POV LEONARDO
Eu não esperei nem os caras subirem a escada. Saí do camarote como um tufão, Victor vindo logo atrás. A música parecia um zunido de mosquito no meu ouvido. A dívida estava fugindo. E, pior, a melhor amiga da minha parada estava ajudando no caô.
— Pega meu carro, Victor. Brota na frente da casa da Amanda. Agora! — ordenei, minha voz rouca de raiva.
Chegamos em segundos. A casa era simples, no meio do morro, e estava escura. Victor tentou a chave.
— Tá trancada, Léo.
— Foda-se a chave! — Eu nem pensei. Recuei e chutei a porta com toda a força. O som do arrombamento ecoou pela rua vazia. Barulho de bo.
Entramos. A casa cheirava a sabão
— Dona Andreia! — Victor chamou, a voz tensa. Ele gostava daquela velha.
A mãe de Amanda, Dona Andreia, surgiu no corredor, tremendo, vestindo um robe. Os olhos dela ficaram enormes quando viu meu rosto, minha contenção e Victor, que parecia menor do que era.
— Léo... meu Deus! O que é isso? O que aconteceu?
Eu me aproximei dela, e Victor tentou me segurar.
— Léo, calma, é a mãe da Amanda...
— Sai fora, Victor! — Minha paciência tinha dado um perdido. — Onde elas estão? Fala, Andreia! Onde a Amanda levou a Emily?!
Dona Andreia chorava, as mãos na boca.
— Eu juro, Léo, eu juro que não sei! A Amanda saiu... disse que ia pra O baile, de lá disse que ia pra casa de uma amiga. Eu ouvir o portão abrindo, achei que era ela. Que tinha esquecido o dinheiro pra sair.
Eu respirei fundo, tentando me controlar. Victor me disse que elas guardavam dinheiro em um lugar. Fui direto para o quarto de Amanda. Joguei as roupas para o lado. Victor veio atrás.
— Léo, não mexe no quarto dela.
Eu ignorei. Fui no esconderijo. Deu vazio.
— Filha da puta! — Chutei a parede com raiva. O gesso estremeceu. Eu não estava só puto, estava possesso. Elas não só fugiram, como planejaram a fuga. E alguém mais sabia.
— Victor! — Gritei, voltando para a sala. — Liga pro Gb! Manda fechar todas as saídas do morro. Essa fita não é mais só de duas garotas. Tem mais gente nesse caô. E a Emily... a Emily vai aprender que a dívida sempre é paga.
Olhei para Dona Andreia, que estava encolhida no sofá.
— Não precisa falar pra Amanda. Eu mesmo vou falar com ela quando a encontrar. E é melhor para você que isso seja logo.
Saí da casa, o coração batendo na garganta. Eu estava pistola. Elas tinham levado o dinheiro, o que significava que não estavam paradas. Elas estavam voando.
Subi no carro, ligando para Gb. A perseguição tinha acabado de começar.
POV JÚLIA
Eu estava tremendo tanto que mal conseguia segurar o celular. Eu tinha pego a bolada na gaveta da Amanda.
Eu estava num mototáxi, descendo a estrada principal. Senti que a cada passo o dinheiro queimava minhas mãos. O mototáxi me largou perto do Bar do Seu Zé. Fora do morro.
Liguei pra Gabriel que atendeu no segundo toque. Mas não consegui dizer nada. Ouvi as ordens pelo telefone.
— Gb! Fecha a porra da divisa! — A voz dele gritou, ecoando. — Procurem por duas pirralhas na moto de mago!
Eu não conseguia respirar. Ele estava transbordando de ódio. Atrás dele, motos da faixa aceleravam, bloqueando as vielas. - Desliguei o celular e respirei fundo. O bar do seu Zé era do outro lado da rua
Esperei um minuto inteiro, até ter certeza de que o último som era apenas o vento. A adrenalina me fez levantar. Eu tinha que correr.
Corri o mais rápido que pude, desviando de poças e lixo. O Bar do Seu Zé era um ponto de luz fraca mais adiante.
— Emy! Amanda! — Sussurrei, ofegante, entrando no bar.
Elas estavam sentadas numa mesa de plástico, pálidas, mas alertas.
— Júlia! Pelo amor de Deus! — Amanda veio me abraçar.
— Pega! — Joguei a bolsa na mesa, mal conseguindo falar. — O Léo tá pistola. Ele tá na rua! Ele sabe que o dinheiro sumiu e mandou fechar tudo! Ele ligou pro Gb!
Emily pegou a bolsa e abriu. O maço de dinheiro estava ali. Segurança.
— A gente tem que ir agora. Eles estão fechando o cerco. — Emily se levantou, os olhos decididos.
— Para onde, Emy? — perguntei, ainda arfando.
NARRADORA
Amanda, que tinha mantido o silêncio desde que Júlia chegou, finalmente falou, uma luz de desespero e determinação nos olhos.
— Eu sei para onde. Para longe de onde ele pensa que a gente iria.
Ela olhou para Emily, a decisão tomada.
— A gente vai para a casa da minha Tia Celeste, no interior.
Emily parou.
— Interior? Isso é muito longe, Amanda.
— É por isso mesmo! A Tia Celeste mora em uma cidadezinha que Léo nem sabe que existe. Ela é irmã da minha mãe, cortou relações com o morro há anos. É o único lugar onde ele não tem faixa, onde ninguém vai dar cagueta.
Emily olhou para a bolsa. Amanda estava certa. Elas precisavam sumir, sair do território dele.
— E como a gente chega lá? — perguntei.
— A gente vende a moto na estrada. Pega o primeiro ônibus que for para o norte, para longe do Rio. Ele não vai conseguir nos alcançar antes de a gente se misturar.
Amanda se virou para Júlia, o rosto cheio de gratidão, mas também de culpa.
— Obrigada, Jú. De verdade. Mas agora você tem que ir. Não volta para casa, Júlia. Vai para casa de outra amiga. Fala que dormiu fora. O Léo... ele vai te procurar.
Júlia estava em prantos.
— Eu não queria isso, Emy...
— Eu sei. — Emily a abraçou com força. — A culpa é minha.
— A culpa é do seu pai, Emy. E do maldito Léo! — Amanda encerrou o assunto, puxando Emily. — Bora!
EMILY
Aceleramos a moto para fora do bar, deixando Júlia para trás, a única ponte que nos ligava ao morro, agora cortada.
A última coisa que vi foi a placa da estrada, iluminada pela lua: SAÍDA PARA A BR
NARRADORA
O telefone no carro tocou. Léo atendeu, a voz grossa.
— Fala, Gb!
— Léo, deu ruim! A gente fechou a divisa, mas um parceiro meu viu duas garotas numa moto. Elas passaram voando na direção do posto da estrada, Léo. Fora do morro! A fita é que a moto era uma antiga, trilheira.
Léo bateu a mão no volante. A raiva se transformou em foco gelado.
— Então a moto vai acabar. Elas vão ter que sumir em algum lugar. Victor, vamos para a BR. Se elas acham que fugiram do meu morro, elas vão ver que não fugiram de mim. A caçada começou.