GiovanniNo instante em que percebi que Alice estava machucada, algo dentro de mim mudou. Por um breve momento, toda a frieza cuidadosamente cultivada ao longo dos últimos anos, toda a estratégia, vingança e controle... tudo isso ficou em segundo plano. A preocupação tomou conta de mim com uma intensidade que não pude conter.Ela era inocente. Ainda que fizesse parte do meu plano, não merecia sofrer. Aquilo não estava nos meus cálculos. Eu não sabia ao certo se um dos meus homens havia se excedido ou se o ocorrido era consequência indireta da ordem que dei na noite anterior. Não importava. O que importava era que Alice estava ferida, e eu... genuinamente preocupado.Seu tornozelo estava visivelmente inchado, e eu temia que fosse algo sério - talvez uma fratura. Quando a tomei nos braços e a levei até o hospital, pude sentir o quanto ela estava assustada. Havia algo em seus olhos... um terror contido, antigo, que não dizia respeito apenas à dor física. Era medo de algo maior, mais prof
AliceEu continuava deitada na cama do hospital, com a mente tomada por um turbilhão de pensamentos desconexos. O médico acabara de me informar que, felizmente, meu ferimento não passava de uma torção. Um alívio imediato percorreu meu corpo, mas a confusão e o medo permaneciam, espessos como neblina.Giovanni entrou na sala pouco depois, com a expressão séria e determinada. Sem perder tempo, aproximou-se do médico e começou a fazer perguntas minuciosas sobre o diagnóstico, os cuidados, o tratamento... Sua postura protetora, tão firme e decidida, me pegou de surpresa. Ninguém jamais se preocupou assim comigo.Quando o médico me liberou, Giovanni prontamente se ofereceu para me levar para casa - e, por mais que minha mente gritasse para recusar, meu corpo, cansado e dolorido, aceitou.No entanto, minha cabeça era um caos. Eu sabia que estava entrando em um território perigoso. Parte de mim queria correr, desaparecer, sair daquele país sem deixar vestígios. Como poderia contar a ele que
AliceSaí do banho lentamente, deixando a água quente escorrer pelo meu corpo como se pudesse, de alguma forma, levar consigo toda a tensão acumulada daquele dia turbulento. Cada gota parecia tentar dissolver um pouco da confusão que habitava minha mente. Mas, por mais que eu quisesse relaxar, minha cabeça continuava em ebulição, presa entre pensamentos desconexos e memórias que insistiam em me atormentar.Senti o peito apertado enquanto enxugava o corpo com a toalha, ainda desnorteada. O dia havia sido intenso, cheio de reviravoltas. Eu me perguntava, entre um suspiro e outro, se havia feito a escolha certa ao contar a Giovanni tanto da minha história. Mal nos conhecíamos, e, de repente, ele já ocupava um espaço significativo demais nos meus pensamentos - e talvez, até no meu coração.Giovanni era um enigma. A fama que o precedia, de um homem imprevisível, temperamental e frio, ainda não tinha se confirmado aos meus olhos. Pelo contrário. Ele me tratava com um cuidado quase reverente
Limpei as lágrimas que insistiam em escorrer pelo meu rosto com as costas das mãos trêmulas. Cada movimento era difícil, especialmente por causa do gesso que envolvia meu pé, limitando meus passos, me lembrando da dor e da pressa com que eu tentava escapar. Mesmo assim, me forcei a levantar da cama. Não podia mais ficar ali. Permanecer naquele apartamento, onde dividia a vida com minha melhor amiga Julia, era como assinar sua sentença. Se Othon estava me procurando - e agora eu sabia que estava - ela também corria perigo.Com determinação, comecei a recolher minhas coisas pelo quarto. Cada peça de roupa que eu dobrava, cada objeto que guardava, era um lembrete silencioso do quanto minha vida havia mudado. Do quanto eu estava fugindo. Em uma pequena bolsa, coloquei o pouco que tinha: roupas, documentos, e o que restava dos meus sonhos.Escolhi uma roupa prática e sentei-me por um instante na beirada da cama, sentindo o peso da decisão que tomava. Fechei os olhos e deixei que minha ment
Eu estava na sala escura, envolto pelas sombras que se estendiam até o teto, observando o movimento suave da noite através da grande janela de vidro. Usava apenas uma bermuda larga, e segurava um copo de bebida entre os dedos, embora minha atenção estivesse a quilômetros dali. O líquido no copo mal se movia, assim como eu. Estava imóvel, afundado em meus pensamentos - e todos eles tinham nome: Alice.A lembrança do acidente que a deixara com o pé imobilizado ainda pesava como chumbo sobre meus ombros. Eu me sentia culpado. Aquilo não deveria ter acontecido. E mesmo sem provas concretas, sabia, lá no fundo, que de alguma forma, havia sido por minha causa. Meus sentimentos por ela eram um emaranhado confuso de culpa, remorso, raiva - e uma culpa ainda maior por querer usá-la como parte de um jogo que nunca mereceu jogar.Enquanto olhava para o vazio, sentia o remorso me dilacerar por dentro. Cada batida do meu coração parecia ecoar dentro de um labirinto de escolhas erradas. Alice era u
AliceAinda tento entender como minha vida virou um completo caos da noite para o dia. Descobri que meu pai era um assassino. Descobri que eu estava prometida a um lunático. Fugi. Cruzei fronteiras, me escondi, e vim parar em Londres - uma cidade que parecia ser minha última chance de liberdade. E foi aqui que conheci pessoas que, sem querer, começaram a mudar completamente o rumo da minha história.A dor de ter saído de casa daquela maneira ainda latejava dentro de mim. Eu só conseguia pensar em Julia. Com certeza, ela estava preocupada. Talvez magoada. Tudo o que eu mais queria era abraçá-la forte, dizer o quanto sua amizade foi meu porto seguro desde o primeiro dia. Mas eu sabia como Julia era - determinada, impulsiva, teimosa. E se eu tivesse tentado explicar meus planos, ela não teria aceitado. Pior: poderiam usá-la contra mim. Qualquer pessoa que se aproximasse demais poderia ser usada para me alcançar. E essa possibilidade me atormentava.Por isso, deixei apenas o silêncio e a
- Meu destino foi selado pelas decisões do meu pai... - murmurei. - Não gosto nem de chamá-lo assim.- Um verdadeiro pai nunca faria o que ele fez com você.Assenti, sentindo os olhos arderem.- Ele destruiu vidas. Me tirou do convento. Me arrastou para um lugar que eu odiava. E agora, a polícia o persegue... espero que um dia ele pague por tudo.- Você sabe alguma coisa sobre o que ele fez?Suspirei. O assunto era delicado demais.- Apenas o que minha tia me contou. Na época, eu ainda estava no convento. Não entendo por que ele me quis por perto, se sempre me tratou com tanto desprezo.- Ele vai pagar - Giovanni disse, com uma intensidade que me surpreendeu. Havia raiva em sua voz. Raiva verdadeira.- O problema agora é Othon. Ele tem dinheiro. Comprou meu silêncio. Comprou meu futuro. E agora está comprando minha caçada. É por isso que eu não quero envolver ninguém. Porque quem se aproxima de mim... corre perigo.- Eu não vou permitir que esse homem te toque - disse, pegando minha m
Adam estava sentado em sua sala, um dos cômodos mais discretos da imponente mansão dos Harris. Aquele espaço silencioso, com paredes revestidas em madeira escura e móveis clássicos, era seu refúgio desde que fora transferido para ali. Embora a decoração fosse refinada, refletindo a riqueza da família, a atmosfera carregava o peso invisível dos segredos e das dores acumuladas com o tempo.Os olhos de Adam percorriam distraidamente os detalhes do ambiente: o brilho discreto da lareira apagada, a biblioteca de volumes antigos, a poltrona onde tantas vezes havia adormecido de exaustão. Mas sua mente estava longe dali - mergulhada em lembranças que preferia esquecer.Lembrava-se com nitidez do dia em que tudo começou.Henry Harris, o tio de Giovanni, o havia convocado com urgência. Adam jamais se esqueceria do olhar de Henry naquela tarde - cansado, preocupado, marcado por anos de perdas. Giovanni, então com pouco mais de vinte anos, estava trancado no quarto do segundo andar, entre a vida