Natali permaneceu ajoelhada por um longo momento, o cheiro de terra e grama amassada em suas narinas, a sentença de Apolo ecoando em sua cabeça. Dormir no jardim. A solidão, o frio, a exposição... mas também a vida sob suas mãos. Ela estava exausta, mas a pequena vitória de ter desafiado a ordem de destruição, de ter salvo as rosas, lhe dava uma força inesperada.
Enquanto Natali se arrastava para um canto protegido por um arbusto mais denso, esperando o sol se pôr, ela viu Lucinha sair apressadamente da mansão, com um embrulho nas mãos. A governanta parecia ansiosa. Lucinha caminhou rapidamente em direção ao jardim, mas foi barrada por dois seguranças. — Apolo proibiu de qualquer pessoa entrar em contato com a garota, Lucinha — disse um dos seguranças, um homem grande e impassível. — Ordens do patrão. Ela deve permanecer sozinha e incomunicável. — Mas ela passará a noite aqui? — a voz de Lucinha estava embargada de indignação. — Está frio! Ela não tem cobertores, nem comida... — O Sr. Apolo ordenou que ela experimentasse a solidão. O que ela merece. E o jardim tem o que a natureza oferece. O segundo segurança pegou o embrulho das mãos de Lucinha, o que parecia ser um pão e um casaco, e o jogou rudemente no chão, perto do limite da cerca. — Proibido o contato, Lucinha. Se o Sr. Apolo souber que você tentou ajudá-la, você sabe o que acontece. Lucinha recuou, os olhos cheios de lágrimas de frustração e preocupação, olhando para Natali, que observava a cena de seu canto. A governanta gesticulou em súplica silenciosa antes de voltar para a casa, sua silhueta diminuindo com a distância. Natali assistiu, o coração apertado pela bondade de Lucinha e o endurecimento da sua própria situação. Ela era, de fato, uma prisioneira, isolada no meio de um jardim que ela tinha se recusado a matar. Lentamente, ela se arrastou até o portão, pegou o casaco e o pão jogados no chão e se afastou enquanto os seguranças se distrairam. A comida era um tesouro, e o casaco, uma promessa tênue de calor. A noite chegou, fria e escura. Natali tentou se aninhar sob o arbusto de jasmim, usando o casaco como um escudo fino contra o vento úmido. O pão era duro, mas ela o comeu lentamente, economizando cada migalha. O silêncio era profundo, apenas pontuado pelo som distante de corujas e o sussurro das folhas. A solidão era esmagadora, e ela se agarrou à lembrança do diário, da mulher que sonhava com rosas brancas, buscando um fio de esperança. Foi por volta da meia-noite que o céu, já carregado, decidiu desabar. Começou com um gotejar hesitante, mas rapidamente se transformou em uma chuva torrencial. As gotas grossas caíam pesadamente, e o abrigo do arbusto de jasmim não era páreo para a fúria da água. Natali se encolheu, tentando cobrir a cabeça com os braços, mas em segundos, ela estava encharcada. A água fria penetrou o casaco fino e o vestido, grudando o tecido em sua pele. Não havia para onde ir. O jardim não tinha abrigo. Ela estava completamente exposta aos elementos, seu corpo tremendo incontrolavelmente. A temperatura despencou, e o frio cortante parecia penetrar seus ossos. O desespero a atingiu com a força da chuva. Ela era apenas uma garota de 25 anos, vendida, odiada e agora, deixada para congelar em um jardim. A punição de Apolo não era apenas a solidão; era a humilhação e o sofrimento físico. Ela se levantou, cambaleando, e se arrastou para a estátua da dançarina no centro do jardim, um monumento de mármore escorregadio. Não oferecia abrigo, mas era o único ponto focal naquele mar de escuridão e água. Ela abraçou a base fria da estátua, suas lágrimas se misturando à chuva que escorria pelo mármore. Ele quer que eu morra, pensou Natali, a voz falhando em um soluço. Ele quer que eu seja tão morta quanto a esperança dele. Em meio ao frio e à dor, ela fechou os olhos. A imagem da mulher do diário, a noiva de Apolo, brilhou em sua mente. Rosas brancas... Natali apertou o casaco contra o peito, sentindo o pequeno pedaço de pão no bolso. Ela havia salvado as rosas, e isso era o único que a impedia de desistir. Ela havia escolhido a vida ao invés da destruição. Lá de cima, de uma das janelas escuras da mansão, Apolo observava. Ele estava em seu escritório, na escuridão, a luz fria do laptop mal iluminando a máscara de ferro. Ele não podia ver Natali em meio à chuva forte, mas ele podia ouvir o rugido da tempestade e sabia exatamente onde ela estava. Apolo bebia seu uísque, o calor do álcool não conseguindo alcançar a frieza de sua alma. Ele havia ordenado a destruição do jardim. Ele havia ordenado a solução. Apolo sabia que o que estava fazendo era cruel. O desprezo por Natali era real, mas a fúria de vê-la podar ao invés de arrancar o jardim, de salvar ao invés de matar a memória, o havia atingido em um ponto sensível. Ela, a "mercadoria danificada," tinha se atrevido a contrariar sua dor. O som da chuva o perturbava. Ele não queria que ela morresse... ainda não. Ele queria que ela vivesse sua punição. Mas a visão da chuva implacável o fez lembrar de outra noite, de um desamparo que ele conhecia muito bem. Ele caminhou abruptamente, esmagando o gelo em seu copo com a mão, indo até o telefone. — Reforcem a vigilância no jardim — sua voz era um rosnado frio para o segurança do portão. — E se a garota desmaiar... tirem-na da chuva. Apenas se ela desmaiar. Não a toquem antes disso. Apolo desligou, o suor frio escorrendo pela sua testa, apesar do frio da sala. Ele não a tiraria da chuva por sua própria vontade. Ela tinha que sentir o peso da desobediência. Mas ele também não deixaria a única evidência da traição de Afonso, a sua "propriedade," morrer em seu jardim. Ele foi até um sofá que ficara no escritório, mas não conseguiu mais se concentrar. O som da chuva era agora o som da sua consciência... ou o som da vingança se consolidando. Ele podia ignorar o coração de Natali, mas não podia ignorar o fato de que ela estava, no meio do seu jardim de luto, lutando para sobreviver. E essa luta, essa pequena chama de vida onde ele havia ordenado a morte, era mais irritante e perigosa do que qualquer obediência silenciosa. A chuva continuava a castigar Natali, mas, no meio do frio e da escuridão, ela se agarrava à estátua de mármore e ao pensamento das rosas brancas. Ela era fraca, mas não quebrada. Ela sobreviveria à noite.