e percorrendo todo o corpo dele. Esse tipo de magia sempre acalmava quem a recebia, e comigo não foi diferente.

O rosnado cessou. Sua respiração desacelerou. Aos poucos, ele se sentou ao meu lado, como se reconhecesse que não representávamos ameaça.

— Você é uma criatura incrível… e eu vou ajudá-lo — prometi.

Ele ergueu o focinho e soltou um uivo longo. Para qualquer outra pessoa, teria sido apenas um som animalesco. Mas para mim, as palavras eram claras: Minha família foi amaldiçoada. Passa de pai para filho.

Fechei os olhos por um instante, processando o que ouvia. Ele me contou sobre seu bisavô, que havia se apaixonado por uma bruxa e, mais tarde, a traiu. Como vingança, ela o amaldiçoou, e a sentença se estendeu por gerações: em cada lua cheia, todos se transformariam em bestas até a sétima geração.

— E ela… nunca disse o que queria em troca? — perguntei.

— Nunca. Apenas declarou que sofreríamos como ela sofreu.

A tristeza em seus olhos me atravessou. Eu sabia que quebrar uma maldição dessas exigiria muito mais do que simples magia.

— Eu não sei se posso quebrá-la… mas vou tentar — afirmei, decidida.

Um brilho de surpresa surgiu em seu olhar. Talvez ele não estivesse acostumado com promessas de ajuda.

— Nós vamos encontrar um jeito. Juntos.

Mais tarde, já deitada, meus pensamentos ainda giravam em torno daquela criatura. Quem era ele antes de tudo isso? Teria família? Amigos? Ou estaria condenado à solidão? Toby e Mimi dormiam próximos à porta, mas percebi, pelo movimento de suas orelhas, que continuavam alertas.

Foi então que ouvi um leve arranhar na janela. Levantei-me devagar e, ao abri-la, encontrei o par de olhos verdes fitando-me na escuridão. Ele segurava algo na boca: um pedaço de papel amarrotado.

Peguei-o, e percebi que havia um desenho de uma planta rara, de folhas alongadas e flores douradas.

— O que é isso? — perguntei, mas ele já recuava, desaparecendo entre as sombras da floresta.

Fiquei ali, com o papel na mão, sentindo que aquela planta poderia ser uma pista. Talvez estivesse diretamente ligada à maldição.

Quando finalmente adormeci, sonhei com uma floresta densa. Caminhava entre árvores altas, até chegar a um jardim oculto. No centro, havia a planta do desenho, irradiando uma luz suave. Ao tocá-la, ouvi um rugido atrás de mim e, ao me virar, vi a besta… mas, diante dos meus olhos, ela se transformava em um homem. Seu rosto me era estranhamente familiar, e senti um arrepio percorrer minha espinha.

Acordei antes de poder falar com ele, com a sensação de que aquilo não fora apenas um sonho — fora um chamado.

Agora, enquanto escrevo estas linhas, só consigo pensar: devo seguir essa pista e encontrar a planta… ou ignorar tudo e tentar manter a paz que tenho?

No fundo, acho que já sei a resposta.

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