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Uma nova vida
Uma nova vida
Por: Hadya
1. O dia em que tudo parou.

Acordou sobressaltada. O despertador piscava inutilmente no criado-mudo, mudo como sua própria voz, quando percebeu que já passava das oito. O coração acelerou como se fosse sair do peito, e o primeiro pensamento foi uma enxurrada de palavrões abafados. O tempo estava contra ela.

Pulou da cama, vestiu a primeira roupa que encontrou no cabide — uma camisa amassada e uma saia que não combinava com nada — e desceu as escadas do prédio tropeçando nos próprios sapatos. O céu estava fechado, carregado de nuvens densas como chumbo. Nem teve tempo de pegar o guarda-chuva. Quando colocou os pés na calçada, a tempestade caiu com uma fúria quase pessoal.

As gotas batiam no rosto como pequenos t***s. O ônibus atrasou, o trânsito estava um caos e, a cada minuto, seu estômago reclamava pela ausência de café da manhã. Chegou à empresa encharcada dos cabelos às meias, sentindo a roupa colada ao corpo, a maquiagem derretida e os olhares curiosos dos colegas de trabalho que disfarçavam mal os sorrisos debochados.

— Que espetáculo — murmurou para si mesma, passando direto pela recepção, ignorando o espelho no hall de entrada.

Na sua mesa, tentou respirar fundo e encontrar um momento de lucidez. Antes que pudesse sequer ligar o computador, ouviu a voz familiar — e nada amigável — do chefe ecoar pelo corredor.

— Marina! Na minha sala. Agora!

A voz de Augusto tinha o tom ríspido de quem se orgulhava da própria autoridade. Era o tipo de homem que se alimentava do controle, e fazia questão de lembrar a todos, todos os dias, quem mandava ali.

Marina fechou os olhos por um segundo, como se pudesse invocar um campo de força invisível. Levantou-se e caminhou até a sala dele.

— Bom dia, senhor Augusto — disse, com um sorriso tenso no rosto.

Ele nem respondeu o cumprimento. Já estava de pé, com uma pasta na mão e o cenho franzido.

— Você pode me explicar por que a nova escala de funcionários ainda não foi distribuída?

— Escala? — Ela piscou, confusa. — Com todo respeito, senhor, essa tarefa geralmente é feita pela supervisão de RH. Eu sou secretária. A senhora Cláudia é que sempre lidou com…

— Cláudia pediu afastamento esta semana. E eu achei que você tivesse capacidade de assumir responsabilidades maiores. Me enganei?

Marina sentiu o estômago revirar. Não era a primeira vez que ele delegava tarefas além de suas funções formais, e não seria a última. Mas naquele dia, cansada, faminta e ainda molhada, sentiu que algo dentro dela estava prestes a se romper.

— Não, senhor, você não se enganou. Mas eu não fui informada de que teria que assumir funções do RH, tampouco recebi instruções. Tenho tentado manter tudo em ordem, mas…

— Mas? — ele a interrompeu, avançando um passo. — Está me dizendo que não consegue dar conta? Que se limita a bater ponto e passar café?

Ela sentiu o sangue subir ao rosto. Não era só cansaço. Era humilhação. Era a pressão acumulada de meses de tarefas extras, plantões não pagos, reuniões que invadiam suas noites e fins de semana. Era a ausência de reconhecimento, o esforço invisível, o silêncio diante das agressões sutis.

— O que estou tentando dizer, senhor Augusto — respondeu com a voz embargada —, é que estou sobrecarregada. E que não é razoável esperar que eu absorva o trabalho de outros setores sem suporte.

Ele bufou, caminhando até a mesa e batendo com a palma aberta sobre ela.

— Sabe o que eu vejo? Uma funcionária que se recusa a crescer, que se esconde atrás do crachá de “secretária” como se fosse uma proteção contra qualquer desafio. Se não está satisfeita, a porta é logo ali.

O silêncio que se seguiu parecia ter peso físico. Marina sentiu como se não houvesse ar suficiente na sala. Suas mãos tremiam.

— Estou cansada, senhor. Apenas cansada — disse por fim, antes de sair.

Voltou para a própria mesa como uma sombra de si mesma. Os olhos dos colegas a seguiram em silêncio, mas ninguém ousou dizer nada. Não havia espaço para empatia naquele ambiente. Sentou-se. Olhou para a tela preta do computador. Os dedos pairaram sobre o teclado, sem tocá-lo.

Foi então que veio a dor. Uma fisgada no peito. Súbita. A respiração encurtou, o mundo pareceu girar, mas sem pressa — como se tudo estivesse desacelerando. O som dos colegas se dissolvia. As luzes da sala perdiam nitidez. Era como se o tempo estivesse derretendo.

Ela fechou os olhos, e quando os abriu de novo… não estava mais ali.

A luz era diferente. Era clara, mas não feria os olhos. Suave, cálida, como se viesse de dentro das coisas, e não do céu. Marina flutuava. Ou talvez estivesse apenas leve demais para sentir o chão sob os pés.

Não havia mais chuva. Nem frio. Nem Augusto.

O ar tinha cheiro de lavanda e terra molhada. Em sua frente, uma colina verde se estendia até o horizonte. E, acima, um céu dourado, como se o sol estivesse em todos os lugares ao mesmo tempo.

Ela respirou fundo, pela primeira vez em muito tempo sem pressa, sem dor, sem urgência.

— Onde estou? — perguntou em voz baixa.

Uma mulher apareceu à sua frente, como surgida do próprio vento. Tinha olhos serenos e um sorriso acolhedor. Não parecia surpresa com a presença de Marina.

— Você está em transição — disse. — Às vezes, o corpo cansa antes da alma. Às vezes, é preciso parar para entender o que realmente importa.

Marina sentiu lágrimas escorrerem sem esforço.

— Eu estava… exausta. Perdida. Sozinha.

— Nós sabemos. E você não precisa mais carregar tudo sozinha.

Aquela frase, tão simples, pareceu dissolver as últimas barreiras que ela mantinha dentro de si. Marina caiu de joelhos. Não de fraqueza, mas de alívio.

— O que acontece agora?

— Agora, você descansa. E depois escolhe. Você pode voltar, se quiser. Ou seguir. Mas o que quer que escolha, que seja por você.

Ela fechou os olhos novamente.

— Eu escolho seguir…

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