Nico não tomou o chá, como esperado, embora Mercstzine quase tenha perdido a paciência duas vezes e feito ele engolir à força com xícara e tudo. Ela foi piedosa, mas o obrigou a ficar na sua tenda enquanto fazia uma limpeza em várias partes da estalagem. Não se passara muito tempo desde a última vez, mas montes de teias de aranha surgiam de um dia para o outro, acompanhadas de um pó acinzentado que se acumulava sobre os antigos móveis da família, que exibiam um leve ar suntuoso em meio àquele cenário humilde.
Apesar do cheiro deliciosamente chamativo, o caldo de Mercstzine não dava sinais de que faria uma boa venda naquela manhã, porém até o meio-dia e o fim da paciência de Nico, o fundo da panela foi ficando visível sem muito esforço e uma bolsinha ganhou o peso de algumas moedas. O pouco que era muito quando se tinha quase nada.
Nico retornou à estalagem e encontrou Mercstzine na cozinha. Terminara a limpeza e colocava uma panela sobre o fogo enquanto falava consigo mesma.
— Só pode estar louco. Perdeu os olhos e agora a cabeça...
Se ficou surpresa ao notar que Nico escutara, não demonstrou. Virou-se para ele com o olhar sereno e perguntou com uma voz contida:
— Como foi?
Nico pôs a panela vazia sobre a mesa.
— Alison Anders causou problemas de novo, mas...— tirou a bolsinha que estava presa em seu cinto e jogou para Mercstzine, que a aparou no ar— eu diria que não foi tão ruim.
— Eu diria o mesmo— ela sorriu.
Monotonia foi o sinônimo do resto do dia. O vento ficou estagnado e permitiu que a copa das árvores fizessem o mesmo. O contrário ocorria com as nuvens, que pareciam indecisas entre se unirem e caírem em forma de chuva sobre o solo de Ertiron ou se deveriam continuar o seu misterioso curso no imenso oceano deslumbrante do céu.
Nico sentia-se muito melhor em relação ao corpo, mas sua mente começava a trazer a noite anterior aos seus olhos, como se fossem fantasmas sombrios que insistiam em persegui-lo. Vozes agarravam-se aos seus ouvidos e ecoavam sussurros de gritos da noite anterior, a plateia da Arena comemorava sua derrota. Rostos distorcidos lentamente se tornavam pinturas a serem colocadas nas paredes da sua memória.
O mais atormentador, porém, entre as estranhas faces que surgiam era reconhecer o rosto de uma pessoa. Nico vira nitidamente Johen sorrindo para ele, o mesmo sorriso torto de desdém que sempre tivera. Essa única pintura estava terminada, começava a tormenta.
— Evite ficar pensando nessas coisas— Mercstzine o pegou distraído durante o almoço.— Apenas aproveite a minha comida.
— Sim, senhora— ele sorriu. O dia pareceu ficar bem melhor após isso.
Quando terminaram e lavaram a louça, Mercstzine recolheu-se em seu quarto para ter seu tão merecido descanso e Nico ficou solitário na espaçosa sala de estar, olhava pela milésima vez os vários retratos da família Mercstzine.
Era espantador como sempre conseguiam causar um tipo diferente de estranhamento. Alguns olhares estreitos davam a impressão de que não o queriam ali. Outros, cujos olhos estavam quase saltando das órbitas, pareciam demonstrar surpresa por ainda o verem ali. Os Mercstzine podiam ter lábios grossos ou finos, serem pálidos como cadáveres ou vermelhos como carvão em brasa, porém existia um traço comum em todos que também se notava na atual dona da estalagem: as bochechas protuberantes.
— Bochechudos— disse, fazendo as várias feições se tornarem mais ameaçadoras. Só que apenas em sua mente... ou talvez não.
O tempo caminhava com passos de formigas preguiçosas. Nico desejava uma lupa e um pouco de sol naquela tarde maçante para fazê-lo andar mais depressa. Queria que o próximo dia viesse sem demora, que fosse embora tão rápido quanto tivesse chegado e os seguintes mantivessem o mesmo ritmo até formar uma nova semana. Ele esperava retornar à Arena e mostrar a todos que podia derrotar Abnor, sabia que conseguiria se tivesse mais uma chance. Era mais tentador ficar pensando nisso do que na sua última derrota.
O Lustre de Ferro ainda balançava sobre sua cabeça, podia ver, mas ao mesmo tempo a noção de que estava imóvel vivia. Era seu corpo que estava girando com um abraço apertado, roubando-lhe o ar. Estava sem peso, voava antes de cair em um sonho macio. Decidiu que essa sensação de ser abatido por Abnor morreria para sempre, não mais seria repetida.
Quando cansou de ficar imaginando como as sobrancelhas do senhor Alho Mercstzine cresceram de forma tão peculiar, Nico decidiu subir para o seu quarto, sentir as velhas escadas rangerem sob seus pés descalços não foi algo agradável.
Um ronco baixo o recebeu quando abriu a porta. O aposento estava escuro, as cortinas cobriam as janelas e as teias de aranha que pendiam do teto se moviam lentamente com o passar de um vento suave. Mercstzine não passara pelo quarto, pois Endrick dormia. Ele estava ao chão sobre os cobertores de um lado da cama, não se levantara desde que se despedira na cozinha. Nico sentiu-se um pouco tolo por não ter seguido o exemplo, talvez dormir realmente fosse o melhor.
Fechou a porta atrás de si sem muita pressa, o habitual ranger quase inaudível. Ignorando a poeira que se agarrava aos seus pés, andou até o lado oposto em que Endrick dormia e deitou-se silenciosamente sobre seus cobertores que também estavam ao chão. Era o que Mercstzine chamava de “A mais completa asneira!”. Os dois dormiam ao chão para não dividirem a cama estreita ou alugarem outro quarto. Claro que um deles poderia ficar com a cama, contudo discordavam. Sempre diziam “Meu conforto não é mais valioso que o dele”. Mercstzine sempre respondia “Asnos!”. Lembrar dessas palavras trouxe um sorriso.
Olhou para o teto e suas teias que balançavam com cadência lenta e indefinida. Pensou mais uma vez no sonho de Tarci, sobre a razão de ir a Elisesile sozinho e retornar apenas à noite. Sonhos mostravam-lhe visões de coisas misteriosas, fragmentos do passado ou do futuro, raramente interpretados de forma correta ou que faça sentido.
Tarci era considerado louco pelos habitantes de Ellefen. Nico tinha o mesmo pensamento até bem recentemente, dois meses atrás, quando começou a morar na Casa Mercstzine. Contudo, mudou de ideia após histórias contadas por Mercstzine e uma breve demonstração:
— Ei, garoto— chamara Tarci.— Ele vai estar com o ombro ferido, o direito, eu acho...
— Ah, obrigado— respondera, franzindo a testa sem entender.
Nico teria sua primeira luta na Arena. E sim, o oponente estava com o ombro direito machucado. Foi uma informação bastante útil para sua primeira vitória em Cinstrice. Desde então, Tarci não teve mais visões. Nico estava ansioso para ir a Elisesile e ver o que poderia descobrir. Cruzou os braços e permaneceu olhando para cima, acordaria Endrick quando visse a noite se aproximar.
Uma voz rompeu o silêncio do quarto.
— Não pega fogo de novo— resmungou Endrick.
— Como é?— Perguntou Nico, olhando por debaixo da cama.
Escutou-se algo indistinto e Endrick virou-se para a parede, roncando. Não era raro que falasse enquanto dormia, Nico acostumara-se após algumas semanas. Às vezes, acontecia uma breve conversa, da qual Endrick dizia não se lembrar quando acordava e tampouco acreditava que falava dormindo.
—O que mesmo não deve pegar fogo, Vanmorrênio?— Nico fitou o teto novamente, com um sorrisinho.
Permaneceu calado enquanto esperava uma resposta, que talvez viesse acompanhada de um tapa. A única coisa que veio foi o sono que o derrotou sem se revelar como oponente e aparentemente foi embora batendo a porta com força para que o acordasse. Nico imediatamente olhou para o outro lado da cama e se colocou de pé quando percebeu que era Endrick quem acabara de sair.
Realmente não esperava ter adormecido, sua noção de tempo estava confusa, não sabia se horas ou minutos haviam se passado. Sentia-se tonto por se levantar muito rápido. Apesar do frio, suor escorria por sua testa. Nico enxugou o rosto e caminhou até a janela, afastando a cortina para olhar pela vidraça. A tarde se encerrava, o céu estava escuro e sem crepúsculo, devido às nuvens que se uniram afinal.
Sem perder mais um segundo, pegou uma capa e saiu correndo do quarto, descendo as escadas três degraus por vez até a porta. Encontrou Endrick com a carroça pronta, as mãos nas rédeas, quase saindo.
— Você não estava dormindo?— Perguntou ele.
— Eu acho que sim.
— Você quer ir?
— Ele disse para nós dois irmos.
— Você pode ficar se quiser.
— Eu posso?
Endrick deu de ombros.
— Você quer que eu vá?
— A menos que você queira ficar.
— Mas eu quero ir— disse Nico, subindo e encerrando o assunto.
A cidade de Elisesile ficava ao leste de Ellefen, não muito distante. Umas poucas árvores margeavam o caminho, a vegetação rasteira era parca e as colinas davam impressão de esconderem algo que seria revelado quando a noite deixasse para trás suas primeiras horas. O pio de uma coruja lembrou Nico de que outros animais observavam nas sombras.
A estrada que percorriam costumava estar movimentada a essa hora do dia com o retorno dos mercadores de Ellefen e de outros vilarejos da região. Estranhamente, isso não acontecia.
— Voltaram mais cedo por causa do tempo— disse Endrick, quando Nico perguntou.
O sol se pôs sem ser visto. Felizmente, Endrick não esquecera o lampião dessa vez. As árvores se apresentavam na forma de silhuetas tortas e perdidas em meio a uma delicada cortina de névoa. O vento soprava, parecia vir de longe, das Montanhas Farynan ao norte de Ertiron.
O atrito das rodas da carroça com o chão era o único som que os acompanhava na estrada, sendo cortado poucas vezes por pios de corujas e zumbidos de insetos. Nico olhava para o céu e sentia a falta das estrelas. Costumava admirá-las e diferenciar as diversas constelações. Em noites como essa, ele desejava estar sobre as nuvens, para poder ver a beleza que escondiam.
Um galope acelerado quebrou a ordem dos ruídos que os cercavam. Alguém vinha de longe e se aproximava rápido. O barulho ficava cada vez mais intenso e quando Nico resolveu olhar, tudo que viu foi um borrão veloz passar ao lado deles na direção oposta.
— Isso foi um cavalo?
— Sim— respondeu Endrick.
— Quem correria com tanta pressa
— Ninguém. A sela estava vazia.
— O que você acha que aconteceu? Bandidos?
Endrick suspirou.
— Eu não sei, mas posso ver as luzes de Elisesile, logo estaremos retornando. Esperemos não ter mais nenhuma surpresa.
O cobertor do silêncio foi posto novamente, apenas trovões distantes passaram a ser ouvidos. A neblina se abria aos seus olhos à medida que avançavam. Um lampejo repentino fez da noite um dia por uma fração de segundo, deixando visível a figura de um homem que caminhava na direção deles. Uma faixa escura estava amarrada em volta da sua cabeça, cobrindo os olhos.
Os dois permaneceram em silêncio e quando a carroça se aproximou o suficiente, o homem, com uma voz embriagada, disse:
— Eu conheço essa carruagem.
— E nós conhecemos esse andarilho solitário— disse Nico.
— Como está, Tarci?— Perguntou Endrick.
— Estou andando, qual de nós é cego?
O odor inconfundível de cerveja deixou Nico enjoado.
— Eu acho que ele encheu a cara.
— Eu acho que ele foi além disso— disse Endrick, quando Tarci tropeçou no próprio pé.
As rédeas foram parar nas mãos de Nico e o trajeto de volta a Ellefen se iniciou em um ritmo mais acelerado. Tarci não dissera uma palavra desde que montara na parte de trás da carroça, dando as costas para ambos. Apesar da curiosidade, Nico concordou com Endrick em ficar calado até chegar à estalagem, no entanto...
— Você gostaria de brincar um pouco, Endrick?
— Às vezes esqueço que você não teve infância— foi a resposta.
— Vamos brincar de adivinhar a razão que levou Tarci a Elisesile e o porquê de irmos buscá-lo antes do anoitecer?
— Não é o momento, rapaz.
— Esse é o momento. Eu vim com você, não foi?
— Eu disse para você ficar se quisesse— Endrick deu de ombros.— Deixa de ser chato.
— Mas ele disse para nós dois irmos.
— Eu disse apenas Endrick— Tarci enfim se pronunciou.
Nico resmungou.
— Acho melhor conversar com quem passa seus recados.
— E eu disse ao anoitecer.
— A noite chegou um pouco mais cedo. Como você sabe que já é noite, afinal?
— A noite sempre conhece seu tempo, Nico— disse Tarci.— Por que eu não conheceria também?
— Claro que conhece, mas qual o motivo de ser ao anoitecer? Não poderia ser às sete horas ou oito, é tudo noite.
— Duas razões— o vidente apontou o dedo para o céu— eu precisava de tempo e a outra...
Um relâmpago revelou a eles a silhueta assustadora das nuvens tempestuosas que estavam acima, o trovão estrondando com força como uma montanha de encontro a outra.
— Vocês podem ver. É melhor nos apressarmos. O céu está quase desabando.
— Claro— disse Nico.— Você explicou sua pressa ou a falta dela, agora só precisa dizer o que o levou a Elisesile.
— Esse mesmo caminho.
— Seu humor melhora bastante quando fica bêbado. Então, Endrick, vamos brincar?
Endrick revirou os olhos, grato por Mercstzine não estar ali.
— Vamos— disse Tarci.— Mas vai ser de algo novo, vamos brincar de calar a boca até chegar em casa! O próximo que falar vai cair da carruagem.
Ninguém ousou abrir a boca para descobrir se a ameaça era verdadeira. Até chegar à estalagem, escutou-se apenas os sussurros inquietos do vento gélido e as graves vozes das nuvens, que pareciam retumbar por todo o reino.
A chuva começou a cair no instante em que todos se reuniram à mesa de jantar. Mercstzine recebeu Tarci com um tapa na cabeça e comentou sobre a sorte dos três não serem pegos pela nuvem que caía, mas disse que teriam o seu magnífico chá para ajudar no caso de um indesejado resfriado, informação que os obrigou a torcer o nariz.A lenha crepitava na lareira em uníssono com as gotas de chuva que açoitavam a estalagem. Mercstzine fizera uma sopa de legumes para ajudar a espantar o frio, algo que fez Nico agradecer, apenas seus pés reclamavam da ausência de calor. Endrick se enganara ao pensar que tinha um par extra de botas, e os pés de Tarci eram menores do que os de Nico, a única solução foi continuar descalço.Endrick apoiava o queixo em suas mãos e os cotovelos na mesa. Ondeava a sopa com o talher de forma distraída, sequer cogitava tomar um pouco. Seus pensamentos estavam distantes, além do mar, porém permanecia ciente de tudo ao redor. Nico não o vi
Não foi dita uma única palavra desde que se sentara. Apenas suspiros de descontentamento e o incessante som de pena riscando papel circulavam o amplo aposento, que possuía a inconfundível essência das ervas-séias de Ciusimur. Os olhos verdes e incisivos de um grande gato preto a encaravam, sacolejava a cauda de forma lenta deitado sobre uma caminha almofadada de veludo azul. Se bem escutara, chamava-se Calaithto. Nome do primeiro Eldenzor que se sentara no trono de Wendevel há quinhentos anos.Uma simples forma de homenagear a família real, até o mais tolo poderia ver, entretanto olhares diferentes poderiam ver o ato como um insulto. Ela não dava importância a isso, Calaithto era um nome bonito para um belo felino.O gato deu uma piscadela, como se apreciasse seus pensamentos.Millena nunca estivera no Palácio Lirnansio do lorde Syafer de Lirnans, mas a sua
Ela estava atrasada. Não imagine isso como algo digno de surpresa, era corriqueiro para ser sincero. Mesmo se adiantando, o atraso era inerente a sua rotina. O piso do salão do refeitório estava engordurado próximo à mesa de onde encontraram as crianças. Ela não saberia dizer se os restos de comida no chão pertenciam a um porco ou a um frango, nem perdeu tempo pensando nisso. As crianças acenaram ao vê-la, quanta audácia de agirem naturalmente após terem feito o que fizeram. Mesmo irritada, ela retribuiu e sorriu das bochechas lambuzadas de molho vermelho, esperava que não saísse com facilidade.— Aí estão seus alunos, senhor Armoni— virou-se para o Mestre de Ensinos.— Não os perda de vista dessa vez.Drafindel e os gêmeos riram da cara do homem, Diarne retirou-se com um suspiro, dizendo que faria umas anota&cce
As engrenagens giravam dentro da caixinha de madeira, resultando em música e um leve tremor sobre o peito de Millena. O compasso criado junto aos seus batimentos acalmava, o toque melancólico ordenava para que fechasse os olhos. Ela era teimosa, observava o dossel da cama, vagueando em pensamentos em uma trilha sonora de toques mecânicos. Havia um casal que girava à medida que a melodia progredia, de início curvados, mas vagarosos se erguiam em uma dança. Agora estavam perdidos em lugar nenhum, assim como muitas coisas da sua infância. Coisas que envolviam a sua memória.O dossel pareceu cair sobre seus olhos e as cortinas a envolveram tão subitamente quanto a caixinha que se fechou e deixou de tocar. Millena estava em Nivins, a ilha. Sabia que estava, poderia ser diferente? Tinha mais uma vez cinco anos, era óbvio. Qual pessoa não saberia sua própria idade? Sentia-se bem e olhava o
— Meu nome é Alec— respondeu após Endrick ter que perguntar pela segunda vez.Sentava-se em uma cadeira próxima a lareira, assistia a lenha recém colocada ser abraçada pelas chamas e se transformar aos poucos em um resquício distante do que era. Ele recusara comida ou um cobertor, apenas quis ficar perto do fogo. Uma fina linha de sangue escorria do canto da boca, Mercstzine não o convenceu a deixá-la cuidar do ferimento.Apenas o sangue maculava o rosto pálido de Alec, porém ele estava mais ferido do que aparentava. Mancava um pouco com a perna esquerda, Nico serviu de apoio para carregá-lo até onde estava, e mantinha a mão colada ao lado do corpo. Se tivesse a sorte que Endrick acreditava, talvez nenhuma costela estivesse quebrada. Seu cabelo negro estava desgrenhado, caía sobre seus olhos cinzentos e pensativos.Ele não
Era um sonho antigo e recorrente, talvez cheio de significados. Se eram lembranças do seu passado esquecido, ele não sabia, no entanto o sonho nunca estivera tão nítido quanto agora. Sentia tudo de forma concreta e intensa, era ele, uma criança entregue aos soluços do seu pranto. Nico duvidava que sua mente fosse capaz de criar uma ilusão tão perfeita em seu subconsciente, porém estava relutante em acreditar que realmente era uma cena ocorrida em seu passado. O aperto no peito era insistente e cada vez mais doloroso, não havia nada que pudesse ser feito. Apenas segurar aquele maldito pano contra a testa do garoto, conter a febre. O medo, Nico pensou pela primeira vez em como o medo pode deixar alguém sem uma fração de si. As l&aacu
Nico mordiscava os pães e uma fina fatia de queijo, comumente ignorando o chá de Mercstzine servido a sua frente. Estava pensativo e pouco à vontade diante dos outros. O sonho com Leone, a aparição de Johen, seguido do roubo da misteriosa caixa de Tarci, foram tantos acontecimentos antes que o dia começasse direito que sua mente fazia acreditar que nem tudo havia acontecido de verdade. Em especial a parte de quase ter sido morto. A adaga voava em sua direção, o tempo ganhara diferentes engrenagens e ele se via incapaz de fazer o simples ato de piscar. Porém o giro do cabo e da lâmina não terminaria como qualquer pessoa pudesse prever, o vento veio e mudou tudo.
O dia amanheceu tão claro que Millena pensou que o sol batia na janela do seu quarto. O relógio marcava seis e meia, relativamente tarde para o que era acostumada a levantar. Com súbita surpresa, notou que não sonhara, nem se esforçando conseguiu trazer um vestígio. Ficou grata, mas o seu corpo estava dolorido por causa do passeio aéreo do dia anterior com Nerissia. Perderam a noção do tempo planando e fazendo as manobras que os ackaminoums permitiam. Quando pousaram, sua amiga levou broncas de Dinah na cozinha e teve que carregar caixotes e descascar legumes o dia inteiro. Enquanto a Millena, recebeu muito mais volumes do que esperava sua estimativa mais pessimista.Suas nádegas deviam estar marcadas até agora, pois ficara sentada até tarde da noite, levantando-se apenas para o indispensável. Podia ser atrasada, mas se orgulhava de ninguém poder dizer que não se dedicava.