Capítulo 3
Fênix Souza
Quando terminei a limpeza do templo, respirei fundo e olhei em volta, satisfeita. O chão de pedra brilhava, as paredes estavam livres de poeira e o aroma suave das ervas queimadas no incensário se espalhava pelo ar. Mas meu trabalho ainda não tinha acabado.
Antes de ir para a cozinha, passei pela horta para buscar os legumes que usaria na sopa do dia. O sol da manhã iluminava as folhas verdejantes, e o orvalho ainda escorria lentamente, como pequenas pérolas. Meus lobos, sempre atentos, rondavam a área. Eles mantinham os olhos fixos na direção onde os intrusos trabalhavam, prontos para agir caso algum deles tentasse algo imprudente.
Ajoelhei-me para colher tomates firmes e vermelhos, cortei algumas folhas frescas de alface, repolho e couve. Peguei também salsa, cebolinha, cebolas e dentes de alho. Cada vegetal tinha um perfume único, e enquanto os colocava na cesta, sentia um orgulho silencioso por cultivar tudo aquilo com minhas próprias mãos.
Ao voltar para a cozinha, lavei os ingredientes com cuidado, a água fria escorrendo pelos meus dedos. Peguei uma faca afiada e comecei a cortá-los, cada som do corte se misturando ao estalar distante da lenha que eu ainda colocaria no fogo. Coloquei tudo em um tacho grande, adicionei água, sal e temperos em conserva. Depois, posicionei algumas lenhas na fogueira sob o tacho e acendi as chamas com um simples gesto das mãos — a magia do fogo sempre me obedeceu como uma velha amiga.
O cheiro começou a se espalhar pelo templo, quente e convidativo. Uma hora depois, a sopa estava no ponto perfeito. Enchi três tigelas generosas e, para reforçar, peguei pedaços suculentos de carne de javali assada do dia anterior, servindo-os em pratos separados. Os lenhadores deviam estar famintos, e mesmo que não merecessem minha confiança, a fome não deixa de ser uma necessidade humana.
Quando cheguei até eles, os três pararam de trabalhar, surpresos com minha aproximação. Endireitei a postura e falei de forma séria:
— Muito bem, assim que eu gosto. Agora venham almoçar.
Coloquei os pratos sobre os degraus de pedra do templo. Eles se entreolharam antes de se aproximar com passos lentos, quase desconfiados, mas o aroma da comida parecia quebrar parte daquela resistência. Sentaram-se, pegaram as colheres e começaram a comer a sopa ainda fumegante. Vi seus ombros relaxarem à medida que o sabor lhes enchia a boca.
— Obrigado, Sacerdotisa — disse um deles, ainda mastigando. — Está deliciosa.
Assenti, mantendo minha expressão firme.
— Fico feliz que estejam gostando. Comam e descansem. Ainda têm trabalho pela frente.
Eles obedeceram, beberam água e, depois, se deitaram sob o alpendre. Meus lobos, atentos, continuaram vigiando de longe. Deixei-os descansar — não sou desalmada — e voltei à cozinha para guardar as vasilhas. Sentei-me para tomar minha própria sopa e não pude deixar de sorrir. Eles tinham razão: estava realmente muito boa. O frescor dos legumes e o equilíbrio dos temperos aqueciam não só o corpo, mas também o espírito.
Enquanto comia, deixei meus pensamentos vaguearem. A vida de sacerdotisa era solitária, mas não me pesava. A paz do templo, o som das folhas ao vento e a presença silenciosa dos meus lobos eram a minha verdadeira família.
A tarde avançou, e os lenhadores, depois de descansarem, retomaram o serviço até concluírem a limpeza. Então me aproximei deles.
— Bom, já terminaram. Podem voltar para suas casas. Suas famílias devem estar preocupadas.
Eles se entreolharam e sorriram, aliviados.
— Obrigado, Sacerdotisa. Não vamos esquecer sua bondade.
— Vão em paz — respondi. — E lembrem-se: respeitem o templo e seus guardiões.
Fiquei observando enquanto se afastavam pela trilha, até que sumiram entre as árvores. Respirei fundo. Havia algo de gratificante em ver que, mesmo depois de um castigo, ainda era possível oferecer compaixão.
Akira Muniz
O canto dos pássaros foi o que me despertou. A luz dourada do sol atravessava a janela, espalhando-se pelo quarto do meu chalé. Espreguicei-me lentamente, ainda sentindo o aconchego dos lençóis. Levantei-me, fiz minhas necessidades e tomei um banho quente, deixando a água relaxar cada músculo.
Já imaginava que Klaus e a esposa estivessem preparando meu café da manhã, e provavelmente meu cavalo já estaria selado. Cavalgar logo cedo até o lago era um dos meus prazeres — a brisa da manhã sempre trazia uma sensação de liberdade que nenhuma reunião de negócios podia oferecer.
Vestido e pronto, desci até a cozinha. Antes de entrar, porém, ouvi vozes alteradas. Klaus estava discutindo com dois homens. Reconheci-os como lenhadores locais.
— Onde vocês estavam? — a voz de Klaus soava irritada. — E a lenha que pedi?
— Não foi nossa culpa, senhor! — disse um deles, apavorado. — A Sacerdotisa do Fogo nos pegou.
— O quê? — Klaus parecia chocado. — O que fizeram para a Deusa do Fogo?
— O senhor a conhece? — perguntou o mais jovem.
— Claro que sim! — respondeu Klaus com firmeza. — Ela é a guardiã do templo sagrado. Curou uma dor terrível que eu tinha nas costas. Eu a reverencio como uma deusa.
— Um de nós tentou... — o lenhador hesitou — se aproveitar dela.
— Vocês ficaram loucos?! — Klaus quase perdeu a voz. — Ela não é mulher para ser desrespeitada.
— Ela já nos castigou... — murmurou o outro, como se reviver a cena fosse doloroso.
— Castigou como? — Klaus franziu o cenho.
— Bateu na gente com um cabo de vassoura, deu cinco chutes nas partes do José e ainda disse que ia cortar fora e fazer uma gemada pra gente comer! — relatou o mais velho, empalidecendo. — Depois botou a gente pra capinar o terreno do templo e deixou os lobos vigiando.
Eu permanecia na porta, em silêncio, absorvendo cada palavra. Aquela descrição não combinava totalmente com a imagem que eu tinha de uma sacerdotisa. Ela parecia ser uma mistura de justiça implacável com... um senso peculiar de humor cruel.
— Mas... depois — continuou o lenhador, — ela trouxe sopa de legumes e carne assada. Deixou a gente descansar no alpendre, e no fim até desejou que voltássemos em paz.
Aquilo me deixou intrigado. Quem era essa mulher que podia, no mesmo dia, aplicar um castigo severo e depois oferecer comida e abrigo? Uma figura assim não se encaixava nas categorias simples que eu conhecia.
Naquele instante, tomei uma decisão silenciosa: eu precisava conhecer a Sacerdotisa do Fogo pessoalmente.