A casa da minha tia Lurdes não tinha cheiro de lar. Tinha cheiro de fritura velha, mofo e raiva guardada. Era como entrar num lugar que te odeia antes mesmo de te ver.Depois do velório, com a casa que era nossa sendo vendida às pressas para pagar dívidas, foi ela quem “nos acolheu”. Pelo menos era assim que os vizinhos comentavam — “a Lurdes é dura, mas tem bom coração”. Mentira! Se ela tinha algum coração, tava escondido num buraco escuro demais para qualquer alma achar.O quarto que ela nos deu era minúsculo, abafado, com um colchão velho jogado no chão e uma janela que não abria. Minha mãe, que já não dizia muita coisa, ficava ali deitada quase o dia inteiro, encarando o teto, murmurando nomes que eu nunca reconheci. Às vezes, sorria sozinha. Outras, chorava baixinho. E eu só podia olhar, impotente.— Mulher fraca — dizia Lurdes. — Vive num mundo que já acabou, faz tempo.Enquanto isso, eu... Virava adulto à força. Sem aviso, sem escolha. Só me restava obedecer.Acordava ant
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