Um barulho ressoa nos meus ouvidos, como se alguém estivesse limpando a garganta do meu lado. Sinto um cheiro amadeirado com uma nota cítrica que eu poderia inalar pelo resto da vida – é tão convidativo e envolvente.
Dedos longos traçam suavemente o contorno da minha bochecha. Deslizando com delicadeza pela minha pele, afastando uma mecha de cabelo para trás da orelha. O gesto é íntimo e terno, e meu coração quase para por um segundo. Um arrepio percorre todo o meu corpo, trazendo de volta aquela sensação de formigamento e eletricidade .
Acho que estou sonhando.
Antes que eu possa processar o que está acontecendo, uma voz grave e familiar quebra o silêncio.
– Chegamos! Acho que você já pode parar de me usar como travesseiro.
Me afasto rapidamente, percebendo que toda aquela sensação envolvente vinha do corpo do homem mais irritante que já conheci. Irritante, sim, mas também... Meu olhar vagueia por ele, deslizando de cima para baixo como se tivesse vontade própria. Que corpo, penso, com uma dificuldade absurda de desviar os olhos. Minha garganta seca pela atração que ele desperta.
– Ah, eu não... – começo a falar, mas as palavras se perdem no caminho. – Desculpa – solto, por fim, como um engasgo, abaixando a cabeça para evitar seus olhos. Sei que, se encará-lo agora, a vergonha que sinto vai se transformar em algo ainda mais constrangedor a ponto de eu morrer.
– Tudo bem – ele responde com aquele sorriso provocador. – É difícil resistir a tudo isso. – Ele pisca.
– Você é tão irritante – resmungo, rindo. O que deve ter inflado o ego do cara até Marte
Desembarcamos e seguimos para a área de translado, aguardando o motorista do hotel. Tento ignorar sua presença ao meu lado, imaginando que logo cada um seguirá seu caminho e toda essa tensão do meu corpo vai embora junto com ele.
Mas, como em uma piada cruel do destino, o mesmo motorista está ali para buscar nos dois.
Ergo as mãos para o céu com falsa frustração.
– Só pode ser brincadeira – murmuro, embora, no fundo, algo em mim fique secretamente fascinada com a coincidência.
Entramos no carro sem dizer uma palavra. O silêncio entre nós é quebrado apenas pelo som da cidade despertando ao redor. Estava quase acreditando que iríamos calados até o hotel, ai ele decidir falar de novo:
– Antes que você morra de curiosidade, me chamo Cristian. Mas, como você já me usou como travesseiro e babou na minha blusa, pode me chamar de Cris.
– Eu não babei na sua blusa – retruco, defensiva.
Ele ri, deixando as covinhas aparecerem.
Minhas pernas quase se dissolvem só com isso.
Que merda está acontecendo comigo?
– Claro que não. Mas que você ficou me agarrando e murmurando o quanto sou gostoso... ah, isso você ficou.
A ideia de que eu possa ter dito isso enquanto dormia me atordoa.Eu tenho o incrivel hábito de falar enquanto durmo, então, há grandes chances que ele esteja falando a verdade.
Sinto um calor estranho que se espalha pelo rosto. Se me olhasse no espelho agora, veria minhas bochechas vermelhas como brasas.
Finjo que não estou afetada, mas por dentro, sou uma confusão de células borbulhantes sem sincronia.
– Antes que você morra de curiosidade... me chamo Louise – digo. nem preciso olhar para ele para saber que ele está me encarando feito um bobo. Por um instante, um sorriso sincero se forma em nossos rostos.
— Louise? — Coincidência. Ele fala tão baixo que quase não escuto.
— O quê? — Pergunto curiosa, se tiver mais uma coincidência na viagem não ficarei surpresa.
— Nada. Só pensa alto.
— Hum.
Devia ser proibido deixar as pessoas curiosas. Eu crio várias fanfic na minha cabeça sobre os assuntos inacabados e às vezes a pessoa só esqueceu de comprar alguma coisa no mercado.
O carro para suavemente diante de uma entrada grandiosa. O motorista abre a porta e, ao descer, sou recebida por uma brisa suave com aroma de flores frescas misturado ao cheiro acolhedor de pão recém-assado.
Minha barriga ronca alto, revelando o quanto estou faminta.
Meu olhar se volta para a fachada da construção do século XIX à minha frente. Colunas ornamentadas contornam o edifício, e um grande chafariz decora o centro. A água cristalina jorra suavemente de pequenos bicos no topo, formando uma cascata serena. Cada gota reflete a luz, criando brilhos cintilantes que dançam sobre a superfície. Pedras lisas e coloridas ladeiam a base do chafariz.
Tudo é tão lindo e encantador que fico sem saber onde fixar o olhar.
O concierge se aproxima com passos firmes e elegantes. É um homem de meia-idade, cabelo grisalho cuidadosamente penteado, usando um uniforme impecável. Ele nos guia até as portas giratórias de vidro, e Cristian, com sua habitual ousadia, faz um gesto cavalheiresco para que eu entre primeiro.
O saguão é amplo. Poltronas confortáveis, em tons profundos de azul e verde-esmeralda, estão espalhadas pelo ambiente, complementadas por grandes lustres.
Meus passos ecoam no piso de mármore branco polido. Apesar da amplitude do espaço, sinto como se ele encolhesse um pouco quando Cristian, com seus mais de um metro e oitenta, se aproxima, ocupando cada centímetro ao meu redor. Ele encosta a mão em minhas costas, e um arrepio percorre minha pele. Espero que ele não perceba minha ocorrência — involuntária, mas real.
Não preciso olhar para saber que ele está sorrindo.
— Que belo casal temos aqui! — diz a recepcionista, sorrindo sinceramente.
Meu rosto esquenta imediatamente. Eu devia ter feito arte cênica e não musica, pois sou pessima em esconder qualquer reação.
— Não, não somos um casal — corrijo rapidamente, tentando parecer casual. — Tenho uma reserva no nome de Louise Scartt.
Enquanto espero pelas chaves, pego meu celular. A tela está repleta de notificações: trinta chamadas perdidas e várias mensagens do meu pai, cada uma mais desesperada que a anterior, exigindo que eu volte imediatamente. É curioso como ele só foca em mim quando tem algo de interesse próprio no jogo.
Percebo o silêncio repentino e procuro por Cristian. Ele está me observando com o semblante fechado. Seus olhos cor de mel estão fixos em mim, examinando cada movimento com intensidade. Há uma tensão firme em seu maxilar, como se estivesse lutando contra um pensamento.
— Seu sobrenome é Scartt? — pergunta, com uma expressão indecifrável, os olhos ainda fixos nos meus, como se tentasse ler algo nas entrelinhas.
— Sim — respondo.
Ele não diz mais nada, mas a tensão se torna palpável. É curioso como a simples menção ao meu sobrenome provoca reações tão distintas. Alguns se tornam bajuladores, outros demonstram desprezo ou inveja. E a minoria assim como Cristian, um certo desgosto.
Se eles compreendessem o quanto é repugnante ser tratado que meu sobronome não tem nada a ver com a minha personalidade, a cabeça deles explodiriam.
Finalmente, a chave é entregue. Rapidamente, alívio-me por encerrar o que quer que essa interação se tornou.
Peguei meu celular só para checar a hora, depois que o coloquei no silencioso, nem fiz questão de pegá-lo mais. Quase travou a tela de tantas notificações, em algum momento terei que lidar com isso, juro que vou lidar.
Só não agora e nem hoje.