— Esquece! Prefiro ficar trinta anos aqui!
— Cris, meu amor... Você não será uma simples puta. Será uma a-com-pa-nha-nte, entendeu? É diferente! Não viu sua amiga? Acha que ela só abre as pernas? Aceite, ou verá seu irmão no orfanato.
— Não, o meu irmão não.
Acho que nunca expliquei direito o porquê de estar nessa encruzilhada. Três dias atrás, meu irmão ardia em febre. Eu andava de um lado para o outro, sem dinheiro para hospital ou remédio. Fiz o que pude: toalhas molhadas no corpo dele, tanta água que parecia que a conta ia estourar.
Sem saída, corri até Donna, nossa vizinha. Ela já ajudou várias vezes, mesmo sabendo que estamos atolados em dívida. Sorte que gosta muito de Rafael.
— Donna? Oh de casa? — chamei.
— O que foi agora? Não me diga que o Rafael partiu...
— Credo! Deus me livre de uma dessas! — fiz o sinal da cruz. — Preciso ir à farmácia e não tenho com quem deixar o Rafa.
— Menina... Se você não fosse tão grudada nesse irmão, eu até diria que tá abandonando o coitado. Igual sua mãe, que saiu pra comprar peixe e nunca mais voltou.
— Por mim, ela podia ser até babá do papai Noel— respondi seca.
Donna riu e me apressou.
Na farmácia, descobri que a conta dos remédios passava de mil reais. Saí sem nada, apenas de coração apertado.
Foi então que um jovem à minha frente deixou cair a carteira.
Fiquei paralisada. Carteira tem dinheiro, documentos...
Meu pai, mesmo bêbado, sempre repetia que pegar o que não é nosso não é solução. Pensei em devolver, mas o rapaz virou-se e me olhou. Eu já segurava a carteira.
Quem acreditaria que não era roubo?
O desespero venceu.
Dei dois passos para trás, virei e saí correndo. Achei um canto vazio, tirei o dinheiro e joguei a carteira longe.
O detalhe cruel: minha carteira era igual à dele. Guardei o dinheiro e caminhei como se nada tivesse acontecido, embora por dentro eu estivesse em chamas.
Até que uma mão agarrou meu braço.
— Hey! Devolve o que pegou! — gritou o dono.
— Eu não peguei nada! — menti, arrancando o braço e correndo sem olhar para trás.
Cheguei em casa ofegante.
— O que foi, menina? — perguntou Donna, abanando-se com seu leque de fofoqueira.
— Fecha a porta, Donna! — pedi, antes de virar um copo d’água inteiro.
Rafa melhorou durante o dia e dormimos tranquilos. Acordei com alívio: ele estava estável. Do dinheiro, sobraram apenas oito reais, mas deu para comprar algo simples e encher a barriga. A vergonha pelo que fiz ontem ainda doía, mas ao menos Rafa sorria.
— Christine? — ele me chamou com a voz fraca. Enquanto puxava minha blusa— Tô com fome.
— O que quiser, meu príncipe.
— Poderia ser comida instantânea?
— Tá! — respondi, beijando sua testa.
O sorriso dele me aqueceu. Por um instante lembrei de papai, antes do álcool arruinar tudo. Mas quando saí de casa, o peso voltou.
Até quando vamos sobreviver assim? O que será de nós daqui a dois dias?
Não ter dinheiro é um inferno.
Comprei a comidinha, voltei e Rafa comeu feliz. Brincamos de cosquinhas e rimos juntos. Por um momento, a vida pareceu normal.
Mas como dizem: a alegria do pobre dura pouco. De repente, *truz!* Alguém bateu forte na porta.
— Quem será que está batendo a essa hora? — murmurei, já sentindo um arrepio na nuca.