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capítulo 5 - O Ônibus da Madrugada

POV AMANDA

O cheiro de diesel e fritura no posto de gasolina parecia a coisa mais estranha do mundo depois do perfume doce da festa de Léo. A moto estava encostada na bomba, suja de terra e lama. Era a única pista, e eu precisava me livrar dela.

— Ei, moço. — Chamei um caminhoneiro que estava enchendo o tanque. Ele parecia cansado.

— Quer comprar uma moto? Barato, agora.

Ele me olhou de cima a baixo, os olhos pesados de sono.

— Que caô é esse, garota?

— Sem caô. Eu preciso de dinheiro para uma emergência. Dou ela por mil reais. É sua. — O valor era ridículo, valia cinco vezes mais. Mas eu tinha o dinheiro. Eu só precisava de algum papel para simular a venda.

Ele riu, desconfiado, mas o cheiro de um negócio fácil falou mais alto.

Vinte minutos depois, com mil reais amassados na mão e a moto longe, eu e Emily estávamos num táxi fedorento, indo para a Rodoviária.

POV EMILY

A Rodoviária erabarulhenta. Tantas pessoas, todos indo para algum lugar. E nós, fugindo.

— Passagem para Morro Alto, Bahia. Só de ida. — Amanda pediu no guichê, o nome da cidade da Tia Celeste. A atendente nem piscou.

— Próximo embarque: plataforma dez. Sai em dez minutos.

Dez minutos. Parecia tempo demais para a sorte durar. Sentamos em um banco de plástico duro. Olhei para o reflexo no vidro da lanchonete: duas garotas pálidas, a maquiagem borrada.

— Se ele nos achar aqui... — sussurrei.

— Ele não vai. Ninguém daqui sabe quem é o Léo.

— Amanda tentava ser forte, mas sua mão tremia na minha.

A voz da atendente ecoou, cortando o barulho: “Última chamada para o ônibus com destino a Morro Alto, Bahia. Plataforma dez.”

Corremos.

POV LÉO

O sol ameaçava nascer, mas a escuridão da noite ainda cobria a estrada. Meus olhos ardiam. Victor, ao meu lado, estava quieto, ciente do meu mau humor de morte.

— Elas não estão aqui, Léo. A gente rodou essa porra a noite toda. Não tem moto, não tem rastro. — Victor resmungou, finalmente.

— Cala a boca! — Rosnei. — O Gb viu a moto no posto. Elas têm que estar em algum lugar!

O rádio de comunicação do carro chiou. Era um dos meus parças na entrada da Rodoviária.

— Aí, Chefe! Tem nada aqui. Só uns zé-ninguém.

— Procura de novo! Duas pirralhas! Uma ruiva, a outra morena!

— Juro por Deus que não tem nada, Léo. Se elas passaram, foi antes da gente chegar.

Eu soquei o volante. Eu havia perdido o rastro. Elas haviam usado a fúria da minha procura como um disfarce, sumindo na primeira oportunidade que tiveram.

POV EMILY

O ônibus cheirava a velho, a mofo e a desinfetante forte. Era perfeito.

Subimos os degraus e nos enfiamos nos últimos bancos. Ninguém nos notou.

Quando o ônibus acelerou e a Rodoviária sumiu no retrovisor, uma lágrima quente escorreu pelo rosto de Amanda. Ela estava exausta.

— Passamos. — Eu só consegui dizer isso.

— Passamos, Emy. — Ela murmurou, apoiando a cabeça no meu ombro. — A gente foi sortuda.

O motor roncava, nos afastando do morro, do Léo, daquela vida. Olhei para a janela: as luzes da cidade do Rio ficavam menores, até virarem apenas um brilho distante no horizonte.

Encostei minha cabeça na dela. Pela primeira vez em horas, meu corpo relaxou. O perigo estava lá, mas estava longe.

POV LEONARDO

O dia já clareava quando eu parei o carro na garagem. As ruas do morro, antes cheias de gente, estavam vazias, silenciosas, como se a festa nunca tivesse existido. O silêncio era a prova do meu fracasso.

Eu estava fervendo. Não de raiva, mas de humilhação. Deixei a dívida escapar na minha primeira noite como chefe. O carro cheirava a suor, diesel e ódio. Victor tentou dizer algo, mas eu nem olhei para ele.

— Vai pra casa, Victor. E avisa o Gb que se eu não tiver uma pista até o meio-dia, a fita vai ficar braba pro lado dele. Moscou, perdeu.

Saí do carro e bati a porta com força. O barulho ecoou na casa.

Meu pai estava na sala de jantar, sentado à mesa, lendo o jornal como se nada tivesse acontecido. Ele não precisava me ver para saber o que rolou. Minha mãe estava na cozinha, mexendo nas panelas, o cheiro de café forte era a única coisa normal naquela manhã.

— Já vi que a noite foi longa, Leonardo. — Meu pai dobrou o jornal lentamente. — Mas a menina não veio com você.

Eu chutei uma cadeira. O som agudo fez minha mãe soltar um suspiro na cozinha.

— A menina fugiu, porra! Fugiu, pai! A Amanda e a amiga dela, a Emily. Elas pegaram o dinheiro da casa da Andreia e meteram o pé de moto. A gente rodou a noite toda a BR. Elas sumiram.

Meu pai me encarou, o olhar frio e decepcionado.

— Sumiram? Você acabou de assumir essa porra, e a primeira ordem que você tinha era trazer a garota para casa. E você me diz que ela "sumiu"? Você se deixou ser passado para trás por duas pirralhas?

— Eu mandei fechar as saídas! O Gb e o Victor fecharam tudo! Mas elas passaram antes do caô esquentar.

— Impossível? — Ele levantou, a presença dele me engolindo, apesar de eu ser maior. — Não existe "impossível" no meu morro, Léo! Você sabe o que é aquela garota? É o respeito que você tem que impor! É a lei que eu estabeleci por nove anos! Se essa dívida não for paga, você é um piolho que não consegue manter a palavra!

— Eu vou achá-la! — Minha mandíbula estava travada. — Eu vou atrás dela onde for!

— Não é "achar"! É trazer para casa! — Ele bateu o punho na mesa, fazendo os talheres

chacoalharem. — Você agiu como um moleque bolado correndo atrás de briga, e não como o chefe que planeja a caçada.

— Já deu, os dois! Parem com isso!

Minha mãe, saiu da cozinha, enxugando as mãos no avental. Ela sempre foi o ponto de paz na nossa casa.

— Leonardo, meu filho, você mal dormiu. O café está pronto. Senta e pensa. Gritos não vão trazer a menina para casa.

Eu olhei para ela, a fúria me consumindo. O toque gentil dela no meu braço só me deixou mais puto.

— Não tem café, mãe! Eu perdi a porra da minha mulher! Eu sou o novo chefe, e ela tá sumida! Eu não vou sentar e tomar café!

— Ela não é sua mulher, Leonardo! — Minha mãe me olhou com uma tristeza funda. — Ela é uma garota apavorada, fugindo de uma sentença que nem é dela! Por Deus, pare e pense no que você está fazendo!

Meu pai soltou uma risada seca e amarga.

— Está vendo, Léo? Sua mãe e seu coração mole. Você vai descobrir. E não volte sem ela.

Eu olhei para o chão, aceitando a derrota temporária. Ele estava certo. Eu tinha agido na emoção.

— Ela vai voltar!!

Saí da sala sem olhar para trás, deixando minha mãe chorando baixinho na cozinha e meu pai voltando a ler o jornal, a decepção dele mais pesada que qualquer tiro.

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