Mundo ficciónIniciar sesiónA viagem foi tão longa que eu e minhas irmãs pegamos no sono, mas fomos acordadas pelos gritos ensurdecedores do nosso pai.
— Chegamos, acordem suas preguiçosas. Nós saímos do carro ainda sonolentas, e nos deparamos com um casebre velho, com as paredes descascadas, e com um cheiro horrível de cigarro. — Depois as fracassadas somos nós. Falei baixinho o suficiente pras minhas irmãs ouvirem. — Cala a boca Bia, você quer que a gente fique na rua? A Bárbara falou no pé do meu ouvido. Quando entramos na parte interna da casa, o cheiro de cigarro se intensificou, e parecia que aquela casa não havia sido limpa há anos. — No fim do corredor tem um quarto velho, tá cheio de poeira, limpem e as três vão dormir lá. Ele disse apontando pro local. Caminhamos até o suposto quarto, e quando abrimos havia poeira por todos os lados, além de baratas, no mesmo momento a Bruna começou a gritar ao olhar pra elas. — Eu não vou entrar aí nem morta. Rapidamente o nosso pai se aproximou e a segurou pelo braço. — Você pensa que está em um hotel pra fazer exigências e colocar defeito nas coisas? Talvez a rua seja melhor, quer ir pra lá? Ele falou aos berros. — Solta ela, nós vamos dar um jeito em tudo isso. Eu falei pra ele tentando manter a calma, mas por dentro eu estava prestes a explodir. Ele a soltou e foi em direção a sala, enquanto a Bruna tremia dos pés a cabeça, ela tinha pavor de baratas. — Tudo bem Bruna, não precisa limpar com a gente, eu e a Bárbara daremos conta de tudo. Ela balançou a cabeça e foi pro canto da parede. — Nós precisamos de vassoura e produtos de limpeza, além de sacolas pra juntar esse monte de lixo, quem vai lá pedir essas coisas pra ele? A Bárbara perguntou e a Bruna rapidamente se prontificou a ir. — Eu vou, é o mínimo que posso fazer já que não vou ajudar na limpeza. Nós concordamos e ela foi em direção ao nosso pai, só precisou de alguns segundos pra ouvirmos os berros dele... — Mal chegaram e já estão me dando prejuízo, não tem produto de limpeza, basta varrer e ficará limpo. A Bruna apareceu somente com uma vassoura e uma sacola, e eu não consegui me segurar, aquilo já era humilhação demais. — Bia? Pra onde você vai? Bia, volta já aqui. A Bárbara falou ao me ver indo em direção a ele, mas nada iria me impedir de dizer umas boas verdades pra aquele homem. — Escuta aqui senhor, você foi embora e deixou a nossa mãe cuidando de três garotas sozinha, e apesar da gente morar naquele fim de mundo, como você mesmo disse, a casa era limpinha, tinha comida, e cama quentinha, então se você não conseguir dar uma vida descente pra gente, acho bom você falar isso agora, porque caso contrário nós vamos voltar pra nossa casa, e vamos nos virar como fizemos a vida toda, deu pra entender? Um sorriso maléfico se abriu na face dele, e eu estava esperando tudo, menos receber aquela notícia horrível... — Que casa vocês tem pra voltar? Aquela casa praticamente já está vendida pra um ricasso que irá me pagar uma fortuna por ela, só pelo fato de ficar no meio da floresta, amanhã mesmo esse dinheiro estará nas minhas mãos, e sabe o que é ainda melhor? Ele está a procura de uma esposa, e eu vou vender uma de vocês pra ele. Ouvir aquilo fez a minha cabeça rodar, eu coloquei as mãos na parede tentando me equilibrar em pé, mas quanto mais eu tentava, mais as minhas pernas perdiam a força. — O que foi garotinha? Cadê toda a sua arrogância? — Você vai ter coragem de vender uma de suas filhas? Perguntei com os olhos repletos de lágrimas. — Vocês não servem de nada pra mim, e o fato de serem garotas bonitas e puras, que nunca foram tocadas por um homem, as tornam ainda mais caras. — Você é um monstro, eu tenho nojo de você, eu te odeio. Falei aos berros, mas logo senti a palma da mão dele ir de encontro ao meu rosto. — Calada, agora saia da minha frente antes que eu deixe você toda roxa. Eu dei as costas pra ele e corri em direção ao quarto aos prantos onde fui acolhida pelas minhas irmãs que haviam ouvido tudo. — Não existe outra saída, nós teremos que fugir dessa casa e ir pra bem longe. A Bárbara falou ao me acalentar. — Eu também concordo, se soubéssemos quais eram as reais intenções dele, jamais teríamos vindo pra cá, teríamos fugido lá da floresta mesmo. A Bruna complementou... — Ele usou o nosso medo do desamparo pra nos trazer pra cá, ele jamais teve a intenção de nos abandonar na floresta, no fundo ele sabia que iríamos chegar no tempo certo, afinal existe muito dinheiro envolvido, e ele não perderia isso por nada. A Bárbara continuou. Por mais que existisse sentido nas falas delas, nós não tínhamos como fugir, afinal não tínhamos mais nada, nem mesmo a nossa antiga casa. — Não podemos sair daqui, pelo menos temos um teto e comida. Falei interrompendo a conversa das duas. — Não importa Bia, isso nós encontraremos em qualquer outro lugar, nós somos três, eu tenho certeza que vamos conseguir nos virar sozinhas como sempre fizemos o tempo todo em que a mamãe esteve doente. — Não, eu não vou. Eu vou ficar, eu não quero dormir na rua. Falei decidida. — Bia, você ouviu o que esse homem disse? Se você ficar, você será vendida pra um homem rico, e se ele for um velho tarado? Você só tem 17 anos. — Eu farei 18 amanhã. Esqueceu? — Minha nossa, é verdade. Desculpa Bia, com tudo o que aconteceu com a mamãe, acabamos esquecendo. — Não tem problema, não tem o que comemorar mesmo. — Mas isso é bom, você terá idade o suficiente pra seguir a vida com a gente. Não vai precisar da permissão dele e nem vai virar comida de um velho ricaço. — Eu não vou. Talvez não seja um velho, talvez seja alguém jovem e disposto a me amar. — Como ele vai amar alguém que ele estará comprando Bia? Não seja idiota, ele vai usar você. Bárbara falou com desespero na voz, mas eu não mudei de decisão, e eu sei que aquilo destruiu o coração dela. Naquele mesmo dia, as duas aproveitaram que o nosso pai saiu e fugiram, eu nunca havia chorado tanto na minha vida, mas elas prometeram que iriam me procurar depois e me resgatar quando estivessem bem de vida, mas no fundo eu sabia que aquilo poderia nunca acontecer.






